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quinta-feira, janeiro 13
RE-POSTAGEM 8 ou sem tempo e/ou preguiça e/ou inspiração
"ERICA"Postado originalmente em Setembro de 2008
Vinte e doze. Estou adiantado. Melhor assim.
Nunca tinha estado neste lado da cidade. Pensei que seria bem tranqüilo, mas que nada. Só para achar uma vaga para estacionar levei mais de dez minutos – imagina se não venho adiantado! -. Não queria estar ali!
Abro a carteira e releio o pequeno pedaço de papel com a miúda e redonda letra de Érica – Porque será que a letra de mulher é sempre redondinha? Ou será que não é? -. Ah! Porque fui inventar esse encontro?
Depois de ler, olho para o outro lado da rua e vejo um letreiro quase que totalmente apagado. O nome do estabelecimento bate com o do papel: Bastilha. O número também confere.
Aquele medo que o nome do restaurante me provocou quando o li pela primeira vez, aumentou ao ver a fachada. Deve haver um engano! Érica é a última pessoa que combinaria com aquela espelunca. Não que ela fosse algo espetacular. A bem da verdade ela é bem insossa e eu sinto que a odeio, mesmo sem ela ter dado motivo para isso, mas mesmo assim a convidei para sair quando estávamos no jantar na casa de Jorge, apenas para puxar papo. Não sabia o que falar para aquela sonsa e depois, tinha certeza que ela não concordaria. Como poderia imaginar que uma mulher calada e recatada como ela aceitaria sair com alguém que ela mal conhecia. Trabalhamos no mesmo escritório, mas nunca havíamos trocado uma olá qualquer.
Resolvo encarar. Atravesso a rua como quem vai para uma zona que me era proibida.
Olho novamente a placa. Não adianta é aqui mesmo! Dou uma olhada em torno. Mesas e cadeiras de plástico com logomarcas de cervejas e baners com mulheres gostosas a oferecer cerveja é o luxo da casa.
Desvio de um cão sarnento que ronda por baixo das mesas em busca de alguma migalha caída dos lanches servidos por um neurótico garçom e abro a porta de vidro escuro.
Tirando o insalubre bafo de álcool e cigarro que me recebe logo ao entrar, o interior tem uma melhor apresentação. Nenhum luxo é verdade, mas pelo menos as mesas não são de plástico e são guarnecidas com toalhas de um liláz que em nada combina com o azul das paredes.
O local está lotado. Vejo dois bancos altos e vazios em frente a um balcão de fórmica amarela que combina menos ainda com o resto do ambiente. Sento em um deles e puxo o outro para perto para guardar para a chegada de Érica. Fico torcendo para que ela não venha.
Novamente fico basbaque: Isso aqui não combina com Érica em nada. Nem comigo combina. Vou esperar um pouco e me vou, depois invento uma desculpa. Isso se ela não tiver desistido.
Érica é a secretária lá do escritório. Deve ter uns 32 ou 33. Veste-se sempre com uns terninhos de cor sóbria – o que dificulta e muito para se ter uma idéia de como será seu corpo sem eles - e sapatos pretos de salto alto. Às vezes usa brincos discretos e uma maquilagem mais ainda. O cabelo negro está sempre preso no alto da cabeça.
Peço uma cerveja para a menina que está do outro lado do balcão. Não estava muito a fim de beber, mas não iria ficar segurando os dois únicos bancos vazios e não gastar nada. Tomo um longo gole. Finalmente encontro algo de positivo naquela casa: Eles sabem como gelar uma cerveja. Mudo se idéia: estou a fim de beber.
Dou mais uns goles e fico de costas para o balcão. Olho no display do celular: 20:28h. Marcamos para as 20:30, ela já deve estar chegando meu Deus!
Fiquei observando a movimentação no salão. A impressão que tive é que aquelas pessoas todas deviam estar ali o tempo todo. Elas combinavam com as paredes, as toalhas e com o balcão que em nada combinavam. Minha investigação saiu do salão para a rua. Apesar do vidro ser escuro dava, para ver tudo o que ocorria lá fora.
Naquele exato momento parou uma moto entre dois carros que já estavam estacionados e desceu uma beldade de capacete rosa, camiseta da mesma cor e um short de brim azul. O que me chamou a atenção era as botas pretas que não combinavam com o restante da roupa. Aliás, um pequenino short também não combina com uma moto. Eu estava mais acostumado com calças e jaquetas de couro preto. Será que a combinação aqui por essas bandas é não combinar nada?
Tirou o capacete e só então percebi que ela tinha uma mochila – e essa sim combinava com o short – atravessada às costas. Com um movimento rápido tirou a mochila e colocou-a sobre o banco da moto. Guardou o capacete na mochila e tirou de lá um par de sandálias pretas que as colocou ao lado da mochila.
Acionou o alarme e soltou os negros cabelos que caíram sobre os ombros.
Como se estivesse em casa, tirou as botas e trocou pelas sandálias ali mesmo na calçada em meio às mesas de plástico. Guardou as botas junto com o capacete e repôs a mochila às costas.
Antes de entrar no bar, apertou mãos, deu abraços e beijos em quase todo mundo. Percebi que um rapaz com pinta de surfista fora de forma recebeu um rápido beijo nos lábios. Empurrou a porta e tão logo entrou vi que era muito bonita e do tipo que se chama: gostosa.
Caminhou decidida por entre as mesas. Ela sem dúvida pertencia àquele ambiente. Vez por outra parava para distribuir beijos e abraços. Além do surfista fora de forma, um rapaz sardento e uma garota com óculos fundo de garrafão também receberam os seus selinhos.
Veio em direção ao balcão...
_Oi Marcelo... Estou atrasada? Perguntou no mesmo momento em que passava o braço por cima de meus ombros e me deu um beijo na bochecha. Com a mesma agilidade de antes, atirou a mochila para a menina atrás do balcão e ao mesmo tempo, pulou para o banco em minha frente e pediu: Vodca e limão.
_Ah?... Não... Chegou bem na hora. Fiquei quase sem voz, aquela gostosa de short e sandálias pretas era Érica. Não aquela Érica secretária lá do escritório, que deve ter uns 32 ou 33 e veste-se sempre com uns terninhos de cor sóbria que dificulta e muito a percepção de como é seu corpo. Não a Érica de sapatos pretos de salto alto com seus brincos discretos e uma maquilagem mais ainda. Não a de cabelo negro preso no alto da cabeça, mas uma nova, fascinante e desconhecida Érica de camiseta rosa e short de brim azul. Uma gostosa Érica que aparentava 22 ou 23 e que tirava as botas e calçava sandálias no meio do passeio como se estivesse na intimidade de seu lar.
_O que foi Marcelo? Ela me perguntou como se eu a visse todos os dias naqueles trajes. Falei que não era nada, mas ela logo notou. Ah! Já sei... Tu esperavas que eu viesse com as mesmas roupas que uso no trabalho né? - Protestei. Não...Não... Mas não adiantava, do jeito que eu estava vestido... Apenas não estava de gravata, mas de resto minhas roupas em nada diferenciava com as que uso no trabalho.
_É verdade Érica! Desculpa-me, não me leve a mal! Falei que não havia imaginado que ela viesse com uma roupa muito diferente da usada no dia a dia. “Veja eu mesmo vim social, pensei que se eu viesse com uma roupa mais informal, como costumo me vestir fora do trabalho, tu poderias ficar meio sem graça”- menti.
_De jeito nenhum! Mas se tu preferes eu moro aqui perto, vou lá e coloco algo mais social! Não! Respondi prontamente. Prefiro você assim – falei a verdade -. Ela soltou uma gostosa risada e eu senti todo o sangue de meu corpo subir para meu rosto. Virei para a menina atrás do balcão e pedi mais uma cerveja a guisa de não deixar Érica perceber o meu rubor. A menina protestou dizendo que minha garrafa estava pela metade. Sem jeito menti que estava quente. Sem entender nada ela retirou a cerveja gelada e trouxe outra também gelada. Enchi o copo e dei um longo gole.
_Agora sim está gelada! Érica propôs um brinde. Brindamos “à noite”. Tirei o terno e abri dois botões da camisa. Não era o suficiente, ainda parecia o mesmo colega de trabalho. Desabotoei os punhos das mangas e as puxei até a altura do antebraço.
_Legal o lugar! Não conhecia, mas... Comecei um papo qualquer para quebrar o gelo. Na verdade esse gelo só fazia efeito a mim, Érica estava completamente à vontade. “Espera um pouquinho!” Ela me pediu enquanto dava a volta no balcão. Ergueu a mão e bateu com um carinhoso tapa na palma da mão da menina atrás do balcão. Abriu a torneira de uma pia que ficava por baixo do tampo do balcão e voltou. Parou em minha frente e com ambas mãos molhadas desfez meu comportado penteado e me deixou com aparência de personagem de desenho animado japonês. “Agora sim tu ta legal!” Me falou enquanto voltava ao banco.
A partir dali a noite mudou completamente. Tomamos todas e estouramos em furiosas risadas. Em pouco tempo gastei meu repertório de piadas que eu julgava serem muito sujas, mas que transformaram-se em piadinhas engraçadinhas diante das piadas que Érica contava.
A cerveja me obrigava ir ao banheiro vez que outra. Sempre que eu voltava, alguém estava conversando com ela. “Fulano esse é Marcelo. Marcelo esse é fulano”, ela nos apresentava e o fulano da vez ia de volta para sua mesa e nos deixava sozinhos com nossas piadas, gargalhadas e cervejas. Ela agora tomava cerveja, não sei se para acompanhar-me ou era como ela mesma disse: “Começo com algo mais forte, se não a tonturinha demora a bater”.
Uma mesa vagou. Fomos para ela. Cansada de piadas Érica perguntou sobre mim. Falei pouco, pois não tinha muito que falar. Estudei em escola particular, fui para o exército onde fiquei um ano, fiz administração, casei e me separei. “E tu?” Perguntei.
_Nada demais... Quase a mesma coisa! Estudei, fiz umas poucas viagens a Europa, fiz língua estrangeira, especializei-me em inglês e francês e me casei e me separei três vezes.
_Ah! Para! Três vezes? Pensei na Érica do escritório, aquela poderia ter casado e se separado três vezes, mas essa garotinha a minha frente... “Fico lisonjeada” ela disse, “mas tenho 27!” Falou vinte e sete como se fosse óbvio que alguém com essa idade já tenha passado por três casamentos.
Bebemos mais algumas até o momento em que ela me calou com um longo e lascivo beijo. O chão fugiu-me dos pés. Esqueci minha timidez e saboreei aquele beijo que deve ter durado horas – em minha cabeça é claro, pois foi de poucos segundos -.
Quando nossos lábios se desgrudaram ela me olhou com aquela cara que queria dizer: “Tá e aí?”. A princípio fiquei meio sem jeito. Olhei para os lados e vi que ninguém estava se importando se nós havíamos se beijado ou não. A lembrança de seus lábios me queimavam, a puxei-a de encontro a mim e a beijei-a - ou fui beijado, não sei -.
Ela pediu a conta e dividiu o valor em dois, mesmo com meus protestos. Pegou a mochila dizendo para a menina que estava atrás do balcão que eu era Marcelo, gente dela.
Não queria que ela fosse embora, mas estava meio confuso. A segui até a rua. Chegamos em frente à moto dela e ela me perguntou: “Vai me seguindo no seu carro ou vai na garupa?”. Vi que era observado pelo pessoal que estavam nas mesas da rua, não poderia deixar eles pensarem que eu estava dispensando tal mulherão. Puxei o ar com força para meus pulmões e dei coragem as minhas palavras que estavam tentando dizer que eu tinha um medo incrível de moto.
_Vou contigo!. Ela repetiu o movimento inverso que eu havia visto antes, tirou a sandália e colocou as botas e recolocou o capacete. Se a gente cair tu ta ferrado, não tenho capacete pra ti, falou-me enquanto subia naquela maquina de morrer.
Deu ignição e eu subi na carona. Só então me senti ridículo. Em minha cabeça masculina estava acostumado a ver mulheres irem na garupa e não ao contrário, mas no momento que meu peito colou nas costas dela- mesmo havendo entre nós uma mochila com as sandálias- me senti recompensado.
Ela acelerou umas duas ou três vezes como todo motoqueiro faz antes de arrancar, não sei se isso é ensinado em moto-escola ou vem por osmose e virou para trás perguntando: “Quer ir a um motel ou vamos lá para casa?” Não sei o que respondi só sei que acordei num quarto de motel.
A noite maravilhosa me veio à mente no primeiro momento que abri os olhos. Meu braço a buscou. Não tinha ninguém. Pensei em ligar para Érica, mas não tinha o seu número. Tomei um banho e dirigi-me a portaria para pagar o pernoite.
_ A senhora já deixou pago! Respondeu-me uma pessoa que mesmo não vendo, eu podia ver um sorriso na cara que não via.
Caminhei até o local onde havia deixado meu carro e fui para casa.
Segunda-feira, cheguei no escritório cedo e fiquei com o coração na mão esperando ver Érica. Não demorou muito e ela chegou com os seus 32 ou 33 anos, de terninho de cor sóbria e sapatos pretos de salto alto, sem brincos e sem maquilagem com o cabelo preso no alto da cabeça e uma prancheta na mão dizendo: “O Senhor Jorge está esperando o senhor para uma reunião na Sala da Diretoria.” Virou-se e voltou a sua mesa de secretária.
Naquele momento passei novamente a achá-la insossa e a odiá-la cada vez mais.
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