Aguiar
trabalhava no setor de alvarás, com ele tinha mais quatro. Dois homens e duas
mulheres. Teixeira, que era o chefe, um bonachão dos seus sessenta anos e muito
divertido que comandava o setor. Zeca, rapaz bonito e tido como sedutor e as
duas cobiçadas mulheres do “setor de alvarás”, Mila e Milene, não eram irmãs,
nem ao menos tinham parentescos. Mila era uma loira do tipo assanhada e
apetitosa e que tinha tido casos com vários influentes na prefeitura, já Milene
era morena, mais recatada e além de apetitosa era o tipo “mulher de fazer
qualquer homem largar a família”. Havia quem contasse que já estivera na área –
principalmente o Zeca que afirmava que atuava a muito por ali -, mas prova
disso ninguém tinha.
Aguiar
destoava do time. Era tímido e quieto. Ao simples fato de falar com uma mulher,
suas bochechas ficavam afogueadas e sua voz quase sumia. Aguiar era solteiro e
– conforme todos falavam – nunca fora visto com uma mulher – claro que sua mãe
e irmã não contavam –. Era do trabalho para a casa, da casa para o trabalho.
Zeca vivia
folgando – com o apoio velado de Teixeira - no coitado do Aguiar. Se alguém
seria sacaneado, Aguiar era sempre a primeira vitima! Trabalho extra: era prô
Aguiar! Contribuinte chato: Aguiar! Fazer café: Aguiar! Se a gozação fosse
sobre masculinidade – ou melhor: a falta dela - ou então “pagar vale” com
mulher: Lógico! Aguiar!
Aguiar sofria
em silêncio e sempre com um disfarçado sorriso entristecido. Em seus sonhos ele
se via contando piadas picantes e engraçadas como o Seu Teixeira, ganhando
mulheres como o Zeca, transando com Mila no banheiro do setor ou namorando
Milene. Mas isso não era para ele – já havia se conformado -, e ia levando sua
vida besta e tristonha entre gozações e humilhações.
Eis que chega
um determinado “Dia dos Namorados” e surge na fila do ponto um Aguiar bem
penteado e de roupa nova. Na mão direita o cartão para registrar a entrada e na
esquerda um embrulho de presentes de um vermelho igual as suas bochechas
envergonhadas com um laço rosa exuberante como poucos haviam vistos. Reinou um
silêncio tumular. Todos esqueceram os gol’s do último jogo, as piadas
costumeiras, as fofocas da política e os últimos capítulos das novelas. A
atenção de todos estava focada na imagem de Aguiar e seu embrulho vermelho com
seu laço rosa.
Aguiar bateu o
ponto e foi para o setor de alvarás. Depositou com cuidado o embrulho na sua
mesa e sentou para trabalhar. Os companheiros de trabalho não falavam nada,
olhavam de soslaio para o Aguiar e seu embrulho. Não fosse a intervenção de
Teixeira ninguém trabalharia aquele dia.
Aguiar
trabalhava quieto como sempre. Tudo estaria igual aos demais dias, não fosse o
fato de ninguém se atrever a se divertir com a cara do coitado como sempre
faziam.
Pessoal de
outros setores encontravam motivos para irem ao setor de Aguiar para dar uma olhada
nele e seu embrulho. Todos pensavam: se Aguiar nunca teve namorada – e todos
tinham a certeza que ele devia até ser virgem, virgem até de beijo -, para quem
ele comprara aquele presente justamente no Dia dos Namorados?
Aguiar virou o
assunto do dia na prefeitura inteira, até o Prefeito ficou sabendo do
acontecido, visto que, até ele passou pelo setor de alvarás naquele dia.
Deu meio-dia e
todos saíram para o almoço, mas ninguém pensava em fome, o único pensamento
era: Quem seria a pessoa que iria receber aquele presente!
Zeca não se
conteve e antes que Aguiar fosse para o almoço perguntou:
_ Então
Aguiar, vai dar um presente hoje?
_ Sim! –
respondeu simplesmente ele.
_ E quem é a
felizarda? – não teve como não perguntar.
_ Ué! Hoje é Dia
dos namorados...! – respondeu mais rápido que o sangue que subiu por suas
bochechas. Aguiar desligou o PC e saiu para o almoço. Todos que de longe
olhavam a cena correram para saber da novidade que Zeca por certo teria para
contar!
_ Para sua
namorada! – Ele respondeu ao grupo que esperavam ansiosamente a resposta. Foi
um burburinho só. Mas como? Então o Aguiar tem alguém?
Todos saíram
para o almoço, menos Zeca que não se conformava. Então aquele panaca, aquele
bobão quase retardado, aquele alienígena social não era o que eles pensavam.
Zeca começou a sentir remorso pelos anos a fio em que troçou de Aguiar.
_ Eu achando
que o cara era um trouxa completo e não era isso! – se culpava. Pensou em
correr ao encontro de Aguiar e se desculpar, e quase o fez, não fosse sua curiosidade
maior que a sua culpa.
Zeca olhou para
os lados, não havia ninguém. Aproximou-se da mesa de Aguiar e pegou o embrulho
vermelho. Correu para o banheiro e sem pensar em nada a não ser em sua
curiosidade rasgou o laço e o papel vermelho. Tinha agora em suas mãos uma
caixa, abriu e de seu interior tirou uma calça jeans... Uma calça jeans
masculina.
_ Mas então o
Aguiar realmente é... realmente é gay! – Um contentamento tomou conta de Zeca.
Não! Ele não tinha feito nenhuma injustiça – pensava -, o cara era mesmo.
Tentou recompor o embrulho, mas não teve como, o papel e o laço estavam
totalmente danificados. A princípio ficou apavorado, mas aos poucos sua má índole
o encorajou a devolver o presente assim mesmo na mesa de Aguiar.
Zeca correu
para o restaurante onde sempre almoçava e tratou de propagar a sua descoberta: _Aguiar
é gay! Comprou um presente pro seu namorado, ele mesmo o dissera! A novidade correu
como rastilho de pólvora.
Aguiar voltou
do almoço e encontrou o embrulho todo desfeito sobre sua mesa. Aquele rubor que
lhe era característico tomou conta de sua face. Sentou calado e calado ficou.
Nada sentia. Nada via.
Passado o
choque ele começou a notar as pessoas espiando, cochichando, falando, rindo e
apontando os dedos ou os olhares em sua direção. Mesmo envergonhado e ultrajado
tentou passar o resto do turno de forma normal.
Pelos setores
e corredores da prefeitura, e até fora dela, o assunto era o mesmo: Aguair,
aquele estranho comprou uma calça jeans para dar ao seu namorado. Ele tentou
ficar alheio é verdade, mas não conseguiu. Quando o zum-zum-zum chegou ao seu
conhecimento ele caiu num choro tremendo de se ouvir os soluços até nas salas mais
distantes.
Milene, que de
longe olhava piedosa o pobre Aguiar, levantou-se e foi resoluta em direção à
mesa do coitado. Junto com seu corpo foram todos os olhares masculinos
desejosos e os femininos invejosos. Lá no meio das “rapinas do sofrimento
alheio” alguém falou sem muita convicção: Será que a Milena é a namorada de
Aguiar?. Alguns cogitaram a idéia, outros nem deram ouvidos.
_ Aguiar! –
falou Milene ao sentar-se bem ao lado do choroso Aguiar – Não fica assim! Eles
são uns imbecis! Eu te entendo e sei que tu não deves se envergonhar. – Aguiar
represou a custo o choro.
_ Mas agora
eles terão motivos de sobra pra gozar de mim!
_ Que nada!
Enfrente-os com dignidade!
_ Mas como?
Serei motivo de chacota pro resto da vida...
_ Que nada!
Quer saber de uma coisa! Tu terás em mim uma grande aliada!
_ Como assim?
– perguntou secando as lágrimas e tentando não olhar para a platéia que
juntou-se na porta de seu setor.
_ Tu não está
só Aguiar! – Ela se levantou e gritou em altos brados para que todos pudessem
ouvir – Tu não és o único gay nesta repartição, eu também sou e vou assumir
publicamente meu relacionamento com a Tereza da Contadoria! Chega de
hipocrisia. Nós somos normais e temos nosso direito a felicidade! – Todos calaram
por um sufocante momento de surpresa até surgir um burburinho que quase não
permitiu que se ouvissem as palavras do também surpreso Aguiar.
_ Mas Milene!...Eu
só comprei uma calça jeans pra mim, e mandei embrulhar pra presente para o
pessoal pensar que era um presente para uma suposta namorada!
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