Assim que acabou a
ligação Letícia guardou o celular na sua MNG
Barcelona preta e saiu para o almoço. Marcela estava um pouco apreensiva, dava
para perceber pela sua voz ao telefone. Letícia não queria sair, tinha um monte
de coisas para resolver no escritório, mas não iria faltar para com a amiga.
Elas se
conheciam desde sempre. Ainda antes da escolinha já brincavam juntas, seus pais
eram amigos do tempo da faculdade. Apenas uma única vez elas estiveram em salas
de aula separadas e talvez por isso mesmo elas viessem á repetir aquele ano.
Uma sempre sabia o que a outra estava sentindo, quase que dava para uma ler o
pensamento da outra, era uma amizade que causava inveja nas outras meninas.
Letícia
sacudiu a cabeça sorrindo como se estivesse dizendo “quanta bobagem”, ao lembrar
de quando Marcela disse que até o dia de sua menstruação havia mudado para
poder ficar no mesmo dia que a da amiga. “Quanta bobagem” repetia para si. Elas
eram feito unha e carne, mas isso já era absurdo! “Coisas de Marcela”.
Letícia chegou em frente ao prédio onde ela
marcara com a amiga. Olhou para os lados e nada dela. Iria esperar ali na porta
principal, Marcela trabalhava a mais ou menos umas seis quadras dali, não daria
tempo para ter chegado antes dela.
Acendeu
um cigarro enquanto lembrava-se de suas histórias com Marcela. A descoberta do
primeiro amor, a primeira menstruação, o primeiro beijo, a primeira transa, a
primeira desilusão. Realmente todas as primeiras experiências elas passaram
juntas, ou pelo menos trocaram segredos e dúvidas destas experiências. Letícia
sempre fora um pouco mais tímida e centrada, quando era pra fazer loucuras era
Marcela que a guiava, da mesma forma que quando a coisa apertava era Letícia
que dava um jeito na situação.
Não
demorou muito e Marcela chegou. Abraçaram-se no meio da calçada como se não se vissem
há muitos anos, apesar de elas terem saído juntas há poucos dias atrás. Marcela
quis fumar um cigarro antes de entrar, mas Leticia protestou dando conta que
não dispunha de muito tempo. Entraram e pegaram uma das poucas mesas que estava
disponível devido ao intenso movimento do horário do almoço. Marcela fez o
pedido para as duas, ela já sabia de antemão o que a amiga iria querer. Quando
o garçom retirou-se Leticia foi logo querendo saber o que tinha acontecido, pois
percebia que Marcela ainda estava com aquela voz apreensiva que ela escutara ao
telefone.
_ É
verdade amiga! Mas agora que estou contigo estou mais calma! – pousou a mão
sobre as da companheira.
_ Mas o
que houve? - Reforçou a pergunta. Marcela soltou um longo suspiro e fixou os
olhos nos de Letícia perguntando se ela não adivinhava o que era!
_ Não!
Nem imagino! Tu estas me deixando curiosa e nervosa. Desembucha! – retirou a
mão para erguê-la junto com a outra num sinal de quem pede explicação. – Pare
de rodeios!...
_
Seguinte... Lembra aquela festa na casa da Cintia? – Leticia lembrava muito bem
e queria saber o que tinha a tal festa com todo o drama!
_ Pois
é! Tu saiu com o Beto né?
_ Sim!
Eu te convidei para irmos juntas, mas tu quis ficar um pouco mais! No mínimo
foi por causa daquele carinha que tocou violão! - Afirmou em vez de perguntar.
Conhecia muito bem a amiga. Viu os olhares trocados e percebeu que ele era
exatamente o tipo que interessava Marcela. – Não me diz que estás apaixonada de
novo né guria!
_ Antes
fosse amiga! Antes fosse!
_ Para
com isso e fala...
_ Tá
bem! Tá bem! Eu fiquei com ele... – olhou no fundo dos olhos da outra!
_ Sim! E
aí?...
_ Nós
transamos... – baixou o olhar enquanto Letícia soltava uma gostosa gargalhada.
_ Ora
amiga! Isso não é nenhum absurdo! Quantas vezes e para quantos tu já deu? Não
vejo o porquê do drama.
_ É
porque nós não usamos proteção!... – Ficaram mudas por alguns segundos
olhando-se. O garçom voltou com os pratos, serviu-as e retirou-se.
_ Tu tá
brincando? Tu deu pro cara sem camisinha? – explodiu!
_ Fala
baixo Lê! Quer que todos saibam? – censurou olhando para os lados para
certificar-se que ninguém havia escutado. – Eu sei que foi loucura... eu “tava”
bêbada e...
_ Não
interessa se estava bêbada! Quase sempre que se transa com um desconhecido a
gente esta bêbada e nem por isso se deixa de usar preservativos! – falou em um
tom mais baixo.
_ Eu sei
né! Mas marquei bobeira! Eu sempre uso, mas naquela noite a gente estava a
milhão, quando chegou na hora nem ele e nem eu tínhamos a maldita da camisinha!
_
Bom!... Tu já fez pelo menos o teste de HIV?
_ Não
guria... Estou com medo! – ficaram novamente em silêncio, tipo aquele silêncio
que não existe na vida real e que sempre se vê no cinema.
_ Tu
achas que há perigo de ele ter te passado algo? – Letícia quebrou o longo
silêncio.
_ Não
isso não!... Sei lá? Não se pode dizer isso apenas pela cara da pessoa, mas...
_ Está
com medo então de... – não terminou a frase.
_ Sim!
Já era pra ter vindo e não veio! – Os olhos de Marcela encheram-se de lágrimas.
_ Quanto
tempo?
_ Já era
pra ter vindo a uns três ou quatro dias...
_ Bem!
Não adianta chorar antes da hora – quando a coisa apertava era Letícia que
vinha para dar um jeito na situação - vamos terminar nosso almoço e tu vai
direto ao teu médico. – pousou a mão na mão da amiga que acabara de secar as
lágrimas.
_ Tu vais
comigo Lê? Eu não queria ir sozinha!
_ Amada!
Hoje as coisas estão terríveis no escritório, hoje não posso!
_ Não
sei se terei coragem de ir sozinha!
_ Bem!
Então vamos amanhã! Um dia a mais ou um a menos não vai fazer tanta diferença
né?
_ Tá bom
amiga! Não sei o que seria de mim se não fosse você!
_ Ora!
Bobagem! A gente sempre se ajudou e sempre iremos nos ajudar! – terminaram o
almoço e saíram quietas.
Ao
chegar à rua, deram-se um longo abraço e nada disseram, seus olhares cumplices
de vários anos disseram o que precisava ser dito. Cada uma tomou o seu rumo.
Marcela um pouco mais tranquila, agora que havia desabafado e Letícia muito
nervosa e preocupada. Ela não voltou ao escritório naquela tarde. De sua cabeça
não saia a bobagem que a amiga havia dito anos antes. Foi direto ao consultório
de Márcia, sua ginecologista, só após estar com Marcele ela percebera que
estava atrasado o seu ciclo.
E se
aquilo não fosse apenas “Coisas de Marcela”?