quarta-feira, agosto 31

Maria Amparo Escandón



Costumo escolher filmes para assistir pelo título. Às vezes o título me chama, e já tive gratas surpresas com isso, por exemplo: “A lenda do pianista do mar” e “O homem que não estava lá”. Às vezes faço isso com livros também. Quando não tenho alguma indicação, fico a olhar os títulos nas lombadas dos livros e vez que outra surge algum que me chama a atenção.
Assim foi com o livro “A caixa de Santinhos de Esperanza”. Ed. Rocco, da autora mexicana Maria Amparo Escandón. Nunca havia lido algo dela – nem sabia que ela existia -. Peguei o livro porque achei o título curioso.
Na primeira semana li uma dezena de páginas – mas é bem verdade que estava bem atarefado nesta semana -. Na segunda, li mais uma dezena, quando enfim, na terceira semana, faltando dois dias para eu ter de entregar o livro a Biblioteca Publica Municipal Monteiro Lobato de Gravataí, li até a metade e no ultimo dia não consegui dormir enquanto não terminei o romance.
Gostei muito! O estilo da narrativa me lembrou um pouco Zélia Gattai e, a história uma mistura de Jorge Amado e Jorge Luis Borges.
Vou procurar outros títulos de Maria Amparo Escandón para ver se tem a mesma força e beleza.
O livro virou filme: Cáchame - Santitos em 1999, dirigido por Alejandro Springall. Vou ver!


para Pai Eloy e Mãe Elena


Viajaria mundos
Entraria profundo
Ao centro do mundo
Beberia a magma
Como se fosse um suco
E voltaria a fazer outra vez mais.

Cortaria as veias
Cegaria meus olhos
Mutilaria meu corpo
Não ouviria mais
Deixaria de viver minha vida
Só para dizer que lhes amo
Meus amados pais.

segunda-feira, agosto 29

"ERRATA" - Cecilia Meireles

Depois de impresso, reparo
que, embora cego, êste espelho
levanta uma sobrancelha
a apontar meu êrro claro

(Os espelhos sem reflexo
guardarão sempre algum brilho
para vírgula, ou cedilha
ou acento circunflexo...)

Como porém, cada dia
vai sendo a vidadiversa,
e, quanto mais fiel, o verso,
mais infiel, a ortografia,

pode ser que, brevemente,
o espelho, nessa moldura,
já não seja cego e impuro,
mas certo e clarividente...

Obra Poética - 1977

quinta-feira, agosto 25

Um pouco disso tudo


O que eu quero meu amor
Não é alguém que me entenda
Nem alguém que me faça rir.
O que eu procuro meu amor
Não é quem goste do que eu goste
Nem vá aos lugares que eu vou!

O que eu mais quero amor
Não alguém que me de carinho
Ou que goste dos meus carinhos
O que eu mais procuro amor
Não é alguém que adormeça comigo
E sempre acorde comigo.

O que eu mais quero meu amor
O que eu mais procuro meu amor
É apenas um pouco disso tudo
Em você amor!

quarta-feira, agosto 24

O confessor


Charles entrou na igreja de cabeça baixa. Estava acostumado a entrar ali, mas não tinha muita coragem para expor seu rosto naquele fim de tarde. Passou pelo batistério e foi direto a caldeira de água benta. Molhou o dedo indicador e fez o sinal da cruz.
Fosse um dia normal de ele estar ali, como um domingo, por exemplo - pois ele sempre ia a missa no domingo desde os tempos de criança, não por devoção, mas por ter aprendido que deveria agir assim -, ele se sentaria nas primeiras bancadas e oraria. Hoje não! Hoje era um dia muito diferente na vida do devoto cristão.
Olhou os vitrais. Conhecia todos de cor e salteado. Mas hoje eles tinham algo diferente! São João Batista continuava derramando água sobra à nuca de Nosso Senhor, Santo Antônio continuava com o Menino Jesus em seu colo, São Miguel ainda estava com seu pé sobre a cabeça do demônio e sua espada pronta para acabar com o capeta e São Jorge mantinha a sua postura de bom ginete, mas algo estava estranho!
Os olhos! Os olhos dos santos pareciam todos estarem focados nele.
Charles pensou em dar meia volta e ir embora, mas sabia que não enganaria ninguém – pelo menos os santos não, pois eles vivem ao lado de Deus e deviam saber de tudo, por isso o olhavam! - . Ficou por um tempo parado como estavam parados também os santos em seus vitrais. Corpos parados em seus eternos afazeres e olhos cravados nele.
Ouviu um pequeno ruído. Era o padre Clemente que entrava no confessionário. Entrava em silêncio, com o mesmo silêncio que deveria sair, pois o que é dito no confessionário deve ficar relegado ao silêncio. Charles na verdade achava – e isso não lhe foi ensinado, ele apenas achava que era assim, que ao sair do confessionário o padre esquecia tudo o que ouvira, pois ele apenas servira de ligação do homem a Deus! -.
Queria que houvesse uma multidão de devotas para confessar seus pecados sem graça, mas naquele dia não havia ninguém para se confessar além dele.
Mais uma vez embebeu o dedo na água benta e fez novamente o sinal da cruz. Aproximou-se e quedou-se sobre o genuflexório. Ficou mudo. Não sabia – pela primeira vez na vida – o que dizer ao confessor. Ficou mudo esperando o confessor, padre Clemente falar as palavras de praxe. Não ouviu nada. Tomou coragem.
_ Padre eu pequei! – pronto, agora iria até o fim -.
_ Sim meu filho! – ficou mais tranqüilo.
_ Na verdade eu não lembro de algo para falar desde o último dia que aqui estive que possa ser um pecado. – baixou a cabeça de resignação e vergonha. – mas tenho algo para dizer!
_ Sim! – ouviu depois de um longo silêncio.
_ Eu sou temente e seguidor das palavras de Deus. Tu bem sabes padre! – parou.
_ Fale Charles! Pode se abrir e falar seus pecados! – Ao ouvir seu nome, Charles ficou espantado, achava que assim como ele não via o padre ele também não era visto. Então o padre Clemente sabia de todos os seus pecados! Achava que o confessor ouvia os pecados dos penitentes sem saber quem falava. Ele não via a cara do padre, mas sabia que era o padre Clemente, mas achava que ficava em segredo e não era visto pela pessoa que olhava de dentro para fora do confessionário. Ficou mais envergonhado.
_ Sim?
_ Padre eu não lembro de nada de errado a não ser um pequeno roubo no jogo de carta com meu cunhado desde a última confissão. – um momento de silêncio -.
_ Abra seu coração filho!
_ Bom padre! O meu pecado não foi feito, mas será feito e por isso estou aqui.
_ Como assim filho?
_ O senhor sabe que sou caminhoneiro e fico muitos dias fora, minha mulher até diz que chora quando viajo! Pois, uns caras vieram e disseram que quando eu viajo a Cidinha, minha esposa, recebe alguém lá em casa!
_ .....
_ Na primeira vez eu briguei e afirmei que era mentira, mas quando outros vieram falar eu fiquei com a pulga atrás da orelha!
_ Não deve cair em tentação meu filho! O diabo tem várias formas de tentar nos ludibriar.
_ Eu sei padre! E acho que tudo é mentira! – estava falando alto e olhou para os lados para ver se não era ouvido por outras pessoas – Eu acredito na fidelidade de minha Cidinha, mas os caras falaram pra eu ficar de campana que assim eu descobriria tudo.
_ Bobagem! A D. Eucida é uma mulher honrada e uma boa cristã!
_ Eu sei Padre, mas não posso viver na dúvida e resolvi tirar tudo a limpo! Falei para ela que iria viajar hoje e só voltaria após uns seis dias. Mas eu vou é ficar escondido para ver se não aparece ninguém!
_ Bobagem!
_ Eu sei Padre, mas tenho de fazer isso, mesmo acreditando na lealdade de Cidinha! Se não fizer eu ficarei sempre com dúvidas, e depois os mesmos caras que falaram, disseram que se eu não flagrasse ela, eles mesmos me diriam quem era o cara que estava “fazendo” ela! - Com o perdão da palavra padre!- . Mas eu prefiro ver com os meus próprios olhos para ter certeza!
_ Meu filho! Tu não podes por a prova a honra da mulher que Deus abençoou como sua esposa, por causa de palavras de pobres pecadores!
_ Mas é isso mesmo Padre! Eu não acredito neles, mas eles mandaram eu fazer uma campana, que eu então descobriria e se eu não descobrisse eles mesmos falariam o nome do cabra que ta de caso com minha Cidinha.
_ Bobagem! Esqueça isso e segue tua viagem! Vá trabalhar e cuide de tua vida e da vida de tua esposa com muito trabalho e devoção a Deus! O que Deus une o homem não separa!
_ Sei não Padre? Na dúvida vou ficar hoje escondido no mato com a pistola pronta.
_ Isso não meu filho! Matar é pecado!
_ Mas é por isso que vim aqui Padre! Vim me penitenciar por um pecado que posso vir a cometer.
_ ...
_ Se aparecer alguém hoje a noite... depois de eu fingir que fui viajar, esse alguém vai comer chumbo!
_ Não meu filho...
_ Sim Padre! As pessoas têm de respeitar um trabalhador e as “mulhé” dos outros!
_ Tu não podes fazer isso meu Fi...
_ Posso sim Padre! Tem que ter respeito pelas pessoas! E o Senhor...
_...
_...
_ Sim meu filho?
_ O Senhor tem de manter sigilo de confessionário! Se nada houver, muito que bem, mas se houver eu serei o primeiro a ir procurar a delegacia e falar que matei os dois safados.
_ Mas...
_ Espero que nada aconteça, - quase chorou - o que muito acredito, mas se houver...
_ ...
_ Benção Padre! Já vou rezando que é para não haver o pior
Charles subiu no caminhão e deixou a cidade. Escondeu o caminhão em um posto de gasolina e voltou às pressas antes que escurecesse.
Não trazia nada além da pistola que comprara de um uruguaio na última viagem.
Entrou no mato que ficava em frente a sua casa. Ainda havia luz solar. Esperou escurecer e esgueirou-se até uma vegetação de médio porte bem em frente a sua casa e ficou de tocaia.
Depois de vários minutos veio a vizinha e puxou papo com Cidinha. Ficaram por quase duas horas no portão. A vizinha foi embora e Cidinha entrou. Charles acendeu um cigarro, mas cuidou para a brasa não aparecer para quem estava em sua casa.
Duas horas depois viu Cidinha, sua mulher passar pela janela em prantos! Ela sempre falava que chorava quando ele estava em viagens! Seria o choro por ele?
Logo veio a meia-noite! Hora ideal para um amante – pensou Charles -. Nada!
Veio a madrugada e nada aconteceu e finalmente o dia raiou.
Charles cansado, sem dormir e com uma pistola na cintura decidiu que estava errado: Sua Cidinha não o traía, ele era um babaca e acreditou nas bobagens do pessoal do trabalho.
Jogou a pistola num córrego próximo e correu ao centra da cidade. Há essa hora o padre Clemente deveria estar exasperado sem saber o que havia ocorrido, apesar de saber que o padre sabia da fidelidade de Cidinha.
Em pouco tempo chegou na casa paroquial.
Estancou! Havia um monte de gente em frente à casa do padre.
_ O que houve? Perguntou Charles a uma das beatas.
_ O padre Clemente deixou um bilhete dizendo que agiu muito mal com uma de suas ovelhas e foi embora sem dar mais explicações!
_ FILHO DA PUTA! – Só Charles, Cidinha e alguns amigos entenderiam o porque do palavrão

segunda-feira, agosto 22

RECADO

Pelo menos uma coisa boa na novela "Fina Estampa" que começou hoje(22/08), uma música do Gonzaguinha.

Recado
Gonzaguinha
Composição: Gonzaguinha

Se me der um beijo eu gosto
Se me der um tapa eu brigo
Se me der um grito não calo
Se mandar calar mais eu falo
Mas se me der a mão
Claro, aperto
Se for franco
Direto e aberto
Tô contigo amigo e não abro
Vamos ver o diabo de perto
Mas preste bem atenção, seu moço
Não engulo a fruta e o caroço
Minha vida é tutano é osso
Liberdade virou prisão
Se é amor deu e recebeu
Se é suor só o meu e o teu
Verbo eu pra mim já morreu
Quem mandava em mim nem nasceu
É viver e aprender
Vá viver e entender, malandro
Vai compreender
Vá tratar de viver
E se tentar me tolher é igual
Ao fulano de tal que taí

Se é pra ir vamos juntos
Se não é já não tô nem aqui

quinta-feira, agosto 18

Tinha de ser


Já fiz tudo para acertar
Procurei meu certo par
Busquei a cara metade
Até viver com a saudade.

Até me dei sem pensar
Beijei só por beijar
Procurei o que era certo
Até a minha cara quebrar.

Fui atrás de conselhos
Caí até de joelhos
Nada deu muito certo
E o amor estava muito perto.

Tinha medo de falar
Mas tinha de arriscar
Poderia perder uma companheira
Ou um amor pra vida inteira.

Boa Noite Amor


Quando o despertador te chamou, não foi para te aborrecer com as coisas chatas do dia-a-dia, mas para lembrar-lhe que tem alguém que te ama.
Quando aquele grãozinho de pão, no café da manhã caiu no chão foi para chamar a tua atenção para a pessoa que tanto te ama.
Quando em meio aos seus exercícios tu cansaste, foi apenas para tu perceber que tem alguém que não cansa de pensar em ti.
Quando ao meio-dia tu te alimentaste, talvez tu nem tenha percebido que alguém se alimenta do seu amor.
E hoje à noite antes de dormir, por certo este alguém irá te ligar e lhe desejar uma:
Boa noite, Meu Amor!

domingo, agosto 14

RE-POSTAGEM 13 ou sem tempo e/ou preguiça e/ou inspiração


Saudade é coisa de velho. Mas e daí! Além de guri eu sou velho. postado originalmente em 15 de novembro de 2009

Lembro que quando comecei a sair para as noitadas em Gravataí, só havia uma opção de bar no centro da cidade. Era o Restaurante Vila Velha, onde a gurizada e outros nem tanto, ficavam em um estacionamento em frente o Vila para beber, namorar, ouvir música e outras cozitas mais. Já na Segunda feira era Show, o Vila abria o microfone para quem tivesse a coragem de tocar e cantar, ou tentar pelo menos. Por lá passaram o Franck, o Carneiro, o Geraldo, a Mara, o Piáco e tantos outros, inclusive o Sinfra. Eram amadores, alguns nem tanto, mas era ótimo ter algo divertido varando a madrugada que não fosse comprar um Velho Barreiro no antigo Bar Azul - que ficava onde hoje é a Massaroca e era o único bar que nunca fechava e tinha “ovos cozidos atômicos” que formavam um cogumelo verde e fedorento quando a tampa do vidro era retirado pelo zumbi que atendia dia e noite - e encher a cara num banco da praça com o Goda, o Chimango, o Inhambi, o Toco, o Tita e outros tantos para depois ser abordado pela brigada porque o violão tinha “um som sonoro” conforme nos foi revelado pelo zeloso policial.
Depois veio o Tertúlia - que antes era o Espetinho – com a música nativista, mas nativismo de verdade e não os rebola tchês de hoje. Por incrível que pareça um dia ser nativista era fashion. Todo mundo usava bombacha, ia nos CTG”s e nos rodeios e ouvia milonga e tudo. O Tertúlia bombava, tinha dias que o pessoal ficava na espera por uma mesa para ouvir “Os esquiladores”.
Finalmente surge O Pandollo, que já era rabugento desde a inauguração. Música ao vivo lá só o hino do Grêmio, mas enquanto não chegava “a saída” do Dom Feliciano e do Josefina era lá mesmo o "point".
E vá caipira no Pandollo e Canelinha no Fica Frio, que ficava ao lado. O bar que tinha "báúrú" com 3 acentos e o anúncio na parede da frente oferecendo “torrada american” e na parede do lado o “a” que não coube na fachada. Vale lembrar que o Fica Frio também foi o Sócio, o Crente, o Seu Almiro e um dia “Bar Sobaca” que a gente não sabia o que queria dizer. Mas como eu não tinha muito o que fazer a não ser fazer nada, tive tempo para filosofar e acabei chegando a uma hipótese:
Se Sobaca começa-se com “ç” e invertendo-se as sílabas chegaríamos a “cabaço”.
Como o dono tinha umas filhas muito das gos........ Não! Não devia ser isso!
Bom e depois?
Depois casei.

quarta-feira, agosto 10

Sonho


Gabriel acorda com o som de seu despertador. Levanta e lava o rosto na pia que fica a poucos passos de sua cama. Escova os dentes e logo pega a pequena Bíblia que dorme embaixo de seu travesseiro. Abre uma pagina as cegas. Lê e acha que entendeu tudo o que leu, mas pelo menos alguma coisa assimilou.
Estende a cama impecavelmente e guarda a Bíblia embaixo do travesseiro. Não vai levá-la, acha que ela será mais importante para a pessoa que irá ocupar a sua cama após ele sair.
Tira o pijama e coloca a roupa que havia deixado pronta para vestir hoje. Recolhe os poucos cartões e bilhetes que tem colados na parede. Antes de guardá-los na mala lê mais uma vez o que estava escrito em cada um deles.
Olha no relógio e vê que tem mais alguns minutos. Pega uma gasta vassoura em um canto e varre o chão. Não há nada para recolher, o chão está limpo como sempre.
Pensa em retirar o rádio da mala e escutar uma música, mas o tempo seria impossível para uma música inteira, então desiste.
Ia sentar na cama, mas para não estragar a cama já feita mudou de idéia.
Olhou para a pequena janela. O sol entrava feliz contra as grades que guarneciam a cela de três por três.
Em pouco tempo viriam os agentes para libertá-lo. Cometeu um erro e cumpriu sua sentença. Agora iria sair e levar uma nova vida. Teve tempo e auxílio para repensar sua vida e nunca mais cairia em erros novamente.
Súbito, sentiu uma pancada nas costas! Foi o suficiente para acordar!
Gabriel levantou do duro e sujo chão para dar lugar para outro condenado deitar e tentar dormir na cela de dois por dois onde estava com mais doze condenados.
Estava acordado e longe do sonho que a pouco sonhava e ainda lhe faltavam seis anos e alguns meses para tentar uma condicional
Ficaria naquele inferno sonhando em poder sonhar novamente!

quinta-feira, agosto 4

Amor de Simão e Zinha


A manhã chegou ao povoado e junto dela a figura de Simão. Chegou de mansito em seu cavalo carvoado assim como seu cavaleiro. Os poucos que estavam na frente ao bolicho torceram o nariz como sempre torciam ao ver um forasteiro negro chegar ao povoado. Os negros de casa eram conhecidos e “até” respeitados, mas os de fora eram vistos como problema. Desde o fim da guerra eles andavam guaxos e arengueiros.
Além do mais, este veio com um lenço vermelho surrado que cobria quase toda a cara. _ Só bandido ou gente maleva esconde a cara!
Apeou e ajoujou o animal junto a um cinamomo bem em frente ao bolicho.
Ficou de frente a todos e levou a mão à cintura. Todos ficaram aboletados e prontos para responder a alguma toreada do recém chegado, mas ele só sacou uma flauta de taquara. Com a mão que estava livre, puxou o lenço colorado para baixo revelando a cara a todos.
_ Simão? – gritou Glorinha, moça negra que trabalhava na cozinha e estava trazendo uma linguiça assada para o regalo da clientela. A taquara tocou os grossos lábios do negro e produziu um som maravilhoso que fez com que todos ali presentes soubessem que era realmente Simão.
Logo após o acontecido em Poncho Verde, Simão sumira. Alguns davam conta que ele havia seguido Neto para o Uruguai, mas nada de muito certo.
Mas ali estava Simão. Ele era mui conhecido, pois era antes da incorporação aos Lanceiros Negros um simples mandalete do Capitão Fernandez, e que tinha certas regalias por tocar para muito gosto do patrão, melodias- que encantavam o dito – muito bonitas.
Todos ali já haviam escutado a cantoria que produzia aquele pedaço de taquara nos churrascos do Capitão. Ele – o galonado – orgulhava-se de ter em casa um escravo com dotes musicais.
Ninguém esperava ver o Simão de volta - Qual pássaro volta à gaiola após a fuga? -. Era sabido que a liberdade aos escravos incorporados aos farroupilhas era pura conversa.
Pois ali estava Simão. Tocou uma alegre melodia até perceber que os ânimos estavam acalmados. Recolheu a cintura o instrumento e mostrou as canjicas num longo e frouxo sorriso.
_ Mas então de onde vens o vivente? – perguntou um e foi o mote para Simão entrar em contato com as gentes que ali se encontravam. Perguntaram por histórias e contaram outras e Simão foi-se aboletando com eles no bolicho.
Depois de tantos causos, Simão puxou da m ala de garupa que o acompanhava algumas patacas e pediu uma canha. Foi servida, e todos os outros se serviram a suas próprias expeças de mais algumas.
Assim como a cana corria, a notícia da chegada de Simão correu à casa do Capitão Fernandez que logo resolveu ir tomar satisfações do negro fujão que abandonara seus serviços para seguir os revoltosos.
Tonho, o filho do Capitão, chamou o pai e segredou que na batalha em que ele fora ferido por uma lança Farroupilha, só não morreu pela intervenção de Simão.,.
_ ... ele recolheu-me para um capão e cuidou de minhas feridas e só depois de me ver em condições de voltar para casa, voltou para os revoltosos! – O velho Fernandez não ficou feliz em saber que seu único filho foi salvo pelo inimigo, mas ao mesmo tempo sentiu-se agradecido, pois além de Tonho, só tinha mais uma guria, a Terezinha, e era Tonho que deveria seguir a tradição da família. Tradição de grandes guerreiros e conquistadores. E se ele estava vivo era pela ajuda de Simão.
No bolicho os olhos e ouvidos estavam presos aos relatos do negro Simão...
_ e vai que o General Bento pega de sua espada e... – parou o relato ao ver que todos viraram os olhares para o lado da porta de entrada.
Era o Capitão e seu filho que chegavam! Ficaram todos parados como gambás ao receber uma paulada.
_ Ô Simão – correu Tonho ao encontro do negro e deu um abraço, cochichando para ele – não fala do ferimento da guerra.
_ Sinhô Tonho! Esse foi o macho taura que salvou a minha vida na guerra – mentiu em voz alta para todos Simão -, não fosse a fibra dos Fernandez, eu hoje seria alma penada a vagar em busca de salvação!
Ao ouvir a declaração do negro, todos erguerem seus copos dando vivas a bravura – mentirosa – do filho do Capitão.
_”Putcha!”... Esse é Fernandez mesmo! Não esquece um amigo nem na refrega! – gritou um gaiato.
_ E é assim mesmo! – trovejou a voz do Capitão Fernandez – Um Fernandez nunca esquece um amigo. – fuzilou um olhar a Simão – E mande logo uma rodada de canha pra todos em festejo pela volta de Simão.
A noite foi longa. Correu trova e canha até não mais.
Raiando o dia, Capitão Fernandez mais pelo efeito da maldita que pela bondade ofereceu a Simão: Se aboleta lá no galpão da fazenda. Amanhã teremos um churrasco dos buenos, que é aniversário de Terezinha!
Simão que nem atinava mais, para o bem ou para o mal, queria mais era deitar o pelego. Foi.
Simão acordou jogado sobre umas enxergas fedorentas. Olhou e viu que estava no velho galpão que dormia antes de se meter na guerra. Tudo era muito conhecido dele, menos o alarido que vinha de fora.
Se aprumou e saiu. Todos corriam para preparar uma grande festa. Só então veio em sua memória o aniversário da filha do capitão. Simão buscou na memória a imagem de Terezinha e lembrou de uma guriazinha magra como rancho de peão e embestada como mulher de Coronel que ele cuidava antes das refregas e muito deu suas costas pra brinquedo de montaria.
Meteu-se no meio dos azucrinados que corriam pra lá e pra cá e sentou-se num banco.
_Mas então ta de “valde” porque? – ouviu uma voz angelical em suas costas. Virou-se e viu a “cousa” mais linda de sua vida. Uma chinoca de cabelos torcidos por mãos de anjos e um olhar perigoso de mel pintado por demômios que atraia qualquer desavisado para uma ferroada.
_”Discurpe”! To atrapalhando? – perguntou vexado e recém e logo apaixonado. Simão pensou que se havia céu ele deveria ser povoado por anjos iguais ao que via em sua frente.
_ Simão? És tu?
_ Sim! Simão sou eu!
_ Zinha! Sou eu! Zinha! – abriu os braços em forma de cruz - . Não lembra da Terezinha?
O miolo do negro Simão fez voltas e viu a pequena Zinha que galopava em suas costas a brincar de cavalo de guerra e que cuidava dela quando ia tomar banho de rio.
Ao lembrar do banho de rio, Simão ficou com a cara encarnada. Era apenas uma menininha de oito ou dez anos, mas agora em sua frente estava uma linda mulher que qualquer um iria querer colocar na garupa e levar embora.
Foi abraçado e ficou mais abrazado ainda. Antes era uma menininha que nem cabelinho nas partes tinha, agora era um mulherão, mesmo que pouca idade tivesse.
Fugiu do abraço e se recompôs.
_Dona Zinha! – tentou uma voz respeitadora – mas então estás de aniversário?
_Ah! Bobão! Eu sei que tu não esquecerias! – sentou-se aos pés de Simão – Rezei muito para que tu viesses para meu aniversário! Sem meu amigo Simão não teria graça alguma!
Simão pouco ouvia, em sua cabeça estava a pergunta: como poderia um raminho tão pequenito virar uma linda flor em tão pouco tempo? – há se os banhos de rio fossem hoje...
_ Venha! Vamos ver os preparativos... – Terezinha levou o negro Simão pela mão para ver o que estava sendo feito para o seu aniversário. Mostrou as mesas, os doces, os mimos, o palco dos músicos e tudo o mais.
Simão se viu observado por olhos que não eram de boa amizade e nem de bom pensamento. Não era burro. Estava mui íntimo da aniversariante e tratou de se afastar.
_ Zinha... Tenho “cousas” a fazer! Depois eu volto – inventou para se afastar.
_ Tudo bem! Mas volte para a festa! – convidou quase que ordenando com seu sorriso juvenil.
Simão voltou para a vila sabendo que não deveria voltar – quando o tinhoso chama é hora de fugir - . Entrou no bolicho e pediu uma canha.
Tomou várias. Comeu lingüiça. Bebeu mais. Mijou na parede do lado de fora. Bebeu mais.
_ Vou embora! – tomou a decisão. Pagou o estrago e montou em seu também negro cavalo. As chilenas mal cutucaram e já estava a galope.
Vai que cruzou por um roseiral todo vermelho e Simão viu lá no meio uma rosa branca. Uma única rosa branca em meio as vermelhas! Frenou o pingo. Nunca vi só uma rosa branca no meio de tanta vermelha – diz para si o ginete -. Apeou e colheu a única branca.
Não atinando muito, deu volta e foi em direção à fazenda do Capitão Fernandez.
Chegou em meio à festa bem no momento em que o Capitão Fernandez ia chamar o “parabéns a você”. O flete de Simão parou bem em frente à mesa de Terezinha.
_D. Zinha – disse sem pensar Simão – estou indo embora para nem sei onde, mas fique com esta flor que demonstra todo meu amor! – Terezinha pegou a rosa branca contra o peito e com a outra mão – e um sorriso de orelha a orelha - grudou a mão do ginete dizendo: _ Só a aceito se junto for com quem ela me oferta!
Boa amazona que era, ela pulou com a ajuda de Simão para a garupa. O cavalo escarvou o chão e saiu em fuga.
Capitão Fernandez surpreso, desesperado e em meio à raiva, puxou seu moderno revolver de seis tiros e disparou e só então percebeu o seu desatino. Um de seus tiros podia ferir a própria filha!
Vendo o patrão disparar, todos os seus mandados sacaram de suas armas e também abriram fogo.
Foi um trovejar medonho! O ar encheu-se de pólvora, estampidos e gritos.
_ Cessar fogo! – gritou o Capitão. Mas já era tarde a ordem. Terezinha soltou a cintura de Simão e caiu para o lado. O corpo da moça tombou de bruços ao mesmo tempo em que os freios do cavalo foram puxados pelas fortes mãos do negro.
O cavalo parou e Simão pulou de pronto. Olhou o corpo de Zinha estirado ao solo e correu para ela.
Nem bem se acocorou junto ao corpo inerte e levou um tiro em pleno peito. Caiu para trás e antes de conseguir levantar-se estava cercado de peões armados até os dentes. Tentou chegar até Terezinha, mas foi alvejado por dezenas de tiros e estocadas de facões e lanças.
O Capitão chegou correndo e abriu-se o cerco. No centro estava o corpo de Simão todo esburacado e pintado de vermelho. A poucos passos dele estava como que adormecida sua filha deitada de bruços com as mãos escondidas junto ao peito.
O corpo da pobre foi erguido pelo pai e das mãos dela caiu uma rosa branca. Do vestido branco verteu uma grossa gota de sangue e pintalgou as pétalas brancas de vermelho.
As lágrimas do Capitão banharam os cabelos da filha e escorreram sobre as pétalas brancas pintadas de sangue.
O pai pegou o corpo sem vida da filha no colo e antes de voltar com ela para o local onde antes era festejado o aniversário de Terezinha, esmagou a rosa sangrenta com a sola da enorme bota em meio a um grito de raiva, pesar e dor.
Os peões ao verem o exemplo do comandante ficaram a sapatear a rosa já amassada contra o chão verde de grama, vermelho de sangue e molhado de lágrimas.
O corpo de Simão foi também sapateado até ficar todo desfigurado. Não foi enterrado, seu corpo foi jogado num fundo de capão e ali ficou até ser todo consumido pelo tempo e por animais carniceiros.
Logo após ser feito o enterro de sua filha, o Capitão Tavares mandou cercar o capão onde fora jogado o corpo do negro Simão e proibiu todos de ali entrar. Seria a partir daquele dia um local maldito.
E maldita também ficou a consciência do Capitão, e numa noite os cães vadios que circundavam a casa da fazenda alertaram para seu corpo dependurado pelo pescoço bem no meio do capão que ele mandara cercar.
No dia em que recolheram o corpo do Capitão ao Campo Santo uma negra da casa percebeu um roseiral que floria bem onde a rosa branca havia sido destroçada pelo Capitão e seus peões tempos antes. O fato seria até despercebido não fosse pela coloração das rosas que ali floriam: Todas brancas manchadas de vermelho.
Para o acontecido ser esquecido, o roseiral foi logo ceifado a facão e junto com o seu sumiço, sumiu a história da morte de Terezinha, Simão e do Capitão Fernandez, não fosse dez anos após, a propriedade ser vendida para um novo estancieiro, que mandou retirar a cerca que proibia a entrada das gentes ao capão que serviu de mortalha ao apaixonado Simão.
Fato foi que ao chegarem ao local onde putrefou e consumiu-se o corpo de Simão, vingava um roseiral com um único botão.
Botão branco pintalgado de vermelho!



quarta-feira, agosto 3



Música "Acalanto para um Punhal" de Robertinho de Recife, Hermam Torres e Fausto Nilo, do disco "Jardim da Infância - 1977" de Robertinho de Recife.
Cantam Robertinho, Fagner e Amelinha