quinta-feira, abril 28

O GUARDIÃO DE SIMONE


Adroaldo desceu do ônibus e ficou sem saber para onde ir. Nunca havia estado na região norte do estado. Sentou em um banco e pensou em ligar para Simone. Achou melhor esperar. Estava ali para conhecer a família da mulher que ele amava. Daquela família só conhecia Simone – sua noiva -, e achou que seria inconveniente apressar seus anfitriões. Em poucos segundos percebeu que foi melhor não ligar. Logo saltou Simone de uma velha e muito bem conservada Rural Willis. Foi apresentado a duas irmãs e a dois cunhados. Foi levado até a casa – para ele mansão – da família.
Era quase hora do almoço e ele foi levado a uma mesa farta e enorme a sombra de um caramanchão. Conheceu a matriarca – sua futura sogra – da família. O nervosismo logo deu lugar a um bem estar. Todos eram bem receptivos, principalmente as pessoas mais próximas a Simone.
Após a sobremesa se aventurou até a tocar e cantar algumas músicas com um primo de Simone que estava gravando um disco de milongas. A cerveja foi sem parcimônia.
A tarde saiu com a noiva para conhecer a cidade. Conheceu os amigos dela e voltou a casa para o jantar. Conheceu mais alguns familiares e amigos dela e saiu para a varanda. Ficou sabendo que não poderiam dormir juntos como estavam acostumados a fazerem, pois a família era muito conservadora. Mesmo decepcionado aceitou de pronto. Deram alguns cálidos e “educados” beijos e foi levado por Simone até o quarto que fora reservado para ele. Ficariam no mesmo andar e mesmo corredor, mas, separados por um banheiro – que eles chamavam de quarto de banho -.
Deu um último e rápido beijo e recolheu-se para dormir. Estava tudo correndo bem! Havia pensado que seria difícil aquele contato, mas estava tudo muito tranqüilo. Colocou o pijama e foi dormir.
No meio da noite a cerveja consumida na tarde o acordou. Tinha de ir ao banheiro. Conjeturou se deveria ir ao banheiro de pijama ou trocar de roupa. Olhou o relógio e viu que era mais de três horas. Poderia sair sem medo de encontrar alguém no corredor. Saiu.
Tão logo chegou ao corredor, levou um susto ao ver um senhor de vastos bigodes e jaqueta militar parado no corredor, bem em frente à porta onde Simone esta dormindo.
Refeito do susto, deu um aceno e um sorriso para o homem que o olhava sério. Entrou no banheiro. Urinou e ficou culpando-se por ter saído do quarto no meio da noite. Teria o homem pensado que ele esgueirava-se para o quarto de Simone? – pensou.
Saiu do banheiro e percebeu sem muito olhar que ele continuava lá de guarda a porta de Simone. Deu um sussurrado boa noite e voltou ao quarto. Estava com sono e logo adormeceu.
Acordou tão logo os primeiros raios de sol bateram nas frestas da janela. Não soube se acordou pela luz que adentrava pelas frestas ou pela pressão que lhe afligia a bexiga. Havia bebido muito no dia anterior. Viu que era cinco e vinte. Todos deviam estar dormindo. Saiu para o banheiro.
Tão logo chegou ao corredor, viu no mesmo local o homem de espessos bigodes de plantão em frente a porta de Simone. Deu um bom dia que não foi respondido e entrou no banheiro. Realmente a família dela era muito conservadora. Aquele homem ficou ali a noite toda de guarda para impedir que os noivos tivessem algum contato.
Aliviou a bexiga e lavou o rosto. Abriu a porta e percebeu que o guardião de Simone havia ido embora. Voltou ao seu quarto e dormiu.
Foi acordado as oito e trinta pelo irmão de Simone. O estavam esperando para o café na cozinha. Vestiu-se e foi ao banheiro lavar-se e escovar os dentes. Ficou feliz em não ver o homem de plantão a cuidar dele – ou dela -.
Quando chegou na cozinha Simone veio correndo ao seu encontro dando-lhe bom dia e um beijo na boca. O abraçou e cochichou ao ouvido: _ Eles gostaram de ti! Caso contrário não fariam um café assim tão íntimo na cozinha, quando é café com pessoa de fora, eles fazem na sala de jantar e não aqui na parte íntima da casa.
Adroaldo foi saudado com bons dias amigáveis. Sentiu-se integrado a família. Foi levado a sentar entre a futura sogra e Simone. Serviram-lhe um fumegante e perfumado café. Esperou que alguém começasse a beber o café e só então levou a caneca aos lábios.
Em meio ao primeiro gole e a fumaça do mesmo, viu o homem de espessos bigodes que guardara o quarto de Simone em uma pintura desbotada em um quadro de bela moldura. Cessou o gole de café e com a caneca quase colada aos lábios perguntou: Quem é ele?
_ É meu avô! – respondeu Simone orgulhosa - Foi um grande herói que deu sua vida na revolução de trinta.
Adroaldo deu um apavorado grito, mas não pelo calor do café que caiu em seu colo!

sexta-feira, abril 15

Prolongando o Fim


Há muito havia acabado. Nós dois sabíamos que nada sobrara daquilo que um dia chamáramos de amor e que um dia fora um casal. Chegamos um dia ao momento que não havia mais o que esconder: Estava terminado!
Um de nós tinha de dar um basta, e foi você! Não tive a coragem de tomar a decisão, você tomou! Chorei! Você chorou! Não choramos por amor, mas pela dor de ver que tudo aquilo que um dia nós havíamos jurado ser para sempre chegou ao fim.
Como dois seres evoluídos e inteligentes resolvemos tudo terminar, mas havia coisas a serem acertadas antes de cada um ir para o seu lado. Ficou combinado que resolveríamos tudo com civilidade. Era só o tempo de acertarmos coisas que julgávamos triviais: casa, pensão, carro, família e tudo o mais que nos unia.
Pensava que tu ficarias em casa ao meu lado como sempre ficara até tudo se resolver, mas não! Tu começastes a ter imediatamente uma nova vida enquanto eu estava ainda entre o apper e a lona. Por respeito ou costume me pedias para sair e eu num fingido desdém te olhava e dizia: Vai!
Vai para tua vidinha pequena e burra, para tua noite falsa e podre, para os teus perdidos e doentes de espírito eu dono de mim dizia.
Tu ias! Eu ficava sozinho naquilo que um dia foi nosso lar. Olhava as paredes e não via as mesmas paredes que um dia serviu de redoma a nossa felicidade. Olhava os móveis que nós compartilhamos por toda uma vida e não os sentia mais como sendo meus. Olhava os retratos na estante e via uma família destruída... podre...
Não bebia! Me reclusava aos meus livros e discos mas eles não me davam o prazer que antigamente no meu silêncio mesquinho e egoísta em tua presença me davam. Vagava pelos corredores e cômodos vazios para preencher-me e mais vazio me tornava.
Não conseguia dormir! Ficava guardião dos ponteiros do relógio da sala de jantar. A todo som que vinha da rua corria para a porta de entrada esperando ver você furtivamente, alegre e embriagada entrar. Não eras tu! Era apenas mais um carro que passava em frente daquilo que um dia nós chamamos de nossa casa.
Finalmente tu chegavas e o desdém que havia lhe dado a “´permissão” de sair era metamorfoseado pela mais dolorosa e rancorosa raiva.
Perdida! Vadia! Burra! Mesquinha! Bêbada! Insana! Eram apenas os primeiros adjetivos que lhe jogava na cara. Tu tentavas ficar indiferente a tudo, mas depois de tanto ouvir imprecações explodias. Brigávamos por pelo menos uma hora até tu desistires e ir dormir no quarto que um dia fora nosso e eu me jogava louco como um kamikase no sofá da sala.
Não dormia de pronto! Em parte devido à excitação do embate e também pelos pensamentos e sentimentos que me percorria a cabeça feito carrossel. Abatido pelo cansaço adormecia.
Nem bem clareava o dia pulava do duro sofá e preparava um café para despertar-lhe - Não levava flores junto às torradas porque sabia que seria teatral demais - . e passava o dia inteiro a lhe paparicar e esforçando-me para criar em ti aquele velho sentimento que a muito estava morto, até o amor novamente como um camaleão retomar as cores do desdém.

quarta-feira, abril 13

De jardins alheios


Li essa semana “A arte de reviver” de Manoel Carlos e nas crônicas chamadas “De jardins alheios” e “De jardins alheios 2”, onde ele pinça algumas pérolas do livro “De jardins alheios” do argentino Adolfo Bioy Casares. Eu gostei e selecionei algumas:
_De Jorge Luiz Borges: “É tão estranho este mundo que tudo nele é possível, até mesmo a Santíssima Trindade”.
¬_De Luiz XV para o seu médico: “Ah! Doutor, não há melhor afrodisíaco do que mudar de mulher”.
_Do escritor Jules Renard: “Raramente faço promessas, mas quando faço não as cumpro”.
_Anúncio num jornal argentino: “Troco meu carro por qualquer veículo que ande”.
_Observação de um militar americano, depois da guerra: “Fazer amor com uma japonesa é como a masturbação, só que mais solitário”.(essa é um absurdo).
_Frase de pára-choques de caminhão: “Antes sonhava com você, Agora você não me deixa dormir!”.
_Observação de uma senhora Argentina: “Atualmente morrem pessoas que nunca morreram”.
_Duas de Grouxo Marx:
“Recebi seu livro. Desde que o abri até o momento em que eu o fechei, ri sem parar. Mas infelizmente não pude lê-lo” e;
Agradecendo a Academia de Hollywood, na festa em que recebeu o Oscar: “Senhores, vivi uma noite inesquecível. Mas não foi esta”
E por aí vai!
“De jardins alheios” Tema Grupo Editorial, Argentina, 1997.

quinta-feira, abril 7

alegria e dor

O que dói não é passar fome
E sim não saber quando de novo irei comer.
O que dói não é amar alguém
E sim não saber se serei amado igual por esse alguém.

O que alegra não é o riso
E sim saber quem provocou esse riso
O que alegra não é o beijo
E sim saber se sempre poderei saciar esse desejo.

terça-feira, abril 5

RE-POSTAGEM 10 ou sem tempo e/ou preguiça e/ou inspiração


Pequena Helena e os cães postado originalmente em 15/set/2009

É uma noite de quinta, fria e chuvosa. Helena com seus pezinhos encharcados de menina de 8 anos para em frente a um restaurante. O chinelinho velho de número menor não é o suficiente para aquecer aqueles dedinhos que estão brancos e enrugados de tanto frio. Da mesma forma, a fina camiseta e a calça de jeans puída nada conseguem contra o intenso frio.
Lá dentro deve estar bem quentinho! É o que chama a atenção da pequena Helena, mas não só a temperatura a hipnotiza, a tv de “sabe lá quantas polegadas” e a comida que ela vê sobre as mesas a atraem tanto quanto o calor que ela imagina existir lá dentro.
Hoje ela já foi corrida de mais de uma dezena de bares e restaurantes. Os garçons, em sua maioria, são indiferentes ao frio e a fome. Tem alguns que ficam penalizados mas nada podem fazer, existem ordens a serem cumpridas, e não deixar pedintes “importunar” os clientes é uma delas.
Mas parece que desta vez a pequena Helena está com um pouquinho de sorte! O garçom não lhe ofereceu nada de comer e nem deixou ela ir nas mesas pedir um “troquinho” mas, pelo menos, deixou ela entrar um pouco e ficar ali perto da porta de entrada onde não pegava vento e dava para ela ver tv.
Ela prende o olhar e a atenção na tv. Já faz muito tempo que a velha tv que o pai comprara num brique estava estragada. Ela já nem sabe há quanto tempo não vê tv, o que dirá ver o pai! Pelo menos com o desaparecimento do pai, pararam as visitas noturnas que apavoravam a pequena Helena.
Na tv, um programa que parece não interessar aos demais lhe chamam a atenção – mais para espantar aquele cheirinho de comida quente que vem das mesas e da cozinha - e ela descobre que existe um lugar em que as pessoas tem os olhos puxadinhos e que se chama China e haverá uma festa. Ela não sabe bem que festa será essa, mas, fica sabendo pela bonita apresentadora que irá pessoas de todos os paises para disputarem um monte de jogos.
Depois de mostrar lugares bonitos e outros nem tanto, a apresentadora começa a falar dos hábitos alimentares daquelas pessoas de olhos estranhos. A pequena descobre que naquele lugar que ela não sabe onde é mas se chama China, as pessoas comem cães. Nunca ela havia imaginado algo semelhante. Ela já havia comido galinha, vaca e até porco, mas cães!?!... Sabia que as pessoas comiam rãs, faisões –que ela não tinha a mínima noção do que era – e até lesmas com uns nomes engraçados, mas cães!?!...
O programa mostra os cães sendo preparados e também as pessoas os comendo com cara de que estão adorando. Como nunca alguém havia lhe dito aquilo, ela não se contém...
_ Tio...Tio...
Um senhor com cara de poucos amigos a encara.
_ ”Quié?”
_ O senhor sabe me dizer como eu faço para ir para esse lugar que se chama China? – a pergunta não esperada faz o homem sorrir.
_ E pra que tu quer ir pra China minha filha?
_ É que lá em casa a gente só tem o Bolinha e a mamãe não vai deixar a gente comer ele, ainda mais que ele é tão pequeninho pra “nóis tudo”!