sexta-feira, setembro 14

RE-POSTAGEM 22 ou sem tempo e/ou preguiça e/ou inspiração

 O GUARDIÃO DE SIMONE


Adroaldo desceu do ônibus e ficou sem saber para onde ir. Nunca havia estado na região norte do estado. Sentou em um banco e pensou em ligar para Simone. Achou melhor esperar. Estava ali para conhecer a família da mulher que ele amava. Daquela família só conhecia Simone – sua noiva -, e achou que seria inconveniente apressar seus anfitriões. Em poucos segundos percebeu que foi melhor não ligar. Logo saltou Simone de uma velha e muito bem conservada Rural Willis. Foi apresentado a duas irmãs e a dois cunhados. Foi levado até a casa – para ele mansão – da família.
Era quase hora do almoço e ele foi levado a uma mesa farta e enorme a sombra de um caramanchão. Conheceu a matriarca – sua futura sogra – da família. O nervosismo logo deu lugar a um bem estar. Todos eram bem receptivos, principalmente as pessoas mais próximas a Simone.
Após a sobremesa se aventurou até a tocar e cantar algumas músicas com um primo de Simone que estava gravando um disco de milongas. A cerveja foi sem parcimônia.
A tarde saiu com a noiva para conhecer a cidade. Conheceu os amigos dela e voltou a casa para o jantar. Conheceu mais alguns familiares e amigos dela e saiu para a varanda. Ficou sabendo que não poderiam dormir juntos como estavam acostumados a fazerem, pois a família era muito conservadora. Mesmo decepcionado aceitou de pronto. Deram alguns cálidos e “educados” beijos e foi levado por Simone até o quarto que fora reservado para ele. Ficariam no mesmo andar e mesmo corredor, mas, separados por um banheiro – que eles chamavam de quarto de banho -.
Deu um último e rápido beijo e recolheu-se para dormir. Estava tudo correndo bem! Havia pensado que seria difícil aquele contato, mas estava tudo muito tranqüilo. Colocou o pijama e foi dormir.
No meio da noite a cerveja consumida na tarde o acordou. Tinha de ir ao banheiro. Conjeturou se deveria ir ao banheiro de pijama ou trocar de roupa. Olhou o relógio e viu que era mais de três horas. Poderia sair sem medo de encontrar alguém no corredor. Saiu.
Tão logo chegou ao corredor, levou um susto ao ver um senhor de vastos bigodes e jaqueta militar parado no corredor, bem em frente à porta onde Simone esta dormindo.
Refeito do susto, deu um aceno e um sorriso para o homem que o olhava sério. Entrou no banheiro. Urinou e ficou culpando-se por ter saído do quarto no meio da noite. Teria o homem pensado que ele esgueirava-se para o quarto de Simone? – pensou.
Saiu do banheiro e percebeu sem muito olhar que ele continuava lá de guarda a porta de Simone. Deu um sussurrado boa noite e voltou ao quarto. Estava com sono e logo adormeceu.
Acordou tão logo os primeiros raios de sol bateram nas frestas da janela. Não soube se acordou pela luz que adentrava pelas frestas ou pela pressão que lhe afligia a bexiga. Havia bebido muito no dia anterior. Viu que era cinco e vinte. Todos deviam estar dormindo. Saiu para o banheiro.
Tão logo chegou ao corredor, viu no mesmo local o homem de espessos bigodes de plantão em frente a porta de Simone. Deu um bom dia que não foi respondido e entrou no banheiro. Realmente a família dela era muito conservadora. Aquele homem ficou ali a noite toda de guarda para impedir que os noivos tivessem algum contato.
Aliviou a bexiga e lavou o rosto. Abriu a porta e percebeu que o guardião de Simone havia ido embora. Voltou ao seu quarto e dormiu.
Foi acordado as oito e trinta pelo irmão de Simone. O estavam esperando para o café na cozinha. Vestiu-se e foi ao banheiro lavar-se e escovar os dentes. Ficou feliz em não ver o homem de plantão a cuidar dele – ou dela -.
Quando chegou na cozinha Simone veio correndo ao seu encontro dando-lhe bom dia e um beijo na boca. O abraçou e cochichou ao ouvido: _ Eles gostaram de ti! Caso contrário não fariam um café assim tão íntimo na cozinha, quando é café com pessoa de fora, eles fazem na sala de jantar e não aqui na parte íntima da casa.
Adroaldo foi saudado com bons dias amigáveis. Sentiu-se integrado a família. Foi levado a sentar entre a futura sogra e Simone. Serviram-lhe um fumegante e perfumado café. Esperou que alguém começasse a beber o café e só então levou a caneca aos lábios.
Em meio ao primeiro gole e a fumaça do mesmo, viu o homem de espessos bigodes que guardara o quarto de Simone em uma pintura desbotada em um quadro de bela moldura. Cessou o gole de café e com a caneca quase colada aos lábios perguntou: Quem é ele?
_ É meu avô! – respondeu Simone orgulhosa - Foi um grande herói que deu sua vida na revolução de trinta.
Adroaldo deu um apavorado grito, mas não pelo calor do café que caiu em seu colo!

segunda-feira, setembro 3

RE-POSTAGEM 21 ou sem tempo e/ou preguiça e/ou inspiração

 

Prolongando o Fim


Há muito havia acabado. Nós dois sabíamos que nada sobrara daquilo que um dia chamáramos de amor e que um dia fora um casal. Chegamos um dia ao momento que não havia mais o que esconder: Estava terminado!
Um de nós tinha de dar um basta, e foi você! Não tive a coragem de tomar a decisão, você tomou! Chorei! Você chorou! Não choramos por amor, mas pela dor de ver que tudo aquilo que um dia nós havíamos jurado ser para sempre chegou ao fim.
Como dois seres evoluídos e inteligentes resolvemos tudo terminar, mas havia coisas a serem acertadas antes de cada um ir para o seu lado. Ficou combinado que resolveríamos tudo com civilidade. Era só o tempo de acertarmos coisas que julgávamos triviais: casa, pensão, carro, família e tudo o mais que nos unia.
Pensava que tu ficarias em casa ao meu lado como sempre ficara até tudo se resolver, mas não! Tu começastes a ter imediatamente uma nova vida enquanto eu estava ainda entre o apper e a lona. Por respeito ou costume me pedias para sair e eu num fingido desdém te olhava e dizia: Vai!
Vai para tua vidinha pequena e burra, para tua noite falsa e podre, para os teus perdidos e doentes de espírito eu dono de mim dizia.
Tu ias! Eu ficava sozinho naquilo que um dia foi nosso lar. Olhava as paredes e não via as mesmas paredes que um dia serviu de redoma a nossa felicidade. Olhava os móveis que nós compartilhamos por toda uma vida e não os sentia mais como sendo meus. Olhava os retratos na estante e via uma família destruída... podre...
Não bebia! Me reclusava aos meus livros e discos mas eles não me davam o prazer que antigamente no meu silêncio mesquinho e egoísta em tua presença me davam. Vagava pelos corredores e cômodos vazios para preencher-me e mais vazio me tornava.
Não conseguia dormir! Ficava guardião dos ponteiros do relógio da sala de jantar. A todo som que vinha da rua corria para a porta de entrada esperando ver você furtivamente, alegre e embriagada entrar. Não eras tu! Era apenas mais um carro que passava em frente daquilo que um dia nós chamamos de nossa casa.
Finalmente tu chegavas e o desdém que havia lhe dado a “´permissão” de sair era metamorfoseado pela mais dolorosa e rancorosa raiva.
Perdida! Vadia! Burra! Mesquinha! Bêbada! Insana! Eram apenas os primeiros adjetivos que lhe jogava na cara. Tu tentavas ficar indiferente a tudo, mas depois de tanto ouvir imprecações explodias. Brigávamos por pelo menos uma hora até tu desistires e ir dormir no quarto que um dia fora nosso e eu me jogava louco como um kamikase no sofá da sala.
Não dormia de pronto! Em parte devido à excitação do embate e também pelos pensamentos e sentimentos que me percorria a cabeça feito carrossel. Abatido pelo cansaço, finalmente adormecia.
Nem bem clareava o dia pulava do duro sofá e preparava um café para despertar-lhe - Não levava flores junto às torradas porque sabia que seria teatral demais - . e passava o dia inteiro a lhe paparicar e esforçando-me para criar em ti aquele velho sentimento que a muito estava morto, até o amor novamente como um camaleão retomar as cores do desdém.

Postado originalmente em 2011