quarta-feira, dezembro 19

Na Repartição


Aguiar trabalhava no setor de alvarás, com ele tinha mais quatro. Dois homens e duas mulheres. Teixeira, que era o chefe, um bonachão dos seus sessenta anos e muito divertido que comandava o setor. Zeca, rapaz bonito e tido como sedutor e as duas cobiçadas mulheres do “setor de alvarás”, Mila e Milene, não eram irmãs, nem ao menos tinham parentescos. Mila era uma loira do tipo assanhada e apetitosa e que tinha tido casos com vários influentes na prefeitura, já Milene era morena, mais recatada e além de apetitosa era o tipo “mulher de fazer qualquer homem largar a família”. Havia quem contasse que já estivera na área – principalmente o Zeca que afirmava que atuava a muito por ali -, mas prova disso ninguém tinha.
Aguiar destoava do time. Era tímido e quieto. Ao simples fato de falar com uma mulher, suas bochechas ficavam afogueadas e sua voz quase sumia. Aguiar era solteiro e – conforme todos falavam – nunca fora visto com uma mulher – claro que sua mãe e irmã não contavam –. Era do trabalho para a casa, da casa para o trabalho.
Zeca vivia folgando – com o apoio velado de Teixeira - no coitado do Aguiar. Se alguém seria sacaneado, Aguiar era sempre a primeira vitima! Trabalho extra: era prô Aguiar! Contribuinte chato: Aguiar! Fazer café: Aguiar! Se a gozação fosse sobre masculinidade – ou melhor: a falta dela - ou então “pagar vale” com mulher: Lógico! Aguiar!
Aguiar sofria em silêncio e sempre com um disfarçado sorriso entristecido. Em seus sonhos ele se via contando piadas picantes e engraçadas como o Seu Teixeira, ganhando mulheres como o Zeca, transando com Mila no banheiro do setor ou namorando Milene. Mas isso não era para ele – já havia se conformado -, e ia levando sua vida besta e tristonha entre gozações e humilhações.
Eis que chega um determinado “Dia dos Namorados” e surge na fila do ponto um Aguiar bem penteado e de roupa nova. Na mão direita o cartão para registrar a entrada e na esquerda um embrulho de presentes de um vermelho igual as suas bochechas envergonhadas com um laço rosa exuberante como poucos haviam vistos. Reinou um silêncio tumular. Todos esqueceram os gol’s do último jogo, as piadas costumeiras, as fofocas da política e os últimos capítulos das novelas. A atenção de todos estava focada na imagem de Aguiar e seu embrulho vermelho com seu laço rosa.
Aguiar bateu o ponto e foi para o setor de alvarás. Depositou com cuidado o embrulho na sua mesa e sentou para trabalhar. Os companheiros de trabalho não falavam nada, olhavam de soslaio para o Aguiar e seu embrulho. Não fosse a intervenção de Teixeira ninguém trabalharia aquele dia.
Aguiar trabalhava quieto como sempre. Tudo estaria igual aos demais dias, não fosse o fato de ninguém se atrever a se divertir com a cara do coitado como sempre faziam.
Pessoal de outros setores encontravam motivos para irem ao setor de Aguiar para dar uma olhada nele e seu embrulho. Todos pensavam: se Aguiar nunca teve namorada – e todos tinham a certeza que ele devia até ser virgem, virgem até de beijo -, para quem ele comprara aquele presente justamente no Dia dos Namorados?
Aguiar virou o assunto do dia na prefeitura inteira, até o Prefeito ficou sabendo do acontecido, visto que, até ele passou pelo setor de alvarás naquele dia.
Deu meio-dia e todos saíram para o almoço, mas ninguém pensava em fome, o único pensamento era: Quem seria a pessoa que iria receber aquele presente!
Zeca não se conteve e antes que Aguiar fosse para o almoço perguntou:
_ Então Aguiar, vai dar um presente hoje?
_ Sim! – respondeu simplesmente ele.
_ E quem é a felizarda? – não teve como não perguntar.
_ Ué! Hoje é Dia dos namorados...! – respondeu mais rápido que o sangue que subiu por suas bochechas. Aguiar desligou o PC e saiu para o almoço. Todos que de longe olhavam a cena correram para saber da novidade que Zeca por certo teria para contar!
_ Para sua namorada! – Ele respondeu ao grupo que esperavam ansiosamente a resposta. Foi um burburinho só. Mas como? Então o Aguiar tem alguém?
Todos saíram para o almoço, menos Zeca que não se conformava. Então aquele panaca, aquele bobão quase retardado, aquele alienígena social não era o que eles pensavam. Zeca começou a sentir remorso pelos anos a fio em que troçou de Aguiar.
_ Eu achando que o cara era um trouxa completo e não era isso! – se culpava. Pensou em correr ao encontro de Aguiar e se desculpar, e quase o fez, não fosse sua curiosidade maior que a sua culpa.
Zeca olhou para os lados, não havia ninguém. Aproximou-se da mesa de Aguiar e pegou o embrulho vermelho. Correu para o banheiro e sem pensar em nada a não ser em sua curiosidade rasgou o laço e o papel vermelho. Tinha agora em suas mãos uma caixa, abriu e de seu interior tirou uma calça jeans... Uma calça jeans masculina.
_ Mas então o Aguiar realmente é... realmente é gay! – Um contentamento tomou conta de Zeca. Não! Ele não tinha feito nenhuma injustiça – pensava -, o cara era mesmo. Tentou recompor o embrulho, mas não teve como, o papel e o laço estavam totalmente danificados. A princípio ficou apavorado, mas aos poucos sua má índole o encorajou a devolver o presente assim mesmo na mesa de Aguiar.
Zeca correu para o restaurante onde sempre almoçava e tratou de propagar a sua descoberta: _Aguiar é gay! Comprou um presente pro seu namorado, ele mesmo o dissera! A novidade correu como rastilho de pólvora.
Aguiar voltou do almoço e encontrou o embrulho todo desfeito sobre sua mesa. Aquele rubor que lhe era característico tomou conta de sua face. Sentou calado e calado ficou. Nada sentia. Nada via.
Passado o choque ele começou a notar as pessoas espiando, cochichando, falando, rindo e apontando os dedos ou os olhares em sua direção. Mesmo envergonhado e ultrajado tentou passar o resto do turno de forma normal.
Pelos setores e corredores da prefeitura, e até fora dela, o assunto era o mesmo: Aguair, aquele estranho comprou uma calça jeans para dar ao seu namorado. Ele tentou ficar alheio é verdade, mas não conseguiu. Quando o zum-zum-zum chegou ao seu conhecimento ele caiu num choro tremendo de se ouvir os soluços até nas salas mais distantes.
Milene, que de longe olhava piedosa o pobre Aguiar, levantou-se e foi resoluta em direção à mesa do coitado. Junto com seu corpo foram todos os olhares masculinos desejosos e os femininos invejosos. Lá no meio das “rapinas do sofrimento alheio” alguém falou sem muita convicção: Será que a Milena é a namorada de Aguiar?. Alguns cogitaram a idéia, outros nem deram ouvidos.
_ Aguiar! – falou Milene ao sentar-se bem ao lado do choroso Aguiar – Não fica assim! Eles são uns imbecis! Eu te entendo e sei que tu não deves se envergonhar. – Aguiar represou a custo o choro.
_ Mas agora eles terão motivos de sobra pra gozar de mim!
_ Que nada! Enfrente-os com dignidade!
_ Mas como? Serei motivo de chacota pro resto da vida...
_ Que nada! Quer saber de uma coisa! Tu terás em mim uma grande aliada!
_ Como assim? – perguntou secando as lágrimas e tentando não olhar para a platéia que juntou-se na porta de seu setor.
_ Tu não está só Aguiar! – Ela se levantou e gritou em altos brados para que todos pudessem ouvir – Tu não és o único gay nesta repartição, eu também sou e vou assumir publicamente meu relacionamento com a Tereza da Contadoria! Chega de hipocrisia. Nós somos normais e temos nosso direito a felicidade! – Todos calaram por um sufocante momento de surpresa até surgir um burburinho que quase não permitiu que se ouvissem as palavras do também surpreso Aguiar.
_ Mas Milene!...Eu só comprei uma calça jeans pra mim, e mandei embrulhar pra presente para o pessoal pensar que era um presente para uma suposta namorada!

sexta-feira, dezembro 14

Vende-se a Felicidade, com muito uso e em um ótimo estado de graça!
Interessados ligar mais para a própria vida e deixar quieta a dos outros!

terça-feira, dezembro 11


ADEMIR - 3


Ademir ficou alguns dias preso em uma redoma de vidro. Doía um pouquinho devido às agulhas que colocaram em sua cabeça.
Quando começava a sentir uma sensação estranha na barriga, que depois ele veio descobrir que era fome, era retirado de sua redoma e entregue ao seio que o alimentava e o confortava. Com o toque dos lábios e o roçar do corpo, percebeu que aquela pessoa que lhe dava o peito era sua protetora. Começou a ficar mais confiante. Fora arrancado de seu mundo, mas não estava sozinho.
Depois de alguns dias, levaram ele para o local que era a sua casa. Ele não sabia isso, mas sentia que era assim. O novo mundo que lhe era apresentado era muito diferente do anterior onde ele era soberano.
Ao chegar a sua nova casa, foi tratado com muito carinho. Novamente sentiu-se um rei até chegar os amigos do pai.
_ Então esse é o cara? – um dedo áspero e cheirando a algo que ele não sabia que era tabaco tocou seu queixo.
_ Mais ou menos... – falou Rafael sem querer falar.
_ Como??
_ É cego!
Ademir, em seus primeiros dias de vida – ainda não tinha a noção de que tinha um pai, até porque Rafael ficara distante o tempo todo, para desespero de Maria, sua mãe - não sabia o que era ser cego, mas ao ouvir aquela pessoa que ele ainda não sabia ser seu pai dizer aquilo, achou que não era uma coisa boa. Em pouco tempo ele iria aprender que as pessoas às vezes dizem coisas que ficam gravadas a ferro e fogo na memória de uma criança, mesmo quando ela ainda não sabe o sentido das palavras, é que a entonação de voz tem a sua própria linguagem, que alguns sabem decifrar melhor que os outros. 
_ Isso mesmo... Meu filho que deveria ser um novo Pelé é cego! – caiu desolado no velho sofá da sala enquanto Maria caia em prantos.
Os amigos que vieram para comemorar o nascimento do filho de Rafael não sabiam o que fazer. Deveriam confortar o pai decepcionado ou a mãe em prantos? Uma coisa é certa! Ninguém estava dando a importância que Ademir esperava ter.
O pai, a mãe e os amigos estavam tão cegos que não viram alguém que estava ali e que não os podia ver: Ademir.

quarta-feira, dezembro 5


VIRTUAL

Hoje abro o meu facebook
Tu não esta lá
E eu não sei o truque,
Queria te trazer pra mim.
Tu não tá nos meus amigos
_O que será de mim!

Acostumei contigo no Orkut
Recebia mensagens
E tuas postagens
Que entendia como verdades.

Abandonou até
As comunidades
Ora veja que maldade
Simplesmente me deixou
E me deletou.

Que saudade de você
Que falou comigo muitas vezes
Compartilhou as tuas coisas
Mas nem sequer deixou...
Eu te conhecer!

quarta-feira, novembro 21


ADEMIR - 2



As mãos plastificadas o depositaram sobre dois macios, suados e fartos seios.
Aquele mundo só seu ficou para trás. Ele soube naquele instante que não haveria volta. Teria de encontrar o seu porto seguro e, sem dúvida seria ali naqueles seios macios, suados e fartos que ele iria se proteger. Estava sedento e foi deles que ele se fartou. Sentiu-se seguro.
Algum cheiro ou simplesmente o contato de seus lábios com aqueles seios o fez perceber que não estava só naquele mundo novo. Aquele ser que o alimentava e o segurava com tanto carinho era o mesmo ser que lhe deu abrigo até o momento em que fora arrancado de seu mundo. Sim! Sentiu-se seguro.
Mas logo foi retirado de sua segurança e foi exposto a várias mãos estranhas. Elas não tinham o intento de o machucar e ele percebia que não eram para fazer-lhe mal. Os donos das mãos estranhas estavam certificando-se se estava tudo bem com ele.
Mas não estava!
Em uma sala ali próximo, um homem, alto, negro e forte apesar de manco, estava entre a preocupação e a felicidade. O homem era Rafael. Vinte e dois anos, motorista e ex-jogador de futebol.
Foi um dia uma grande revelação do esporte, pronto para despontar, não fosse uma entrada severa que recebera numa final da segunda divisão que lhe estragou o joelho para sempre.
Depois de muitos meses em tratamento, Rafael ouviu do médico a frase que quase acabou com sua vida...
_Infelizmente o senhor não poderá mais jogar futebol!
O seu grande sonho de conquistas que ele acalentava desde menino estava acabado. Não seria um novo Pelé. Depois de meses de angustias começou uma “carreira” de motorista de taxi. Mas agora tudo podia mudar. Se ele não podia ser o novo Pelé, o seu filho, recém, nascido o seria.
Rafael já se via nos campos treinando o filho para ser o grande “rei da bola”. O que ele não foi, seu filho seria!
 O médico que comandou o parto veio falar com Rafael e disse-lhe para esperar um momento! O médico respondeu ao afoito pai que sem dúvida era um menino, mas, devia aguardar mais uns minutinhos antes de ver o filho. Rafael não era marinheiro de primeira viagem, já tinha duas filhas e sabia que aquilo não era normal, mas o médico lhe garantiu que não era nada para se preocupar...
Rafael não se conteve em ficar ali parado. Desceu correndo pelas escadas e foi ter com seus amigos e parentes que o aguardavam em frente ao hospital.
_Um menino! Um menino! Um novo Pelé! Um novo Pelé! – gritava o orgulhoso pai.
Os amigos o abraçaram e o levaram para um boteco ali em frente para beber em homenagem ao novo Pelé.
Várias cervejas foram abertas em homenagem ao grande craque que havia surgido. Rafael tinha a certeza que seu filho seria uma grande estrela do futebol.
_É um brasileiro... E brasileiro é boleiro! – bradava Rafael – Deixa o basquete prôs gringos. Deixa a ginástica prôs russos, nós brasileiros somos do país do futebol.
Cida a cunhada, apareceu no boteco e chamou Rafael. Rafael não deu nem bola. Cida chamou novamente e Rafael foi ter com ela.
_O Doutor quer falar contigo...
_O que foi cunhada?...
_Não sei Rafael!... É melhor ir lá falar com ele!...
Rafael tentou pagar as bebidas, mas os amigos fizeram questão de pagar em homenagem ao grande craque que veio ao mundo.
Poucos minutos após, retornou um triste Rafael dizendo:
É cego!... Meu filho é cego!

quarta-feira, novembro 14


MARAVILHA!!! ESTOU ORGULHOSO PELA NOSSA SECRETARIA MUNICIPAL DE TRANSITO E TRANSPORTES DE GRAVATAÍ!!!!
Um determinado estabelecimento comercial colocou um automóvel, para fins de publicidade sobre o passeio público- que o gerente do estabelecimento diz pertencer este passeio “público” a sua propriedade -, e bem na esquina do mesmo, exatamente no local onde dá acesso a duas faixas de seguranças. Quando me manifestei dizendo que estava em local inapropriado, o educado gerente disse que eu era ignorante por estar reclamando e falou que deixava ali por que ninguém cumpre lei mesmo, ou seja, pela ótica dele, se alguém rouba eu posso roubar, e logo ele também, deve ser por aí!
Mas o pior é que quando reclamei para a Secretaria Municipal de Transito e Transporte – e fica aqui registrado que fui muito bem atendido, pelos dois funcionários que falaram comigo  -, fiquei sabendo que a própria Secretaria AUTORIZOU a permanência do carro ali, bem em frente às faixas de segurança!
Quando um órgão público que deve zelar pela Lei, autoriza que se faça o contrário eu fico MUITO ORGULHOSO PELA FORMA COMO É ADMINISTRADA A NOSSA CIDADE!
Mas, isso não é privilégio desta Administração, na anterior, reclamei pelo fato de colocarem alimentação de cães na calçada, bem ao lado do hospital, pois os cães estavam avançando nas pessoas que passavam por ali, fui informado que a Prefeitura não podia fazer nada, por que eles estavam alimentando os cães, donde eu logo deduzi que se eu quiser eu posso amarrar um casal de javali num poste bem em frente a prefeitura e criar os bichinhos ali. Desde que eu os alimentem, é lógico!

terça-feira, outubro 30


RE-POSTAGEM 23 ou sem tempo e/ou preguiça e/ou inspiração

CONVERSA DE AMIGOS


Joel sentou-se e pediu uma cerveja. Iria tomar só uma e voltar para casa e dormir, amanhã era dia de acordar cedo. Nenhum conhecido no bar. Ficou olhando as pessoas que voltavam pelo calçadão.
_ Joel meu velho... – ouviu – tu por aqui?
_ Edgar? – reconheceu – há quanto tempo cara! - Se abraçaram provando que era há muito tempo mesmo. – senta aí! Vamos tomar uma!
Pediram mais um copo e falaram bobagens como falam amigos que a muito se conhecem. O papo se alongou e veio mais cerveja.
Falaram de futebol, de reminiscências, de política e tudo o mais.
_ Mas e o trabalho? Como ta?
_ Beleza cara! Se melhorar estraga.
_ Ótimo! Eu também não tenho do que me queixar! – falaram sobre mais coisas pueris e veio mais cerveja.
Sempre que alguma mulher bonita entrava, os olhos deles eram roubados para elas e lá vinham piadinhas, até que:
_ E Marta? Como esta a nossa Marta? – perguntou Joel casualmente.
_ Sei lá! Deve estar bem! Nos separamos a uns seis meses. Agora eu quero mais é curtir a vida.
_ Poxa!... Sinto muito cara!
_ Sinta nada cara! A melhor coisa da vida foi à separação. Eu até tinha inveja do amigo!
_ Ora que é isso? Vocês sempre se amaram! A Marta é uma mulher legal e ...
_ É... Vá viver o dia todo com ela pra ver! – acendeu um cigarro – mulher é um porre! – levantou o copo para um brinde.
_ A saúde!
_ Que saúde o que? As mulheres! A pior e melhor coisa do mundo! – deram gargalhadas e tomaram mais uma gelada.
Joel esqueceu que iria voltar cedo pra casa e tomaram mais uma, mais uma, mais uma e mais uma.
_ Joel, tu sabes que sou teu amigo né cara?
_ Ué! Lógico!
_ Eu queria fazer uma pergunta meio... – e sustentou um silêncio que queria dizer: não devo falar, mas quero falar!
_ Fala cara! Sem frescuras!
_ Bom! A Sara? Tu ainda sente algo pela Sara ou é coisa do passado? – Joel mexeu-se na cadeira um pouco incomodado.
_ Posso? – pegou um cigarro de Edgar – O que tu falou mesmo?
_ A Sara?...
_ Ah! Que Sara o que cara? É como a tua Marta, isso é coisa do passado. Tu achas que eu vou ficar pensando em mulher que me separei a mais de um ano? – encheu os dois copos – Mas porque a pergunta?
_ Nada! Curiosidade de amigo. – ergueu o copo – Mais um brinde – soluçou – A amizade!
_ A amizade! – brindaram. Beberam longos goles e ficaram em silêncio. Depois de um longo hiato Joel perguntou:
_ Tu tem visto ela?
_ Quem?
_ A Sara?
_ A Sara? Ah! Não! – novos goles – e tu?
_ Graças a Deus não! Ferreira, trás mais uma aqui pra nós!
Veio mais uma garrafa. Serviram-se.
_ Faz uns quatro meses! – disse Edgar olhando pras unhas.
_ O que?
_ A Sara!
_ O que que tem a Sara? Fala Edgar?
_ Pois é! Faz uns quatro meses que não vejo a Sara!
_ Ah! – pausa – Então vocês se viam?
_ Não!
_ Ué?!
_ Eu a vi há uns quatro meses. Só isso!
_ Éééé?... Só?...
_ Sim! – Beberam a cerveja sem muito conversar.
_ Edgar, fala! – cortou o silêncio pesado que rondava a mesa.
_ Falar o que “Jô”?
_ O que tu ias falar! Do nada tu tiraste a Sara...
_ Bobagem...
_ Então fala!
_ O que?...
_ Essa bobagem!... – Seus olhos se cruzaram. Voltaram a se cruzar e desta vez fitaram-se.
_ Joel! Na verdade eu a encontrei logo depois que me separei.
_ É?
_ Isso! – bebeu um longo gole – Fui num botequim tomar umas e encontrei-a com umas amigas.
_ Hum... – Joel acendeu outro cigarro.
_ Sabe como é quando a gente se separa depois de anos de casado, né?
_ Não! Diga-me...
_ A gente fica feito peixe fora da água! Não conhece mais ninguém e nem sabe o que fazer...
_ Isso é!
_ Pois é! Aí a vi e fui conversar. Ela me apresentou “prum” monte de amigas e ficamos de trova. Dançamos e bebemos todas. A noite foi indo e as amigas foram indo embora e ficamos só nós dois. – apagou o cigarro de cabeça baixa.
Estabeleceu-se mais um longo silêncio na mesa dos dois.
_ Tá! Aí transaram? Foi isso? – perguntou em voz baixa Joel para ninguém ouvir.
_ Desculpa mano! Foi sim! – desviaram os olhares. Encheram os copos com o que restava na garrafa e Joel perguntou com o olhar no copo...
_ E vocês estão bem?
_ Que é isso mano? Eu sou teu amigo.
_ ...
_ Nunca mais nos vimos. Ela disse que mudou de celular e nem me deu o novo e disse que nunca me ligaria. Falou para eu a esquecer e que havia feito tudo como uma forma de revanche!
_ É!... Elas são assim mesmo!
_ Eu não entendi bem esse lance de revanche...
_ Sei lá! Ferreira, trás uma saideira! Joel pediu evitando os olhos de Edgar.

segunda-feira, outubro 15


Continho Miudinho - 9



Rodrigo se apaixonou pela esposa de seu grande amigo Eduardo. Tentou a muito custo fugir deste sentimento, mas um dia o que ele sentia ficou maior que sua amizade e furtivamente colocou um bilhete sob o travesseiro dela dizendo: "Eu te amo meu anjo! Se o sentimento for recíproco, me encontre amanhã às dezoito horas no Jardim Botânico! Beijos! assinado Rodrigo!”.
Rodrigo teve uma terrível surpresa quando no local e horário referido, viu Eduardo chegar com um buquê de flores.
Como ele poderia ter imaginado que o travesseiro que ficava ao lado do criado mudo com uma caixa de lenços umedecidos e um livro de Anne Rice era o de seu amigo Eduardo?

terça-feira, outubro 2


(NÃO) ESTILO!

Minha camisa é de brechó
Minha calça é made in china
E ainda por cima
Meu sapato é de dar dó.

Eu não ligo muito pra moda
E isso não me incomoda
Me visto como eu quero
Não pago uma de cara foda.

Eu escuto Nelson, Wando e Caetano
Eu não ligo para as tendências
Roupa para mim é só um pano
Eu não vivo de aparências.

Desde que ela esteja bem lavada
Uso até camisa de banda de rock
Moda é coisa pra mim ultrapassada
Moda pra mim, é coisa de lóki.


sexta-feira, setembro 14

RE-POSTAGEM 22 ou sem tempo e/ou preguiça e/ou inspiração

 O GUARDIÃO DE SIMONE


Adroaldo desceu do ônibus e ficou sem saber para onde ir. Nunca havia estado na região norte do estado. Sentou em um banco e pensou em ligar para Simone. Achou melhor esperar. Estava ali para conhecer a família da mulher que ele amava. Daquela família só conhecia Simone – sua noiva -, e achou que seria inconveniente apressar seus anfitriões. Em poucos segundos percebeu que foi melhor não ligar. Logo saltou Simone de uma velha e muito bem conservada Rural Willis. Foi apresentado a duas irmãs e a dois cunhados. Foi levado até a casa – para ele mansão – da família.
Era quase hora do almoço e ele foi levado a uma mesa farta e enorme a sombra de um caramanchão. Conheceu a matriarca – sua futura sogra – da família. O nervosismo logo deu lugar a um bem estar. Todos eram bem receptivos, principalmente as pessoas mais próximas a Simone.
Após a sobremesa se aventurou até a tocar e cantar algumas músicas com um primo de Simone que estava gravando um disco de milongas. A cerveja foi sem parcimônia.
A tarde saiu com a noiva para conhecer a cidade. Conheceu os amigos dela e voltou a casa para o jantar. Conheceu mais alguns familiares e amigos dela e saiu para a varanda. Ficou sabendo que não poderiam dormir juntos como estavam acostumados a fazerem, pois a família era muito conservadora. Mesmo decepcionado aceitou de pronto. Deram alguns cálidos e “educados” beijos e foi levado por Simone até o quarto que fora reservado para ele. Ficariam no mesmo andar e mesmo corredor, mas, separados por um banheiro – que eles chamavam de quarto de banho -.
Deu um último e rápido beijo e recolheu-se para dormir. Estava tudo correndo bem! Havia pensado que seria difícil aquele contato, mas estava tudo muito tranqüilo. Colocou o pijama e foi dormir.
No meio da noite a cerveja consumida na tarde o acordou. Tinha de ir ao banheiro. Conjeturou se deveria ir ao banheiro de pijama ou trocar de roupa. Olhou o relógio e viu que era mais de três horas. Poderia sair sem medo de encontrar alguém no corredor. Saiu.
Tão logo chegou ao corredor, levou um susto ao ver um senhor de vastos bigodes e jaqueta militar parado no corredor, bem em frente à porta onde Simone esta dormindo.
Refeito do susto, deu um aceno e um sorriso para o homem que o olhava sério. Entrou no banheiro. Urinou e ficou culpando-se por ter saído do quarto no meio da noite. Teria o homem pensado que ele esgueirava-se para o quarto de Simone? – pensou.
Saiu do banheiro e percebeu sem muito olhar que ele continuava lá de guarda a porta de Simone. Deu um sussurrado boa noite e voltou ao quarto. Estava com sono e logo adormeceu.
Acordou tão logo os primeiros raios de sol bateram nas frestas da janela. Não soube se acordou pela luz que adentrava pelas frestas ou pela pressão que lhe afligia a bexiga. Havia bebido muito no dia anterior. Viu que era cinco e vinte. Todos deviam estar dormindo. Saiu para o banheiro.
Tão logo chegou ao corredor, viu no mesmo local o homem de espessos bigodes de plantão em frente a porta de Simone. Deu um bom dia que não foi respondido e entrou no banheiro. Realmente a família dela era muito conservadora. Aquele homem ficou ali a noite toda de guarda para impedir que os noivos tivessem algum contato.
Aliviou a bexiga e lavou o rosto. Abriu a porta e percebeu que o guardião de Simone havia ido embora. Voltou ao seu quarto e dormiu.
Foi acordado as oito e trinta pelo irmão de Simone. O estavam esperando para o café na cozinha. Vestiu-se e foi ao banheiro lavar-se e escovar os dentes. Ficou feliz em não ver o homem de plantão a cuidar dele – ou dela -.
Quando chegou na cozinha Simone veio correndo ao seu encontro dando-lhe bom dia e um beijo na boca. O abraçou e cochichou ao ouvido: _ Eles gostaram de ti! Caso contrário não fariam um café assim tão íntimo na cozinha, quando é café com pessoa de fora, eles fazem na sala de jantar e não aqui na parte íntima da casa.
Adroaldo foi saudado com bons dias amigáveis. Sentiu-se integrado a família. Foi levado a sentar entre a futura sogra e Simone. Serviram-lhe um fumegante e perfumado café. Esperou que alguém começasse a beber o café e só então levou a caneca aos lábios.
Em meio ao primeiro gole e a fumaça do mesmo, viu o homem de espessos bigodes que guardara o quarto de Simone em uma pintura desbotada em um quadro de bela moldura. Cessou o gole de café e com a caneca quase colada aos lábios perguntou: Quem é ele?
_ É meu avô! – respondeu Simone orgulhosa - Foi um grande herói que deu sua vida na revolução de trinta.
Adroaldo deu um apavorado grito, mas não pelo calor do café que caiu em seu colo!

segunda-feira, setembro 3

RE-POSTAGEM 21 ou sem tempo e/ou preguiça e/ou inspiração

 

Prolongando o Fim


Há muito havia acabado. Nós dois sabíamos que nada sobrara daquilo que um dia chamáramos de amor e que um dia fora um casal. Chegamos um dia ao momento que não havia mais o que esconder: Estava terminado!
Um de nós tinha de dar um basta, e foi você! Não tive a coragem de tomar a decisão, você tomou! Chorei! Você chorou! Não choramos por amor, mas pela dor de ver que tudo aquilo que um dia nós havíamos jurado ser para sempre chegou ao fim.
Como dois seres evoluídos e inteligentes resolvemos tudo terminar, mas havia coisas a serem acertadas antes de cada um ir para o seu lado. Ficou combinado que resolveríamos tudo com civilidade. Era só o tempo de acertarmos coisas que julgávamos triviais: casa, pensão, carro, família e tudo o mais que nos unia.
Pensava que tu ficarias em casa ao meu lado como sempre ficara até tudo se resolver, mas não! Tu começastes a ter imediatamente uma nova vida enquanto eu estava ainda entre o apper e a lona. Por respeito ou costume me pedias para sair e eu num fingido desdém te olhava e dizia: Vai!
Vai para tua vidinha pequena e burra, para tua noite falsa e podre, para os teus perdidos e doentes de espírito eu dono de mim dizia.
Tu ias! Eu ficava sozinho naquilo que um dia foi nosso lar. Olhava as paredes e não via as mesmas paredes que um dia serviu de redoma a nossa felicidade. Olhava os móveis que nós compartilhamos por toda uma vida e não os sentia mais como sendo meus. Olhava os retratos na estante e via uma família destruída... podre...
Não bebia! Me reclusava aos meus livros e discos mas eles não me davam o prazer que antigamente no meu silêncio mesquinho e egoísta em tua presença me davam. Vagava pelos corredores e cômodos vazios para preencher-me e mais vazio me tornava.
Não conseguia dormir! Ficava guardião dos ponteiros do relógio da sala de jantar. A todo som que vinha da rua corria para a porta de entrada esperando ver você furtivamente, alegre e embriagada entrar. Não eras tu! Era apenas mais um carro que passava em frente daquilo que um dia nós chamamos de nossa casa.
Finalmente tu chegavas e o desdém que havia lhe dado a “´permissão” de sair era metamorfoseado pela mais dolorosa e rancorosa raiva.
Perdida! Vadia! Burra! Mesquinha! Bêbada! Insana! Eram apenas os primeiros adjetivos que lhe jogava na cara. Tu tentavas ficar indiferente a tudo, mas depois de tanto ouvir imprecações explodias. Brigávamos por pelo menos uma hora até tu desistires e ir dormir no quarto que um dia fora nosso e eu me jogava louco como um kamikase no sofá da sala.
Não dormia de pronto! Em parte devido à excitação do embate e também pelos pensamentos e sentimentos que me percorria a cabeça feito carrossel. Abatido pelo cansaço, finalmente adormecia.
Nem bem clareava o dia pulava do duro sofá e preparava um café para despertar-lhe - Não levava flores junto às torradas porque sabia que seria teatral demais - . e passava o dia inteiro a lhe paparicar e esforçando-me para criar em ti aquele velho sentimento que a muito estava morto, até o amor novamente como um camaleão retomar as cores do desdém.

Postado originalmente em 2011

terça-feira, agosto 21

RE-POSTAGEM 20 ou sem tempo e/ou preguiça e/ou inspiração

 

O anjo de Hiroshi


Ele sabia que era diferente! Olhava os seus pares e achava-se estranho, por certo seus pares o achava estranho também. Todos tinham aqueles membros emplumados, só ele não.
Nas brincadeiras todos levavam vantagens: ganhavam os ares, só ele não.
Cresceu triste. Procurou a razão de sua diferença com os seus. Ninguém soube dizer. Sonhou em ser como aquelas pequenas pessoinhas que viviam lá embaixo, que chegavam para seus pais e perguntavam: Papai porque sou assim? Mas não tinha essa chance. Ele não tinha pai ou mãe – quer dizer, tinha Um, mas não era a mesma coisa - . Pois ele era apenas um anjo.
Um dia o chamado chegou! É chegada a hora de você fazer a sua parte! – lhe disseram -. Foi jogado do céu como se asas tivesse. Viu lá embaixo um pequeno planeta azul com o qual se chocaria. Adormeceu!...
Acordou em uma sala branca com um monte de caras de roupas brancas. De dentro de uma mulher não muito branca saiu um ser que ele logo entendeu que seria a quem ele sempre deveria cuidar. Não sabia porque, mas sabia que devia.
Dali em diante ele só ficou ao lado daquele pequeno ser. Sabia que devia cuidar dele, só não sabia porque não tinha asas como os seus irmãos.
O pequeno ser não lhe deu muito trabalho. Tudo o que ele precisava, seus pais davam. Tudo era dado ao pequeno Hiroshi.
Os dias que se seguiram foram chatos, ele apenas cuidava do pequeno Hiroshi que morava em Nagazaki, pra não se machucar nas brincadeiras de meninos.
Mas ele percebia uma tensão nos pais de Hiroshi. Eles não desgrudavam o ouvido do rádio da sala que falava em uma guerra que estava acontecendo e que muitos de seus estavam morrendo por causa dela.
No dia cinco de agosto de 1945 ele teimou em soprar no ouvido do pequeno Hiroshi, dizendo que o menino deveria visitar seu avô que morava em Kobe, há quilômetros de distancia dali . No outro dia, depois do menino muito teimar, os pais aceitaram, e mandaram o pequeno para ver o avô.
Da janela do vagão, Hiroshi viu passar aviões em direção a sua cidade. Não pode ler em um deles: “Enola Gay”, mas soube que não era coisa boa que eles traziam.
Olhando para trás, o menino viu um monstruoso cogumelo surgir no local onde era sua cidade. O cogumelo cresceu, o chão tremeu, um som bizarro fez-se ouvir e passou por cima de sua cabeça, se ele estivesse a uma dezena de metros acima seria tragado pela aura demoníaca que consumiu Nagazaki.
Nesse momento, aquele anjo aleijão entendeu porque não tinha asas!
Se as tivesse, voaria e seria tragado pela bomba e teria abandonado Hiroshi. Mas não! Por estar no chão – e não voando – salvou sua vida junto com de Hiroshi!
Entendeu que alguns são diferentes, para fazer o mundo ser diferente e, não precisava fazer algo maravilhoso como voar, mas apenas fazer o que lhe era possível. E isso fazia a diferença.


quarta-feira, agosto 8



 








Depois de desligar a TV
Fui dormir em paz
Com a lembrança bela de Paes
Não era como quando garoto
Em que tinha noites de insônia
Com a lembrança sensual de Sônia.

segunda-feira, julho 16

RE-POSTAGEM 19 ou sem tempo e/ou preguiça e/ou inspiração

 

Vida de cão





Nasci na rua! Não sei dizer em que cidade. As únicas coisas que lembro é que foi embaixo de um vão de escada de um prédio abandonado e que era frio e chovia muito. Minha mãe - não posso reclamar - até que foi muito cuidadosa. Meu berço era alguns papelões e jornais com muitas palavras que nunca entendi o que queriam dizer. Minha mãe me cobria com a única coisa que tinha: seu velho e cansado corpo.
Ela sabendo que eu teria uma vida difícil, tratou de ficar sempre do meu lado e me ensinou onde deveria buscar os restos. Os restos sempre foram nossa comida e aprendi onde buscar os melhores restos e brigar para garantir meus restos. Vendo minha mãe disputar o que havia nas lixeiras nos melhores bairros a unhas e dentes, logo estava pronto para defender meu pão de cada dia com garra, gana e fome.
Quando minha mãe percebeu que eu já podia me defender por minhas próprias forças, tratou de ir embora e deixou-me dormindo sozinho em um parque. Acordei sozinho e entendi que estava por minha conta e nunca mais veria aquele ser amado que me trouxe ao mundo e agora iria seguir seu destino sem um fardo tão pesado que era seu filho.
Cresci ali pelo centro da cidade vivendo dos restos que alguém me jogava com desdém ou para aliviar a consciência. Do frio e da chuva buscava os vãos mais escondidos que havia.
Já calejado de viver de um lado para o outro, e a própria sorte e pela boa fé de alguns, certa noite fria fui até a lixeira que sabia que sempre haveria algo para comer. Ali sempre tinha um pedaço mordido de pizza ou uma metade de hambúrguer jogada fora. Mas de súbito o encontrei rasgando o saco com seus dentes sujos e afiados. Buscava comida assim como eu. Preparei-me para correr com ele de minha lixeira preferida quando ele me viu e ficou de lado deixando-me os restos de alimentos para mim. A princípio pensei que fosse por medo, mas logo percebi que não. Na verdade ele viu em mim um ser dá mesma espécie e vendo-me com fome, deixou-me comer.
Comi sem cerimônia os restos. Ele ficou ali parado me olhando com a cabeça baixa. Após estar saciado virei as costas e rumei para praça onde eu sempre dormia. No caminho eu virava furtivamente e sempre via ele me seguindo com a cabeça baixa. Cheguei ao local onde sempre dormia e vi ele sentado com um olhar abobalhado a me olhar. Deitei sobre meus jornais e dei-lhe um olhar que ele entendeu que era um convite. Chegou-se sorrateiro e roçou a cabeça em meu peito carinhosamente para provar sua amizade. Dormimos juntos aquela noite lado a lado sabendo que mesmo nós não sendo da mesma raça e família vivíamos na mesma situação.
A amizade estava feita. Ele por mais estranho que possa parecer virou a minha família. Vagávamos juntos pelas cidades, revirávamos as mesmas lixeiras e dividíamos sempre a comida, apesar dos olhares perplexos das pessoas que passavam.
Nas noites de frio ele se enrolada ao meu corpo, nos de calor ele sempre descobria um local mais fresco e sempre que alguém queria fazer-me mal ele botava dos dentes de fora e saia em minha defesa.
Viver na rua é triste! Ainda mais vendo iguais a nós comendo do bem e do melhor e tendo o tratamento VIP que tem.
Mas felizmente eu encontrei um morador de rua um dia buscando alimentos no lixo e que se tornou meu grande amigo, caso contrário minha vida de cão de rua seria muito ruim.

postado originalmente em 11.2010

terça-feira, junho 5

RE-POSTAGEM 18 ou sem tempo e/ou preguiça e/ou inspiração


O OURO DO AMOR


Desde muito moço ele foi instruído nas artes, na religião, nas lógicas do ocultismo e nas loucuras da ciência. Não renunciou o Deus natural, mas esqueceu o Deus criado a semelhança do homem. Aventurou-se pelos caminhos da alquimia. Tencionava transformar as matérias mais simples e paupérrimas na complexa e cobiçada matéria batizada pelos homens com o nome de ouro. Viveu os melhores dias de sua juventude entre tratados e discussões, pipetas e frascos, metais e ácidos, pensamentos e escritos, sono e insônia, adulações e ojeriza, observações e dissecações, erros e acertos até os dias – e noites, muitas noites - comerem-lhe o viço.
Já cansado - o corpo mas não o espírito -, velho – de corpo mas não de espírito – e pobre – de matéria mas não de espírito – recolheu-se a uma pobre choupana oferecida por um primo próspero no interior - mais por vergonha para tira-lo dos olhares dos confrades do que por bondade – , e por não ter mais força física que aparelhasse com seu hercúleo pensar, viu-se obrigado a dispor do auxílio de uma empregada.
Hertha, uma cinquentona fastidiosa para as coisa da carne e buliçosa para os afazeres domésticos veio habitar um quartinho nos fundos da pobre casa. Apesar da falta de instrução ela tornou-se uma grande ajudante em seus estudos além de manter o casebre limpo, organizado e aquecido.
O mundo obtuso e reduzido dela logo foi sendo edificado pelos conhecimentos e palavras estranhas daquele homem, ao mesmo tempo em que o mundo aberto e infinito dele começou a ficar embebido pela imagem daquela mulher que alem de fazer o que as mulheres faziam tinha uma curiosidade – até então para ele: coisa de homem. Poucos homens – pelo oculto e a ciência.
Os vinte anos que os separavam fez com que ela tivesse de auxilia-lo a fazer a barba, seca-lo após o banho e corrigir os botões da casaca em suas respectivas casas. Este contato – até então proibidos para seu recato – aumentaram sua adoração pelo patrão.
Os cuidados de Hertha e as mesmas duas décadas que os separavam, fizeram pela primeira vez os olhos atentos aos mistérios da física e do oculto, a anatomia dos corpos dissecados e das formações rochosas, dos movimentos das marés e dos astros a perceberem os mistérios, as formas e os movimentos daquele corpo virgem de meio século.
No segundo inverno que ela residia com ele, uma noite deixou de ser a cena das bruxas e demônios para dar guarida ao cupido. Cupido que veio em forma de uma violenta chuva com ventos piores ainda.
O parco telhado do quartinho de Hertha voou como se mariposa fosse e ela teve de buscar abrigo nos aposentos do velho patrão. O frio e os anos de libido represado os uniu. O vento e a chuva já estavam a inúmeras léguas de distancia e seus corpos ainda buscavam proteção um ao outro.
Desde aquela noite, uma chuva e um vento imaginário enxota Hertha a procurar a guarida do velho alquimista que deixou de querer transformar tudo em ouro, e descobriu o segredo de transformar carne e sentimentos em prazer e amor.

Postado originalmente em 2010.

quarta-feira, maio 30

Hoje acordei apaixonado 
 Veja só que coisa doida
 É pela mesma pessoa! 
 Olhei pro lado ela não estava
 Não me importei não 
 Afinal de contas tenho comigo 
 A paixão!

sexta-feira, março 16

CAMILA ME DEU UM GAFANHOTO


Camila me deu um gafanhoto
Muitos acham que devia dar mais
Mas eu estou muito satisfeito
Presente melhor... Jamais!

Ele é feito de palha de milho
E logo irá secar
Mas mantem o brilho,
Dela, e de seu olhar.

TE ADORO GURIA

segunda-feira, março 12

HAI KAI 9


Minha janela
vai ficar abandonada
esperando por uma
visita inusitada!

terça-feira, fevereiro 14

CACILDO, O EMPREENDEDOR



Conhecer? Não! Eu não o conheci, apenas ouvi a história do Cacildo. Dizem que ele chegou à cidade e se instalou em um quarto no Lord Hotel. Era um cara simpático, não chegava a ser, digamos assim: bonito! Tinha certa presença. Sempre bem barbeado, bem penteado e sempre de terno e gravata. Aliás! Dizem que os ternos eram impecáveis.
Logo no outro dia ele saiu pela cidade a procura de um imóvel para alugar, não queria coisa pequena não. Não que estivesse atrás de muito luxo, mas o que ele queria mesmo era espaço. Locou a velha mansão dos Luzardos e mandou dar uma “guaribada” no prédio.
Dias depois começou a contratar umas meninas para panfletear na cidade e logo a cidade inteira sabia através dos panfletos e do boca-a-boca que o tal Cacildo iria promover uma exposição de um rentável negócio destinado a mulheres de 18 a 35 anos que estavam dispostas a ganhar um bom dinheiro em pouco tempo e em pouco tempo de trabalho, não necessitava de treinamento, estudo e nem nada.
A noticia logo atraiu a curiosidade não só das mulheres que estavam a fim de ganhar uma renda extra como também a todo mundo. Todos queriam saber do que se tratava. Muitos ficavam horas tomando um cafezinho no Bar do Fialho que fica embaixo do hotel na esperança de que o Cacildo chegasse e deixa-se escapar algo que desse uma pista do tal empreendimento anunciado, agora não só em panfletos, mas também em uma enorme placa colocada em frente ao casarão já reformado.
Tem muita gente hoje que diz que na época ficou sabendo do próprio do que se tratava, mas querem saber? Mentira! Ele nunca soltou uma letrinha que fosse, o jeito era esperar o dia da exposição para saber o que era.
Chegado o dia, foi preciso chamar a guarda municipal pra acalmar os ânimos e liberar o trânsito de tanta gente que estava lá na frente da casa dos Luzardos.
Lá pelas dez, dez e pouco chegou o Cacildo com seu terno alinhado e abriu o portão. O pessoal se adiantou e quase que atropelam o coitado, mas ele correu e postou-se na porta da frente e pediu silêncio. Aos poucos ficou dum jeito que até zumbido de mosca dava pra se ouvir.
Então Cacildo limpou a goela com um pigarro e soltou com aquela sua voz de barítono " Só será permitida a entra de mulheres de 18 a 35 anos e que estão realmente dispostas a ganhar uma boa renda, os demais podem se retirar ou então não será possível fazermos a nossa reunião já a muito agendada. ", Rapaz... Foi um zum-zum-zum mas não teve jeito.
Lá pelo meio-dia o último insistente foi embora e Cacildo abriu as portas para umas dez dúzias de mulheres eufóricas. Elas entraram e foram para o antigo salão de festas que agora estava repleto de cadeiras plásticas. Foram se sentando e logo se viu que muitas teriam de ficar de pé. Cacildo deu boa tarde e chamou duas meninas que começaram a distribuir uns copinhos com guaraná e uns biscoitinhos.
Ele foi para uma escrivaninha de mogno já bem velha e começou a chamar uma por uma. Anotava nomes, telefones e idades, e logo ao lado fazia alguns sinaiszinhos como para identificar à entrevistada. Com umas a conversa era bem rápida e com outras já demorava mais um bocadinho. Era noite alta quando ele despachou a última candidata. Pouco se sabe o que ele falava para elas, apenas se sabe que elas seriam avisadas por telefone, se deveriam voltar para outra reunião na próxima semana ou se a "empresa" não havia se interessado por algum motivo pela candidata neste primeiro momento, mas que não desanimassem não, porque logo logo poderiam serem chamadas.
Naquela semana as mulheres que foram entrevistadas estavam em polvorosa falando umas com as outras para saberem o que ele havia dito para cada uma delas, e as que não puderam participar estavam mais malucas ainda querendo saber do que se tratava e, não me levem a mal, sou homem mais sei que homem também é curioso. O “macharedo” era só cochicho nos cantos e teve até caso de marido bater em mulher porque ela não explicou direitinho do que se tratava.
Desde o dia da primeira reunião não se via mais o Cacildo pela cidade, muitos iam ao hotel e perguntavam pelo dito e a resposta era sempre a mesma, a conta do quarto ainda estava em aberto, mas nem sinal do cara.
Naquela tão esperada semana nem era preciso perguntar quais delas haviam sido chamadas ou dispensadas, bastava olhar a cara e já se sabia só pelo sorriso de triunfo ou pela cara de emburrada.
Vai que na outra segunda pela manhã, amanheceu umas vinte e poucas mulheres na frente do casarão com suas melhores roupas e seus melhores sorrisos estampados nas caras bem maquiadas. Como da outra vez, juntou um monte de curiosos e curiosamente via-se lá longe espiando de uma esquina qualquer alguma das mulheres que haviam estado ali na outra vez e agora haviam sobrado.
Dez em ponto o Cacildo chegou em um taxi da capital. Desceu e foi logo abrindo o portão com um olhar de censura para a pequena multidão que não iria participar da reunião. Todos achavam que alguém tentaria entrar de penetra, mas foi impossível pois ele puxou de uma prancheta e começou a chamar pelo nome as convocadas que iam entrando com um olhar de triunfo.
O Vieira... sabe aquele do Cartório? Esse mesmo! Ele fez uma observação quando entrou a última: Bagulho não entra! Só entrou “muié” bonita! A concordância foi geral!
O Cacildo cerrou a porta e foi para a mesma dependência da última vez e para a mesma escrivaninha. Foi chamando uma a uma e fez nova entrevista. Agora todas levavam mais ou menos o mesmo tempo. Umas saiam com um largo sorriso e outras saiam cabisbaixas.
Nova reunião fora marcada para nova data. Das poucas informações que as derrotadas deram, soube-se que ele inquiria se realmente elas queriam ganhar uma grana, se poderia trabalhar com liberdade de horário, se eram casadas, tinham filhos, profissão dos pais, se eram desinibidas e decididas e se concordavam com os percentuais que deveriam compartilhar com a empresa e mais algumas coisas que nem me lembro mais.
A “fofocaiáda” naqueles dias que antecederam a nova reunião foi de assustar. Houve briga, apostas e palpites, mas, o que de fato era nem as vencedoras da nova eliminatória sabiam.
Novamente o Cacildo sumiu, mas vai que na sexta ele aparece e paga a conta do hotel e se instala no casarão por ele alugado semanas atrás e que serviu de local de reuniões.
Segunda pela manhã uma já conhecida multidão postou-se em frente ao casarão. Deu dez horas e nada do Cacildo e foi ai que o mesmo Viera, o do cartório falou: E as “muié bonita”, vocês viram elas aqui hoje? Nem sinal das tais "muié bonita" que o Vieira haviam apelidado e que já tinha se tornado o título popular das sortudas. Cansados de esperar foram indo cuidar de suas vidas e tudo ficou calmo.
Depois das seis da tarde começou a aparecer uma a uma das "muié bonita" e iam entrando após tocarem uma campainha de porteiro eletrônico recém instalado no casarão. Dizem que foi esse o primeiro a ser instalado aqui, mas não sei se é verdade, mas não nos percamos por isso...
Bom! o que se sabe é que depois que chegou a última, as mesmas duas meninas serviram taças de vinho e só então o Cacildo começou a falar. Disse entre várias coisas que o trabalho não era pesado e que poderia até ser bem prazeroso e que elas trabalhariam ali mesmo e com clientes de grana e de bem, que os pagamentos seriam avista e em dinheiro e que o rendimento seria de acordo com o trabalho de cada uma delas e que era um tipo de venda e que ele mesmo se encarregaria de atrair o público alvo e fazer a venda, elas só precisariam consumar a transação.
Nisso uma perguntou se era a tal da Dinastia, ele disse que não, que não era Dinastia, Herbalife ou qualquer tipo de Avon ou Hermes "da vida".
Mas o que venderemos então? Perguntou uma outra e o simpático Cacildo deu um largo e malicioso sorriso e disse: Ora minhas filhas... Não entenderam ainda, é coisa simples, eu vendo e vocês entregam ao cliente.
Drogas? Pulou uma outra lá de trás espantada, ao que ele respondeu: Ora! Não chamem assim. Vocês só terão de entregar e em puro sigilo o precioso material que vocês trazem no meio das pernas!
Verdade! Juro! Perguntem pro pessoal da época então!
Depois dessa, a última noticia que se teve do Cacildo foi que na mesma noite ele ingressou no hospital municipal com o terno rasgado, sem alguns chumaços de cabelo e com muitas lesões por todo o corpo.
Assim, pelo que eu sei terminou a carreira empreendedora do tal Cacildo e, junto o sonho de muitas daquelas moças.
Bem! Não sei se de todas, dizem por ai que uma ou outra gostou do empreendimento de fizeram o seu próprio negócio render um bom dinheiro, se é que vocês me entendem!

domingo, fevereiro 5

O que eu não faço em tua companhia...



Amo dormir em teus braços
amo que tu durmas nos meus
amo te ver se maquiando
como se fosse a primeira vez.
Amo a tua comida
amo picar para ti os vegetais
amo quando tu ficas braba
para mim ser rápido, muito mais.
Amo caminhar contigo
até debaixo da chuva
faço para ti toda mão
és para mim a luva.
Amo ver filme contigo
na tv deitado no sofá
ou na net a muita distância
estando nós dois on-line.
Amo contigo jogar cartas
ou fazer jogos de rima
lembrar a tua imagem
quando estás por cima.
Amo dançar contigo
mesmo não sabendo dançar
Amo comprar teu remédio
Amo te ver sarar.
Amo você na janela
amo te ver fumar
amo emprestar minha camiseta
amo te ver ela tu usar.
Amo contigo tomar café
Amo contigo beber
Amo toda tua alma
amo beijar os teus pés.
Amo a tua risada
amo teu jeito maluco
amo a tua beleza
que acaba com minha tristeza.
Amo te ver a correr
amo te ver a viver
amo as tuas postagens
amo tudo em você.
Sei que te amo
que te amo
te amo
amo.
Mais nada a dizer!

ADEMIR - 1

Não é quente. Também não é frio. É gostoso.
Não é claro e nem é escuro. Não tem tons berrantes ou cores reconfortantes.
Não se sabe se é feio ou bonito, pois, nada se vê! Pode ser negro como um café ou branco como o leite. Não faz diferença, quem não conhece as alturas não tem medo de grandes saltos. Quem não conhece o suplício eterno não tem medo da morte e ri do pecado assim como a criança que não conhece a dor é seduzida a colocar o dedo no fogo.
É como quando se tem uma dor que incomoda. Tipo aquela dor que não fere, apenas da uma sensação de mal estar e a gente encontra uma posição que nos faz esquecer ela. É essa a sensação que Ademir sente nesses nove meses em que ele vive – sem ainda se chamar Ademir – nesse ambiente prazeroso.
São apenas nove meses que ele vive. Apesar de não ter a noção de que tem uma vida, mas ele já sabe que aquilo que ele tem é o que de melhor ele pode ter.
Logo ele irá ter uma outra vida. Pessoas dirão que não é outra vida: É simplesmente a vida.
Ele é apenas um projeto de uma nova vida – vida assim como nós concebemos - , mas ele sente. Ouve mesmo sem ouvir, onde ele está não há sons e, ele percebe mesmo sem ter outras experiências para confrontar que ali é o melhor lugar em que ele poderia estar. Ali ele está seguro. Ali ele reina. Ali ele é “perfeito” e mais ainda: ali ele é amado.
Mas seu pequeno mundo começa aos poucos lhe negar abrigo. Aquele universo tão seu, contrai-se e o empurra para fora. O seu mundo até aqui ideal o não quer mais. Seu tempo ali terminou. Um outro mundo lhe espera.
O que virá ele não sabe, não teve com quem conversar e nem alguém para lhe dizer como será quando ele deixar aquele seu pequeno mundo.
Não quer ir. Esse é seu mundo. Não conhece outro e o desconhecido é de dar medo. Até pode ser melhor, mas quem garante?
Não... Aqui ele esta seguro e é único. Ninguém irá compará-lo com outro alguém.
Seu mundo continua a contrair-se e tenta expulsa-lo para fora. Não irá! Está resoluto. Não trocará o que lhe é familiar por outra coisa que não conhece.
Conhecer deve ser ruim! Essa é a primeira concepção que ele tem.
O conhecimento trás a razão e a razão a certeza. A certeza, fruto da razão acaba com o medo e deixa somente a razão, e a razão acaba com os mitos, as lendas e os sonhos que movem o homem. O homem só reina no mundo movido pela incerteza, ou não se sentiria desafiado a avançar e ficaria numa eterna inércia que o levaria a extinção.
Aos poucos as contrações de seu mundo vão ficando menores. Sua obstinada vontade de ficar está vencendo as vontades desse outro mundo. É a vitória do ser sobre o meio.
E ficaria ali não fosse as tenazes em volta de seu crânio puxando-o para fora
Mãos plastificadas o pegaram. Assim que a pressão em torno de sua cabeça acabou, foi erguido pelos pés e ficou de cabeça para baixo e recebeu a primeira agressão. Uma palmada nas nádegas ainda molhadas com os vestígios de seu mundo anterior.
Não havia mais volta... Chorou!
Não pela dor da palmada e nem pelo mundo que ele não conseguia ver a sua frente, mas por saber que lhe fora roubado o mundo maravilhoso que era o ventre da mãe.

terça-feira, janeiro 24

HAI KAI 8


A minha janela
foi reclamada:
Ainda és minha?
Sim minha Amada!

segunda-feira, janeiro 23

"OVO PARTIDO" - RE-POSTAGEM 17 ou sem tempo e/ou preguiça e/ou inspiração



POSTADO ORIGINALMENTE EM 2010
Cardoso quando soube que Lígia estava grávida teve a certeza que o dia em que ela desse a luz seria o dia mais feliz de sua vida. Para ele até então o dia de seu casamento fora o dia mais feliz de sua vida, mas agora haveria outro melhor ainda. Sempre que ele olhava a intumescência do ventre de Lígia ele tinha essa certeza.
Ele nunca fizera alguma alusão daquele ventre com algo, mas no dia em que teve a noticia que o feto estava em uma posição que dificilmente possibilitaria um parto normal começou a velo como a um ovo. Um ovo que é partido ao meio para liberar a clara e a gema. Era uma imagem que não o agradava, mas que não saía de sua cabeça. Via aquela barriga como um ovo que era fendido com uma leve pancada de uma colher em cutelo e após era aberto por dois dedos estranhos que o separava em duas partes e deixava escorrer aquilo que um dia poderia vir a ser uma vida, não fosse a agressão sofrida.
Pensou até em análise para deixar de pensar naquilo, mas com o tempo acostumou-se. Barriga ou ovo tanto fazia: dali sairia sua filhinha e seria o dia mais feliz de sua vida.
Chegado o esperado dia, fumou uma carteira de Marlboro Lights, apesar de já ter largado do vício há mais de seis anos. - Achava que aquilo era o que um pai fresco deveria fazer para acalmar a espera -.
Passada uma hora e pouco, vieram informar que sua pequenina havia nascido. Ficou naquele momento o homem mais feliz do mundo. Gastou todos o créditos de seu celular a avisar a todos a boa nova. Até para seu irmão Pedro, com quem estava brigado a mais de dois anos ligou.
Levaram-no para ver a pequena Marta – nome que ela iria herdar da mãe dele – e chorou copiosamente com ela nos braços. Quis ver a esposa. Nesse momento descobriu que o dia mais feliz de sua vida na verdade não o seria. Ligia havia perecido na mesa de parto. Martinha havia dado muito trabalho e mesmo a maravilhosa e cara tecnologia não fora suficiente para garantir a vida da mãe, somente da filha. O dia mais feliz de sua vida, havia tornado-se um dia sombrio. Nuvens negras, não apenas metafóricas, mas de verdade cobriram o céu. Choveu muito no dia que seria o dia mais feliz da vida de Cardoso.
Passados velório, enterro e dias de muita chuva e choro, Cardoso estabeleceu-se em casa nova. Não conseguia viver embaixo do teto em que fora feliz.
Os anos passaram e Martinha foi crescendo. Cardoso com a ajuda de uma babá cuidou para que sua filha tivesse uma vida digna e feliz apesar de não ter a presença de uma mãe. A babá chegava cedo da manhã e Cardoso ia para o banco trabalhar, quando voltava entristecido para casa, ficava somente ele e a pequenina.
No dia em que ela completou seis anos deu uma festa com a presença de todos familiares e amigos. Até o irmão Pedro esteve presente.
Fim da tarde, com todos os convidados tendo ido embora, começou a limpar a casa que estava de ponta cabeça devido à bagunça da festa. Recolheu brinquedos, cinzeiros sujos, restos de docinhos e salgadinhos, copos e pratinhos. Lavou o que estava sujo e guardou tudo em seus respectivos lugares.
Após tudo pronto, dispensou a babá e sentou-se para fumar um merecido cigarro – desde o dia que Lígia morrera voltou a fumar com uma voracidade que parecia ser para compensar os seis anos sem fumo -.
O cigarro chamou uma dose de uísque. Serviu sem cerimônia. Voltou a sentar-se para mais um cigarro. Martinha que brincava com uma bola nova, recém ganha de uma tia acertou o copo ainda cheio de bebida que rolou sobre a mesa de centro molhando um jornal ainda não lido e a carteira quase cheia de cigarros. Cardoso pulou em vão tentando evitar o desastre.
A pequena Marta assustou-se com o movimento desesperado do pai e começou a chorar. Cardoso de joelhos no chão ao ver o jornal e os cigarros molhados virou-se abruptamente e gritou para sua filha calar a boca.
_ Chega!
O grito causou o efeito contrário. Assustada a menina chorou ainda mais. O jornal e os cigarros molhados, somados ao estridente choro e soluçar tirou o resto de paciência que habitava a cansada e confusa cabeça do pai. Levantou-se com um grito de “chega” e puxou a pequena pelo pulso. Com uma mão a prendia e com a outra dava violentas palmadas nas pernas e nádegas com o acompanhamento de novos “chega”.
Cansados, o pai parou de bater ao ver a pele branca maculada por manchas avermelhadas e a filha, parou de chorar ao ver os olhos vermelhos e insanos do agressor.
Pegou-a no colo e correu até o quarto da menina. Soltou-a sobre a cama e como um cego e louco mandou-a dormir. Saiu e bateu a porta. Estancou com as costas arfantes contra a porta recém fechada. Correu para a sala e jogou-se no sofá.
Chorou! Chorou talvez mais que a própria filha havia chorado, tentando buscar no fundo do cérebro ou do peito a resposta para a pergunta que lhe atormentava: Chorava porque havia batido na pequena Marta ou porque creditava a ela a morte de Lígia?
Algo estava partido! Algo estava entre eles fendido como se fosse uma casca de ovo.
Tentou em vão lembrar da barriga de Lígia, mas só veio-lhe a memória a maldita imagem de um ovo . Um ovo partido.

terça-feira, janeiro 17

PASSANDO OS DIAS


Um dia você me falou que muitos dias
É muito pouco para quem vai,
E um único dia apenas podia ser
Muitos dias para quem fica.

Mas a verdade é que para mim
Um minuto apenas longe
- Indo ou ficando – produz
O mesmo gosto de partir.

Se ao menos houvesse uma poção
Que fizesse esquecer
Ou uma noite tranqüila
Que pudesse adormecer
E não ver os dias passarem!

segunda-feira, janeiro 16

Toda a natureza


Desenhei na areia teu rosto
Vi nas estrelas teus olhos
Senti nas ondas teus movimentos
No sol todo o seu calor.

Senti na cerração teu suor
Na copa das árvores teus cabelos
Nos troncos tuas firmes pernas
Nas raízes teus doces pés.

Repousei em cumes como se fossem teus ombros
Deitei em planícies como em teu colo
Subi em montanhas feito os teus seios
Dormi em relvas como em teu púbis.

Senti no vento teu hálito
Na chuva a tua saliva
Em úmidas cavernas teu ventre
No trovejar o teu coração.

Não queiras então que eu te esqueças
Se és tu para mim toda a natureza.