sexta-feira, janeiro 29

Cria


O homem com o tempo crê
Que tudo se transforma e nada se cria
Pois quase tudo que há, igual ou parecido há tempos havia.

Cria-se apenas novas formas há tempo no mundo
E tudo que há tempo o homem transforma
Forma com o tempo uma nova forma de homem
No mundo.

Que em tudo crê e nada cria.
Somente a sua nova cria quando ele procria
E que irá acabar com o tempo com o mundo

E se o homem não dá tempo ao mundo
O mundo não tem tempo
Para dar tempo ao mundo do homem.

Como a água que o homem consome
O mundo com o tempo com o homem some,
Pois o tempo que some com tudo
contudo também com ele e ela consome.

Só o que não some é a fome
E a fome que não some
é a fome que consome
O homem.

quarta-feira, janeiro 27

BICHO-HOMEM


Estou no conforto de minha cama
Escuto sussurros ou grunhidos.
Às vezes parece até ser palavras
Conhecidas de meus ouvidos.

Abro a janela e vejo lá no lixo
Um animal procurando alimento
Em meio a todos os dejetos
E fico com meus olhos fixos.

Não é de medo, é de vergonha,
Ele come o que eu não quis comer
E sem parcimônia.

Penso nos animais protegidos
Por ONGS e por inúmeras leis
E me pergunto: quando chegará
Desse animal, afinal a sua vez?

O homem quer preservar o mundo
O macaco, a baleia e o tucano
Porque então quer preservar
Como quase bicho esse ser humano?

Se for humano, pensa! logo: entende
E então da escravidão se defende
_Portanto deixe-o só na rua
Que o sistema se perpetua.

Pelo menos este não terá a extinção
Pois enquanto houver o dinheiro,
A fome e o desespero, haverá
a perpetuação de toda a escravidão.

terça-feira, janeiro 26

Idade da Pedra


Não vai ter muita história
O menino criado pela escória
Será esquecido esse menino
Por seu povo sem memória.

O menino tem pouca escolha
Se não vai a escola
Tem muita arma e bala
Prô menino que não joga bola.

Para o menino nada medra
Se vive só para a pedra
E por viver só na tolice
Não viverá a sua velhice.

E eu espectador impotente
Ofereço com dó e medo
Sem fazer sequer uma rima
Só o pouco que tenho:
Minha lágrima!

quinta-feira, janeiro 21

De repente me vi saci


De repente me vi saci, me roubaram a perna, e justamente a direita, aquela que domino melhor. Roubaram é forma de dizer é lógico, ela ainda ta ali, eu a posso ver ou para ser mais exato, posso ver os dedos do pé – ta bom, eu sei o nome certo é artelhos, mas fica como dedos mesmo, é assim que todo mundo chama – e um monte de bandagens e esparadrapos, que chamaram de tala, onde eu deveria ver a perna.
Perder uma perna assim não chega ser o fim do mundo. O problema é que foi no dia primeiro de 2010, apenas dois anos antes do fim do mundo. E além do mais agora terei de começar o ano com o pé esquerdo. Claro que não sou supersticioso e nem acredito em “previsões Maias ou seja lá de onde venham” - a única previsão que acredito é a do dono do bar, quando ele diz: Ta gente! Essa é a saideira mesmo! Quando ele fala isso eu sei que é sério e será a saideira mesmo – mas, não vale a pena arriscar...
Perder uma perna assim é ruim também porque ficamos muito dependentes. Existe inúmeras coisas que não se pode fazer sozinho só com uma perna, e isso me aborrece, não que eu não seja preguiçoso, porque isso eu sou e até com um certo orgulho, não consigo ver muita inteligência em quem gosta de trabalhar o tempo todo.
Não é que eu seja orgulhoso e não queira a ajuda dos outros, a ajuda dos outros é sempre bem vinda, mas prefiro fazer as minhas coisas eu mesmo.
Perder uma perna assim é ruim porque perdemos a facilidade de locomoção. Pra ir da cama até o banheiro é uma dificuldade, até a geladeira então... Isso sem falar na manobra de guerra para se tomar banho...
Mas o pior em perder a perna é que junto com a perda dela vem o antiinflamatório e aí adeus cerveja. É um absurdo... O homem viaja pelo espaço, desvenda o seu próprio código genético, cura inúmeras enfermidades, mas não consegue fazer um antiinflamatório que se possa ou “deva-se” tomar com cerveja.
Depois querem se dizer seres superiores, racionais, inteligentes, feitos a imagem Dele e coisa e tal.

sexta-feira, janeiro 15

LONGAS CONVERSA - HERMES AQUINO



São tantas as horas que eu passo sozinho
Que eu fico pensando que eu sou uma ilha
Perdido no oceano sem sonhos nem planos
De dores e prantos já tenho uma pilha.

São tantas as noites
Que eu deito e não durmo
Que eu choro baixinho pensando em te ver
Parado na porta seguro essa barra
Sem eira nem beira me resta viver.

Já não precisas mais voltar
Pois na sua volta quase nada vais achar
Já não preciso de você
Me fiz poeta inspirado no sofrer.

As longas conversas não servem prá nada
Não cabem na boca palavras vazias
E eu fico calado contando carneiros
Olhando no espelho as noites e os dias.

Já não desespero, me ajeito sem jeito
Me pego pensando que a vida é só isso
O som da cidade me nana e me mata
Sou caso perdido vegeto sem viço.

Já não precisas mais voltar
Pois na sua volta quase nada vais achar
Já não preciso de você
Me fiz poeta inspirado no sofrer.

Já não precisas mais voltar
Pois na sua volta quase nada vais achar
Já não preciso de você
Me fiz poeta inspirado no sofrer.