segunda-feira, julho 16

RE-POSTAGEM 19 ou sem tempo e/ou preguiça e/ou inspiração

 

Vida de cão





Nasci na rua! Não sei dizer em que cidade. As únicas coisas que lembro é que foi embaixo de um vão de escada de um prédio abandonado e que era frio e chovia muito. Minha mãe - não posso reclamar - até que foi muito cuidadosa. Meu berço era alguns papelões e jornais com muitas palavras que nunca entendi o que queriam dizer. Minha mãe me cobria com a única coisa que tinha: seu velho e cansado corpo.
Ela sabendo que eu teria uma vida difícil, tratou de ficar sempre do meu lado e me ensinou onde deveria buscar os restos. Os restos sempre foram nossa comida e aprendi onde buscar os melhores restos e brigar para garantir meus restos. Vendo minha mãe disputar o que havia nas lixeiras nos melhores bairros a unhas e dentes, logo estava pronto para defender meu pão de cada dia com garra, gana e fome.
Quando minha mãe percebeu que eu já podia me defender por minhas próprias forças, tratou de ir embora e deixou-me dormindo sozinho em um parque. Acordei sozinho e entendi que estava por minha conta e nunca mais veria aquele ser amado que me trouxe ao mundo e agora iria seguir seu destino sem um fardo tão pesado que era seu filho.
Cresci ali pelo centro da cidade vivendo dos restos que alguém me jogava com desdém ou para aliviar a consciência. Do frio e da chuva buscava os vãos mais escondidos que havia.
Já calejado de viver de um lado para o outro, e a própria sorte e pela boa fé de alguns, certa noite fria fui até a lixeira que sabia que sempre haveria algo para comer. Ali sempre tinha um pedaço mordido de pizza ou uma metade de hambúrguer jogada fora. Mas de súbito o encontrei rasgando o saco com seus dentes sujos e afiados. Buscava comida assim como eu. Preparei-me para correr com ele de minha lixeira preferida quando ele me viu e ficou de lado deixando-me os restos de alimentos para mim. A princípio pensei que fosse por medo, mas logo percebi que não. Na verdade ele viu em mim um ser dá mesma espécie e vendo-me com fome, deixou-me comer.
Comi sem cerimônia os restos. Ele ficou ali parado me olhando com a cabeça baixa. Após estar saciado virei as costas e rumei para praça onde eu sempre dormia. No caminho eu virava furtivamente e sempre via ele me seguindo com a cabeça baixa. Cheguei ao local onde sempre dormia e vi ele sentado com um olhar abobalhado a me olhar. Deitei sobre meus jornais e dei-lhe um olhar que ele entendeu que era um convite. Chegou-se sorrateiro e roçou a cabeça em meu peito carinhosamente para provar sua amizade. Dormimos juntos aquela noite lado a lado sabendo que mesmo nós não sendo da mesma raça e família vivíamos na mesma situação.
A amizade estava feita. Ele por mais estranho que possa parecer virou a minha família. Vagávamos juntos pelas cidades, revirávamos as mesmas lixeiras e dividíamos sempre a comida, apesar dos olhares perplexos das pessoas que passavam.
Nas noites de frio ele se enrolada ao meu corpo, nos de calor ele sempre descobria um local mais fresco e sempre que alguém queria fazer-me mal ele botava dos dentes de fora e saia em minha defesa.
Viver na rua é triste! Ainda mais vendo iguais a nós comendo do bem e do melhor e tendo o tratamento VIP que tem.
Mas felizmente eu encontrei um morador de rua um dia buscando alimentos no lixo e que se tornou meu grande amigo, caso contrário minha vida de cão de rua seria muito ruim.

postado originalmente em 11.2010