quarta-feira, agosto 24

O confessor


Charles entrou na igreja de cabeça baixa. Estava acostumado a entrar ali, mas não tinha muita coragem para expor seu rosto naquele fim de tarde. Passou pelo batistério e foi direto a caldeira de água benta. Molhou o dedo indicador e fez o sinal da cruz.
Fosse um dia normal de ele estar ali, como um domingo, por exemplo - pois ele sempre ia a missa no domingo desde os tempos de criança, não por devoção, mas por ter aprendido que deveria agir assim -, ele se sentaria nas primeiras bancadas e oraria. Hoje não! Hoje era um dia muito diferente na vida do devoto cristão.
Olhou os vitrais. Conhecia todos de cor e salteado. Mas hoje eles tinham algo diferente! São João Batista continuava derramando água sobra à nuca de Nosso Senhor, Santo Antônio continuava com o Menino Jesus em seu colo, São Miguel ainda estava com seu pé sobre a cabeça do demônio e sua espada pronta para acabar com o capeta e São Jorge mantinha a sua postura de bom ginete, mas algo estava estranho!
Os olhos! Os olhos dos santos pareciam todos estarem focados nele.
Charles pensou em dar meia volta e ir embora, mas sabia que não enganaria ninguém – pelo menos os santos não, pois eles vivem ao lado de Deus e deviam saber de tudo, por isso o olhavam! - . Ficou por um tempo parado como estavam parados também os santos em seus vitrais. Corpos parados em seus eternos afazeres e olhos cravados nele.
Ouviu um pequeno ruído. Era o padre Clemente que entrava no confessionário. Entrava em silêncio, com o mesmo silêncio que deveria sair, pois o que é dito no confessionário deve ficar relegado ao silêncio. Charles na verdade achava – e isso não lhe foi ensinado, ele apenas achava que era assim, que ao sair do confessionário o padre esquecia tudo o que ouvira, pois ele apenas servira de ligação do homem a Deus! -.
Queria que houvesse uma multidão de devotas para confessar seus pecados sem graça, mas naquele dia não havia ninguém para se confessar além dele.
Mais uma vez embebeu o dedo na água benta e fez novamente o sinal da cruz. Aproximou-se e quedou-se sobre o genuflexório. Ficou mudo. Não sabia – pela primeira vez na vida – o que dizer ao confessor. Ficou mudo esperando o confessor, padre Clemente falar as palavras de praxe. Não ouviu nada. Tomou coragem.
_ Padre eu pequei! – pronto, agora iria até o fim -.
_ Sim meu filho! – ficou mais tranqüilo.
_ Na verdade eu não lembro de algo para falar desde o último dia que aqui estive que possa ser um pecado. – baixou a cabeça de resignação e vergonha. – mas tenho algo para dizer!
_ Sim! – ouviu depois de um longo silêncio.
_ Eu sou temente e seguidor das palavras de Deus. Tu bem sabes padre! – parou.
_ Fale Charles! Pode se abrir e falar seus pecados! – Ao ouvir seu nome, Charles ficou espantado, achava que assim como ele não via o padre ele também não era visto. Então o padre Clemente sabia de todos os seus pecados! Achava que o confessor ouvia os pecados dos penitentes sem saber quem falava. Ele não via a cara do padre, mas sabia que era o padre Clemente, mas achava que ficava em segredo e não era visto pela pessoa que olhava de dentro para fora do confessionário. Ficou mais envergonhado.
_ Sim?
_ Padre eu não lembro de nada de errado a não ser um pequeno roubo no jogo de carta com meu cunhado desde a última confissão. – um momento de silêncio -.
_ Abra seu coração filho!
_ Bom padre! O meu pecado não foi feito, mas será feito e por isso estou aqui.
_ Como assim filho?
_ O senhor sabe que sou caminhoneiro e fico muitos dias fora, minha mulher até diz que chora quando viajo! Pois, uns caras vieram e disseram que quando eu viajo a Cidinha, minha esposa, recebe alguém lá em casa!
_ .....
_ Na primeira vez eu briguei e afirmei que era mentira, mas quando outros vieram falar eu fiquei com a pulga atrás da orelha!
_ Não deve cair em tentação meu filho! O diabo tem várias formas de tentar nos ludibriar.
_ Eu sei padre! E acho que tudo é mentira! – estava falando alto e olhou para os lados para ver se não era ouvido por outras pessoas – Eu acredito na fidelidade de minha Cidinha, mas os caras falaram pra eu ficar de campana que assim eu descobriria tudo.
_ Bobagem! A D. Eucida é uma mulher honrada e uma boa cristã!
_ Eu sei Padre, mas não posso viver na dúvida e resolvi tirar tudo a limpo! Falei para ela que iria viajar hoje e só voltaria após uns seis dias. Mas eu vou é ficar escondido para ver se não aparece ninguém!
_ Bobagem!
_ Eu sei Padre, mas tenho de fazer isso, mesmo acreditando na lealdade de Cidinha! Se não fizer eu ficarei sempre com dúvidas, e depois os mesmos caras que falaram, disseram que se eu não flagrasse ela, eles mesmos me diriam quem era o cara que estava “fazendo” ela! - Com o perdão da palavra padre!- . Mas eu prefiro ver com os meus próprios olhos para ter certeza!
_ Meu filho! Tu não podes por a prova a honra da mulher que Deus abençoou como sua esposa, por causa de palavras de pobres pecadores!
_ Mas é isso mesmo Padre! Eu não acredito neles, mas eles mandaram eu fazer uma campana, que eu então descobriria e se eu não descobrisse eles mesmos falariam o nome do cabra que ta de caso com minha Cidinha.
_ Bobagem! Esqueça isso e segue tua viagem! Vá trabalhar e cuide de tua vida e da vida de tua esposa com muito trabalho e devoção a Deus! O que Deus une o homem não separa!
_ Sei não Padre? Na dúvida vou ficar hoje escondido no mato com a pistola pronta.
_ Isso não meu filho! Matar é pecado!
_ Mas é por isso que vim aqui Padre! Vim me penitenciar por um pecado que posso vir a cometer.
_ ...
_ Se aparecer alguém hoje a noite... depois de eu fingir que fui viajar, esse alguém vai comer chumbo!
_ Não meu filho...
_ Sim Padre! As pessoas têm de respeitar um trabalhador e as “mulhé” dos outros!
_ Tu não podes fazer isso meu Fi...
_ Posso sim Padre! Tem que ter respeito pelas pessoas! E o Senhor...
_...
_...
_ Sim meu filho?
_ O Senhor tem de manter sigilo de confessionário! Se nada houver, muito que bem, mas se houver eu serei o primeiro a ir procurar a delegacia e falar que matei os dois safados.
_ Mas...
_ Espero que nada aconteça, - quase chorou - o que muito acredito, mas se houver...
_ ...
_ Benção Padre! Já vou rezando que é para não haver o pior
Charles subiu no caminhão e deixou a cidade. Escondeu o caminhão em um posto de gasolina e voltou às pressas antes que escurecesse.
Não trazia nada além da pistola que comprara de um uruguaio na última viagem.
Entrou no mato que ficava em frente a sua casa. Ainda havia luz solar. Esperou escurecer e esgueirou-se até uma vegetação de médio porte bem em frente a sua casa e ficou de tocaia.
Depois de vários minutos veio a vizinha e puxou papo com Cidinha. Ficaram por quase duas horas no portão. A vizinha foi embora e Cidinha entrou. Charles acendeu um cigarro, mas cuidou para a brasa não aparecer para quem estava em sua casa.
Duas horas depois viu Cidinha, sua mulher passar pela janela em prantos! Ela sempre falava que chorava quando ele estava em viagens! Seria o choro por ele?
Logo veio a meia-noite! Hora ideal para um amante – pensou Charles -. Nada!
Veio a madrugada e nada aconteceu e finalmente o dia raiou.
Charles cansado, sem dormir e com uma pistola na cintura decidiu que estava errado: Sua Cidinha não o traía, ele era um babaca e acreditou nas bobagens do pessoal do trabalho.
Jogou a pistola num córrego próximo e correu ao centra da cidade. Há essa hora o padre Clemente deveria estar exasperado sem saber o que havia ocorrido, apesar de saber que o padre sabia da fidelidade de Cidinha.
Em pouco tempo chegou na casa paroquial.
Estancou! Havia um monte de gente em frente à casa do padre.
_ O que houve? Perguntou Charles a uma das beatas.
_ O padre Clemente deixou um bilhete dizendo que agiu muito mal com uma de suas ovelhas e foi embora sem dar mais explicações!
_ FILHO DA PUTA! – Só Charles, Cidinha e alguns amigos entenderiam o porque do palavrão

5 comentários:

Anônimo disse...

adoro teus contos...e tudo mais!
bjks

Anônimo disse...

adoro teus contos...e tudo mais!
bjks

Anônimo disse...

adoro teus contos...e tudo mais!
bjks

Anônimo disse...

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bjks

Simone butterfly disse...

muito bom, adoro esse tipo de leitura! parabéns