domingo, março 16

ALEGRES JANTARES DE CASAIS



Quando terminar de fazer a caipirinha, tu podias me ajudar a descascar as batatas! Pediu Júlia para Antônio que olhava com um olhar esquecido o fogo no interior da churrasqueira. O fogo sempre exerceu um certo fascínio no homem desde tempos mais imemoriais. Antônio não sabia onde havia escutado aquela frase sobre o fogo, mas filosofava para si como se sua frase fosse. Protestou. Não podia se ocupar com as batatas, pois tinha de espetar a carne. Estava um pouco aborrecido, naquela sexta-feira, a janta seria no apartamento deles. Amanhã terá aquele monte de coisas para limpar e colocar no lugar.
Bem que o pessoal podia chegar! Comentou Júlia com uma lágrima produzida pela cebola que ela cortava. Júlia sabia que quando era churrasco sempre sobrava para ela. Churrasco é comida machista. Os homens ficam em volta do fogo como se eles fossem sacerdotes a cuidar de um poder divino e as mulheres que se ferram na cozinha.
Bateram a porta. Antônio foi abrir. Era Silvio e Cláudia. Antônio não deu muita atenção à chegada do casal, primeiro ele queria ver se Nara, a irmã de Cláudia vinha junto para o churrasco. Sim! O sorriso maroto surgiu por baixo do bigode espesso de Antônio. Entrem...Entrem! Convidava em meio a abraços, beijos, apertos de mãos e olhadas furtivas para Nara que nada parecia perceber.
Não chegou a fechar a porta, pois Zeca e Sandra já entravam com um fardo de latas de cerveja e aquele olhar falso de Sandra que Antônio odiava. Depois dos abraços e beijos, Sandra reparou contrariada que teriam a presença de Nara àquela noite. Devia manter-se em prontidão.
Quando Otávio e Carla chegaram, os homens já estavam na sacada em frente à churrasqueira, cada um com a sua cerveja, somente Antônio continuava na caipira, o que desagradava Júlia. Só faltava ele encher a cara e começar a brigar com Sandra- preocupava-se a esposa-. As mulheres estavam na cozinha. Tomavam com parcimônia suas cervejas. Somente Nara parecia ter uma sede um pouco maior. Falavam de novelas, do trabalho e de alguma fofoca qualquer.
Zeca, olhando para a cozinha cortou Silvio que falava da traição acontecida entre um casal conhecido do grupo para falar: Olhem lá! As mulheres já estão fazendo fofoca! Silvio baixou os olhos para o braseiro e ficou em dúvida: teria Zeca falado aquilo para debochar dele ou ele não havia percebido que eles estavam fazendo o mesmo que elas? Aquele palhaço! Claro que era uma provocação, mas não iria estragar a noite por causa daquele idiota. Com desculpa de ir ao banheiro, foi para a sala escolher um CD. Música! Era isso que estava faltando. Todas as sextas à noite eles ouviam música.
Na cozinha estourou uma rizada geral. Era Nara que contava piadas. Somente Sandra continuava séria – as piadas eram engraçadas, mas como era vulgar ver Nara dizer aquelas coisas e fazer aqueles gestos lascivos-. Antônio com seu avental de churrasqueiro segredou a Cláudio que a cunhada deste estava uma “coisinha”. Cláudio concordou com uma careta que o amigo entendeu que queria dizer “Nem me fala!”. Há coisas entre as pessoas de um mesmo sexo que não é preciso ser pronunciadas, um leve erguer de olhos, uma torção de lábios ou algo que o valha é o suficiente para os iguais se entenderem. Pena que com os do outro sexo as coisas não funcionavam assim. Mesmo com toda a argumentação possível, nunca se chega a um lugar comum.
Zeca estava desistindo de escolher o CD, pois não agüentava mais as mesmas músicas todas as sexta, quando percebeu Nara chegando com um copo vazio. Era a deixa. Encheu o copo dela e começou a conversar sobre amenidades. Os olhos provocantes de Nara o hipnotizavam. Só não ficava os fitando o tempo todo, porque aquelas longas e morenas pernas com pelos dourados raptavam seus olhos a todo o momento. A conversa ficou animada e Zeca não percebia os dois amigos os olharem e fazerem comentários entre rizinhos, fingindo não estarem com inveja. Olha o Zeca - dizia Antônio -. Não vai defender a honra de tua cunhadinha? Ao que Silvio rebatia: O quê? Aquele ali não pega nem dengue! E davam gargalhadas altas como para atrair a atenção de Nara. Ela que viesse ali para a sacada onde havia homem de verdade - concordavam sem saberem o que se passava na cabeça um do outro.
Finalmente escolheram um Zeca Pagodinho. Mal começou os primeiros acordes, Nara largou o copo sobre a mesa de centro e puxou Silvio para dançarem. Silvio não era o que se podia chamar de pé-de-valsa, mas não podia perder aquela chance. Ao sentir o volume dos seios de Nara contra seu peito, decidiu-se: Convenceria a esposa a ir na mesma clínica e pagaria para colocar os mesmos “eme-éles” que sentia contra si. Zeca em seu devaneio não percebia o olhar perigoso que vinha da cozinha - Essa vagabunda agora vai se esfregar no meu marido - reprovava Sandra- . O que queria “essazinha” metendo-se em jantares de casais, se não tinha um marido que fosse caçar onde houvesse solteiros.
Júlia que acabara de aprontar as saladas cochichou no ouvido de Cláudia “que gostava de Nara, mas ela não precisava vir com roupas tão curtas aos jantares de sexta”. Mas a probidade da irmã foi defendida com a afirmação que Júlia quando solteira vestia-se da mesma forma.
Cláudia foi ter com o marido que a chamava. Júlia então voltou à carga dizendo a Sandra que aquilo era falta de respeito, onde já se viu se atirar assim daquele jeito, mas Sandra tentando mostrar despreocupação disse que não era nada, que o marido inclusive não suportava Nara, só estava dançando para não ser mal educado.
Como a dança se prolongava, Sandra convenceu a todos que já era hora de sentarem-se à mesa. Com um olhar de facas, Sandra desencorajou o marido de sentar ao lado de Nara, mas ficou em dúvida o que era pior, ficarem de lado ou frente a frente? Bom! Como já estava decidida não podia baixar a guarda e ficou o tempo todo a procurar um olhar da parte de um deles que fosse correspondido. Zeca deu-se por satisfeito com a dança, não iria provocar a fúria da esposa. A carne chegou em uma fumegante bandeja e puseram-se a jantar.
Como se fosse um protocolo a ser seguido, os homens falavam de futebol, da qualidade da costela e lembravam outros churrascos fantásticos que haviam comparecido. As mulheres falavam da novela, de algo acontecido na casa de alguém ou com o filho de alguém na escola. E assim, aquelas histórias e estórias já há muito conhecidas eram repetidas como se da primeira vez fosse.
Antônio foi buscar mais carne. Desta vez decidiu ir servindo um a um em seus próprios lugares, se ficasse ali na mesa à carne esfriaria, o que era um pecado com uma costela tão maravilhosa. Todos acharam acertada a decisão dele. Júlia seria contra se soubesse que aquilo era apenas uma desculpa para ele chegar por cima dos ombros de Nara e ter uma visão privilegiada do bondoso decote. Mas aquilo não durou muito tempo, pois Antônio percebeu um olhar que o fuzilava vindo de Cláudia em socorro da irmã. Um rubor subiu-lhe a face. Antônio terminou o jantar sem falar muito.
Após o jantar, foram para a sala ouvir música e fumar. Júlia não tirava o olhar repreendedor sobre aquela mocinha que sentava ao chão com as longas pernas cruzadas e a cabeça repousada no joelho da irmã. Júlia achou que era chegada a hora de rivalizar com aquela exibição. Falou que estava muito quente e foi ao dormitório trocar de roupa. Voltou com a mesma camisa, porem amarrada em vez de abotoada e com um pequeno calção de jeans. Antônio ficou contrafeito, aquela não era a melhor maneira dela se vestir na frente de seus amigos.
Com exceção de Nara que estava completamente absorta, brincando com os dedos do pé da irmã, todos perceberam as intenções de Júlia. Se era guerra que queria ela estava pronta. Sentou-se no espaldar do sofá ao lado de Antônio. Sentiu olhares não muito interessados passarem por suas pernas. A conversa continuava normalmente. Disfarçadamente Júlia corria os olhos de suas pernas para as pernas de Nara, viu que a idade tinha lhe tirado um pouco da beleza, não que tivesse as pernas feias, mas as de Nara eram perfeitas. Sentiu-se envergonhada em achar as pernas da outra bonitas. A pretexto de uma dor de cabeça, desculpou-se e disse que iria deitar um pouco. As visitas disseram que iriam embora que não queriam incomodar, mas ela dizia que não era nada, podiam ficar, ainda havia muita cerveja e nem tinham provado o sagú com mousse de maracujá que estava na geladeira.
Júlia foi deitar-se e abafou o choro com o travesseiro. Ficou combinado que provariam a sobremesa e iriam embora. Todos estavam cansados - desculpavam-se -. Zeca que já estava bem embalado fez questão de que a próxima janta de sexta fosse em sua casa. Sandra, fingindo concordar, reafirmou o convite, e para parecer segura de si em relação ao seu casamento pediu que Cláudia não esquecesse de levar Nara junto. Zeca ficou mais contente com o convite que a própria convidada. Terminaram a sobremesa e iam saindo quando Nara protestou. “Não iria embora enquanto estivesse um garfo que fosse sujo ou fora do lugar”. Cláudia concordou mesmo diante aos protestos do dono da casa. Nara como se dona da casa fosse, distribuiu as funções para desgosto de Sandra: Ela lavaria a louça, este recolheria os pratos, copos e talheres, esta varreria o piso, aquela outra secaria e Antônio trataria de organizar as coisas do churrasco.
Finalizada a limpeza de tudo, tomaram uma saideira e despediram-se todos. Antônio fechou a porta e abriu mais uma cerveja, não queria deitar-se tão cedo, ele sabia que a dor de cabeça de Júlia era para acobertar algum descontentamento sobre alguma coisa que a pesada consciência dele não sabia o que era. Bem pelo menos a limpeza estava feita, isso talvez amenizasse a zanga que iria ter de ouvir.
Lá embaixo Zeca viu o carro de Silvio partir com as duas mulheres a ressonarem no banco traseiro. Bem! Na próxima sexta ele e Sandra seriam os anfitriões e ele se esforçaria para impressionar a cunhada de Silvio.
Ao perceber que Sandra o olhava com um olhar muito sério perguntou: “E aí, gostou da noite?”
_Cala a boca! – Ordenou-lhe a esposa entre dentes. Zeca foi todo o caminho para casa quieto pensando no que Antônio havia dito-lhe certa vez:
_Essas nossas jantas são um saco. Nos só as fizemos para não termos de ficar a noite de sexta sozinhos com nossas esposas, “E elas conosco” completou mentalmente a frase do amigo.



Stanis Fialho, 19.11.2007

2 comentários:

Anônimo disse...

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É... Os amigos vão embora e tudo segue na mesma monogamia, digo, monotonia.
Ótimo enredo!