terça-feira, junho 5

RE-POSTAGEM 18 ou sem tempo e/ou preguiça e/ou inspiração


O OURO DO AMOR


Desde muito moço ele foi instruído nas artes, na religião, nas lógicas do ocultismo e nas loucuras da ciência. Não renunciou o Deus natural, mas esqueceu o Deus criado a semelhança do homem. Aventurou-se pelos caminhos da alquimia. Tencionava transformar as matérias mais simples e paupérrimas na complexa e cobiçada matéria batizada pelos homens com o nome de ouro. Viveu os melhores dias de sua juventude entre tratados e discussões, pipetas e frascos, metais e ácidos, pensamentos e escritos, sono e insônia, adulações e ojeriza, observações e dissecações, erros e acertos até os dias – e noites, muitas noites - comerem-lhe o viço.
Já cansado - o corpo mas não o espírito -, velho – de corpo mas não de espírito – e pobre – de matéria mas não de espírito – recolheu-se a uma pobre choupana oferecida por um primo próspero no interior - mais por vergonha para tira-lo dos olhares dos confrades do que por bondade – , e por não ter mais força física que aparelhasse com seu hercúleo pensar, viu-se obrigado a dispor do auxílio de uma empregada.
Hertha, uma cinquentona fastidiosa para as coisa da carne e buliçosa para os afazeres domésticos veio habitar um quartinho nos fundos da pobre casa. Apesar da falta de instrução ela tornou-se uma grande ajudante em seus estudos além de manter o casebre limpo, organizado e aquecido.
O mundo obtuso e reduzido dela logo foi sendo edificado pelos conhecimentos e palavras estranhas daquele homem, ao mesmo tempo em que o mundo aberto e infinito dele começou a ficar embebido pela imagem daquela mulher que alem de fazer o que as mulheres faziam tinha uma curiosidade – até então para ele: coisa de homem. Poucos homens – pelo oculto e a ciência.
Os vinte anos que os separavam fez com que ela tivesse de auxilia-lo a fazer a barba, seca-lo após o banho e corrigir os botões da casaca em suas respectivas casas. Este contato – até então proibidos para seu recato – aumentaram sua adoração pelo patrão.
Os cuidados de Hertha e as mesmas duas décadas que os separavam, fizeram pela primeira vez os olhos atentos aos mistérios da física e do oculto, a anatomia dos corpos dissecados e das formações rochosas, dos movimentos das marés e dos astros a perceberem os mistérios, as formas e os movimentos daquele corpo virgem de meio século.
No segundo inverno que ela residia com ele, uma noite deixou de ser a cena das bruxas e demônios para dar guarida ao cupido. Cupido que veio em forma de uma violenta chuva com ventos piores ainda.
O parco telhado do quartinho de Hertha voou como se mariposa fosse e ela teve de buscar abrigo nos aposentos do velho patrão. O frio e os anos de libido represado os uniu. O vento e a chuva já estavam a inúmeras léguas de distancia e seus corpos ainda buscavam proteção um ao outro.
Desde aquela noite, uma chuva e um vento imaginário enxota Hertha a procurar a guarida do velho alquimista que deixou de querer transformar tudo em ouro, e descobriu o segredo de transformar carne e sentimentos em prazer e amor.

Postado originalmente em 2010.