quarta-feira, dezembro 19

Na Repartição


Aguiar trabalhava no setor de alvarás, com ele tinha mais quatro. Dois homens e duas mulheres. Teixeira, que era o chefe, um bonachão dos seus sessenta anos e muito divertido que comandava o setor. Zeca, rapaz bonito e tido como sedutor e as duas cobiçadas mulheres do “setor de alvarás”, Mila e Milene, não eram irmãs, nem ao menos tinham parentescos. Mila era uma loira do tipo assanhada e apetitosa e que tinha tido casos com vários influentes na prefeitura, já Milene era morena, mais recatada e além de apetitosa era o tipo “mulher de fazer qualquer homem largar a família”. Havia quem contasse que já estivera na área – principalmente o Zeca que afirmava que atuava a muito por ali -, mas prova disso ninguém tinha.
Aguiar destoava do time. Era tímido e quieto. Ao simples fato de falar com uma mulher, suas bochechas ficavam afogueadas e sua voz quase sumia. Aguiar era solteiro e – conforme todos falavam – nunca fora visto com uma mulher – claro que sua mãe e irmã não contavam –. Era do trabalho para a casa, da casa para o trabalho.
Zeca vivia folgando – com o apoio velado de Teixeira - no coitado do Aguiar. Se alguém seria sacaneado, Aguiar era sempre a primeira vitima! Trabalho extra: era prô Aguiar! Contribuinte chato: Aguiar! Fazer café: Aguiar! Se a gozação fosse sobre masculinidade – ou melhor: a falta dela - ou então “pagar vale” com mulher: Lógico! Aguiar!
Aguiar sofria em silêncio e sempre com um disfarçado sorriso entristecido. Em seus sonhos ele se via contando piadas picantes e engraçadas como o Seu Teixeira, ganhando mulheres como o Zeca, transando com Mila no banheiro do setor ou namorando Milene. Mas isso não era para ele – já havia se conformado -, e ia levando sua vida besta e tristonha entre gozações e humilhações.
Eis que chega um determinado “Dia dos Namorados” e surge na fila do ponto um Aguiar bem penteado e de roupa nova. Na mão direita o cartão para registrar a entrada e na esquerda um embrulho de presentes de um vermelho igual as suas bochechas envergonhadas com um laço rosa exuberante como poucos haviam vistos. Reinou um silêncio tumular. Todos esqueceram os gol’s do último jogo, as piadas costumeiras, as fofocas da política e os últimos capítulos das novelas. A atenção de todos estava focada na imagem de Aguiar e seu embrulho vermelho com seu laço rosa.
Aguiar bateu o ponto e foi para o setor de alvarás. Depositou com cuidado o embrulho na sua mesa e sentou para trabalhar. Os companheiros de trabalho não falavam nada, olhavam de soslaio para o Aguiar e seu embrulho. Não fosse a intervenção de Teixeira ninguém trabalharia aquele dia.
Aguiar trabalhava quieto como sempre. Tudo estaria igual aos demais dias, não fosse o fato de ninguém se atrever a se divertir com a cara do coitado como sempre faziam.
Pessoal de outros setores encontravam motivos para irem ao setor de Aguiar para dar uma olhada nele e seu embrulho. Todos pensavam: se Aguiar nunca teve namorada – e todos tinham a certeza que ele devia até ser virgem, virgem até de beijo -, para quem ele comprara aquele presente justamente no Dia dos Namorados?
Aguiar virou o assunto do dia na prefeitura inteira, até o Prefeito ficou sabendo do acontecido, visto que, até ele passou pelo setor de alvarás naquele dia.
Deu meio-dia e todos saíram para o almoço, mas ninguém pensava em fome, o único pensamento era: Quem seria a pessoa que iria receber aquele presente!
Zeca não se conteve e antes que Aguiar fosse para o almoço perguntou:
_ Então Aguiar, vai dar um presente hoje?
_ Sim! – respondeu simplesmente ele.
_ E quem é a felizarda? – não teve como não perguntar.
_ Ué! Hoje é Dia dos namorados...! – respondeu mais rápido que o sangue que subiu por suas bochechas. Aguiar desligou o PC e saiu para o almoço. Todos que de longe olhavam a cena correram para saber da novidade que Zeca por certo teria para contar!
_ Para sua namorada! – Ele respondeu ao grupo que esperavam ansiosamente a resposta. Foi um burburinho só. Mas como? Então o Aguiar tem alguém?
Todos saíram para o almoço, menos Zeca que não se conformava. Então aquele panaca, aquele bobão quase retardado, aquele alienígena social não era o que eles pensavam. Zeca começou a sentir remorso pelos anos a fio em que troçou de Aguiar.
_ Eu achando que o cara era um trouxa completo e não era isso! – se culpava. Pensou em correr ao encontro de Aguiar e se desculpar, e quase o fez, não fosse sua curiosidade maior que a sua culpa.
Zeca olhou para os lados, não havia ninguém. Aproximou-se da mesa de Aguiar e pegou o embrulho vermelho. Correu para o banheiro e sem pensar em nada a não ser em sua curiosidade rasgou o laço e o papel vermelho. Tinha agora em suas mãos uma caixa, abriu e de seu interior tirou uma calça jeans... Uma calça jeans masculina.
_ Mas então o Aguiar realmente é... realmente é gay! – Um contentamento tomou conta de Zeca. Não! Ele não tinha feito nenhuma injustiça – pensava -, o cara era mesmo. Tentou recompor o embrulho, mas não teve como, o papel e o laço estavam totalmente danificados. A princípio ficou apavorado, mas aos poucos sua má índole o encorajou a devolver o presente assim mesmo na mesa de Aguiar.
Zeca correu para o restaurante onde sempre almoçava e tratou de propagar a sua descoberta: _Aguiar é gay! Comprou um presente pro seu namorado, ele mesmo o dissera! A novidade correu como rastilho de pólvora.
Aguiar voltou do almoço e encontrou o embrulho todo desfeito sobre sua mesa. Aquele rubor que lhe era característico tomou conta de sua face. Sentou calado e calado ficou. Nada sentia. Nada via.
Passado o choque ele começou a notar as pessoas espiando, cochichando, falando, rindo e apontando os dedos ou os olhares em sua direção. Mesmo envergonhado e ultrajado tentou passar o resto do turno de forma normal.
Pelos setores e corredores da prefeitura, e até fora dela, o assunto era o mesmo: Aguair, aquele estranho comprou uma calça jeans para dar ao seu namorado. Ele tentou ficar alheio é verdade, mas não conseguiu. Quando o zum-zum-zum chegou ao seu conhecimento ele caiu num choro tremendo de se ouvir os soluços até nas salas mais distantes.
Milene, que de longe olhava piedosa o pobre Aguiar, levantou-se e foi resoluta em direção à mesa do coitado. Junto com seu corpo foram todos os olhares masculinos desejosos e os femininos invejosos. Lá no meio das “rapinas do sofrimento alheio” alguém falou sem muita convicção: Será que a Milena é a namorada de Aguiar?. Alguns cogitaram a idéia, outros nem deram ouvidos.
_ Aguiar! – falou Milene ao sentar-se bem ao lado do choroso Aguiar – Não fica assim! Eles são uns imbecis! Eu te entendo e sei que tu não deves se envergonhar. – Aguiar represou a custo o choro.
_ Mas agora eles terão motivos de sobra pra gozar de mim!
_ Que nada! Enfrente-os com dignidade!
_ Mas como? Serei motivo de chacota pro resto da vida...
_ Que nada! Quer saber de uma coisa! Tu terás em mim uma grande aliada!
_ Como assim? – perguntou secando as lágrimas e tentando não olhar para a platéia que juntou-se na porta de seu setor.
_ Tu não está só Aguiar! – Ela se levantou e gritou em altos brados para que todos pudessem ouvir – Tu não és o único gay nesta repartição, eu também sou e vou assumir publicamente meu relacionamento com a Tereza da Contadoria! Chega de hipocrisia. Nós somos normais e temos nosso direito a felicidade! – Todos calaram por um sufocante momento de surpresa até surgir um burburinho que quase não permitiu que se ouvissem as palavras do também surpreso Aguiar.
_ Mas Milene!...Eu só comprei uma calça jeans pra mim, e mandei embrulhar pra presente para o pessoal pensar que era um presente para uma suposta namorada!

sexta-feira, dezembro 14

Vende-se a Felicidade, com muito uso e em um ótimo estado de graça!
Interessados ligar mais para a própria vida e deixar quieta a dos outros!

terça-feira, dezembro 11


ADEMIR - 3


Ademir ficou alguns dias preso em uma redoma de vidro. Doía um pouquinho devido às agulhas que colocaram em sua cabeça.
Quando começava a sentir uma sensação estranha na barriga, que depois ele veio descobrir que era fome, era retirado de sua redoma e entregue ao seio que o alimentava e o confortava. Com o toque dos lábios e o roçar do corpo, percebeu que aquela pessoa que lhe dava o peito era sua protetora. Começou a ficar mais confiante. Fora arrancado de seu mundo, mas não estava sozinho.
Depois de alguns dias, levaram ele para o local que era a sua casa. Ele não sabia isso, mas sentia que era assim. O novo mundo que lhe era apresentado era muito diferente do anterior onde ele era soberano.
Ao chegar a sua nova casa, foi tratado com muito carinho. Novamente sentiu-se um rei até chegar os amigos do pai.
_ Então esse é o cara? – um dedo áspero e cheirando a algo que ele não sabia que era tabaco tocou seu queixo.
_ Mais ou menos... – falou Rafael sem querer falar.
_ Como??
_ É cego!
Ademir, em seus primeiros dias de vida – ainda não tinha a noção de que tinha um pai, até porque Rafael ficara distante o tempo todo, para desespero de Maria, sua mãe - não sabia o que era ser cego, mas ao ouvir aquela pessoa que ele ainda não sabia ser seu pai dizer aquilo, achou que não era uma coisa boa. Em pouco tempo ele iria aprender que as pessoas às vezes dizem coisas que ficam gravadas a ferro e fogo na memória de uma criança, mesmo quando ela ainda não sabe o sentido das palavras, é que a entonação de voz tem a sua própria linguagem, que alguns sabem decifrar melhor que os outros. 
_ Isso mesmo... Meu filho que deveria ser um novo Pelé é cego! – caiu desolado no velho sofá da sala enquanto Maria caia em prantos.
Os amigos que vieram para comemorar o nascimento do filho de Rafael não sabiam o que fazer. Deveriam confortar o pai decepcionado ou a mãe em prantos? Uma coisa é certa! Ninguém estava dando a importância que Ademir esperava ter.
O pai, a mãe e os amigos estavam tão cegos que não viram alguém que estava ali e que não os podia ver: Ademir.

quarta-feira, dezembro 5


VIRTUAL

Hoje abro o meu facebook
Tu não esta lá
E eu não sei o truque,
Queria te trazer pra mim.
Tu não tá nos meus amigos
_O que será de mim!

Acostumei contigo no Orkut
Recebia mensagens
E tuas postagens
Que entendia como verdades.

Abandonou até
As comunidades
Ora veja que maldade
Simplesmente me deixou
E me deletou.

Que saudade de você
Que falou comigo muitas vezes
Compartilhou as tuas coisas
Mas nem sequer deixou...
Eu te conhecer!