quinta-feira, janeiro 20

História de Dick ou Uma história de amor 2(final)


O cemitério municipal recebeu uma quantidade razoável de pessoas no triplo enterro. Após o sepultamento Dick saiu a vagar sem saber o que fazer. Sua vida havia acabado, era tudo o que ele pensava! Depois de tanto vagar, chegou em frente ao falido boteco. Não estava com a chave do boteco, então chutou a porta até ela ceder. Caminhou até o balcão e serviu-se de uma garrafa de cachaça. O líquido entrava com a mesma facilidade com que corriam as lágrimas.
Uma garrafa e meia após, Dick saiu do boteco cambaleante. Tentava encontrar o caminho de casa que ficava bem nos fundos do boteco, mas, pouco afeito ao álcool não conseguia encontrá-la. Saiu em direção contrária. Logo mais adiante deu-se de frente com um outdoor do governo que propalava o “bom” atendimento dado à população na área da saúde. Lembrou de Fifa jogada em uma cadeira na recepção do hospital e começou a depredar com chutes, socos e pedradas a propaganda mentirosa.
Alertada pelo barulho, uma viatura da polícia chegou ao local. Os dois policiais desceram do carro e abordaram o transtornado e bêbado Dick. Mandaram ele parar! Acostumado a cumprir ordens ele parou. Virou-se para os agentes de segurança e caiu em um riso entre choro desesperado. Um policial aproximou-se tentando acalmá-lo, pois reconheceu o ex-proprietário do boteco.
Sem saber se pelo efeito da bebida, da perda, da indignação ou por estar cansado de sempre levar a pior por toda a sua vida, Dick enlouqueceu!
Socou o rosto do policial com tanta força – que ele nem imaginava ter – que o jogou ao solo. O segundo como ato reflexo sacou o revólver mas, Dick já o estava esmurrando. Ao sofrer os golpes a arma caiu bem aos pés do descontrolado viúvo. Ele sem pensar abaixou-se e pegou a arma. Antes do policial dar por si, um certeiro projétil estourou sua testa. O outro policial tentou correr para se proteger atrás do carro mas, dois tiros certeiros entraram por suas costas e deixaram dois furos na parte frontal do uniforme.
Dick ficou parado em frente aos dois cadáveres. Corpos mortos não o assustavam, afinal de contas ele a pouco havia enterrado três pessoas que ele amava, inclusive um bem pequenino que ele nem teve tempo de conhecer.
Os tiros alertaram a vizinhança, mas antes que alguém pudesse chegar ao local e flagrar Dick, dois homens chegaram e convenceram o ébrio e neófito assassino a se retirar do local do crime.
Dick acordou com a cabeça estourando e zumbindo no outro dia. Olhou para os lados e não reconheceu o local onde estava. Logo apareceu alguém para lhe dar um copo de Coca-Cola e um sanduíche. Não tinha fome, mas mesmo assim comeu e bebeu. Aos poucos começou a lembrar o ocorrido na noite anterior. Ficou surpreso com o que lembrou, mas não sentiu remorsos. Ou melhor, sentiu remorsos de não sentir remorsos do que havia feito.
O cara que havia trazido o lanche voltou. Agora com um pouco mais de lucidez o reconheceu-o. Era Tigre, o braço direito do trafico no morro do ... ! O braço direito de Cláudio da Luz!
Pensou em voltar ao boteco e se entregar a polícia pelo que havia feito. Na noite anterior estava bêbado e desconcertado pelas perdas que sofrera, as autoridades iriam entender e sua pena seria branda, afinal ele não era um criminoso e sim uma vítima daquele mundo cruel.
Cláudio da Luz chegou com mais alguns homens e começaram a conversar com Dick. Ele ainda estava meio bêbado, mas não o suficiente para não entender os argumentos daqueles homens! Não seria poupado pela justiça! Talvez nem chegasse até os homens da justiça, pois havia matado dois policiais e isso o transformava em um alvo mortal para os companheiros de farda.
Um pouco de filosofia barata e mais uns goles de cachaça foi o suficiente para Dick perceber que não havia mais volta. Ele agora pertencia ao mundo de Cláudio da Luz! Ao mundo do crime! Após matar aqueles dois policiais ele pertencia ao mundo do crime! Ao mundo de Cláudio da Luz!
Cláudio da Luz viu nele a aptidão para a execução. Dick nunca havia usado uma arma antes e acabara com os policiais como se fosse um expert no assunto. Ele não ia desperdiçar o “talento” que estava em suas mãos e com um pouco de paciência e muita conversa convenceu que todos os que não faziam parte do mundo do tráfico eram inimigos de Dick.
Aqueles que viviam lá embaixo em belos apartamentos e mansões e também os que viviam no morro do ... e eram contra Cláudio da Luz eram os culpados pelas mortes de Fifa, de seu filho, de Tia Tereza e de seu pai. Eles eram os responsáveis pela vida que ele perdera. Logo a fuga de sua mãe e irmã também era motivada pelas pessoas que ele agora via como seus inimigos.
Numa sexta feira chuvosa Cláudio da Luz cobrou a “amizade” e “proteção” que dava a Dick. Um certo policial não estava cooperando e devia ser eliminado. Foi colocado nas mãos dele uma pistola 45mm. Dick a colocou na cintura como se aquilo fosse algo que sempre fizera por toda a sua vida e desceu o morro para local que lhe fora indicado.
Uma hora depois ele voltou e entregou a arma sem dois projéteis e disse: Tá feito! Cláudio da Luz não pegou a arma e disse: Ela é sua matador!
Aquela noite Dick não conseguiu dormir. Saiu duas vezes da cama e vomitou na rua. Era sua terceira morte, mas a primeira de cara limpa, as anteriores ele estava bêbado e nem sabia o que estava fazendo. Mas não sentiu remorsos. Para ele tudo o que ele havia perdido era fruto daqueles homens que ele matara.
Uma semana depois ele foi incumbido de matar um cara que havia desertado o grupo e estava dando informações para a polícia. Desta vez ele trouxe a arma faltando apenas um projétil. Foi um tiro certeiro na nuca. Mais uma vez foi elogiado por Cláudio da Luz pelo seu “trabalho”. Já falei, essa arma é sua matador! – reafirmou o chefe do tráfico -.
Dick em pouco tempo deixou de ser conhecido como Dick. Mudara de nome outra vez, agora ele era apenas “matador”.
Seus serviços para Cláudio da Luz lhe rendiam um bom dinheiro, mas isso para ele pouco ou quase nada importava, o que lhe movia em suas execuções era a certeza que estava se vingando das perdas e da vida.
Certo dia Cláudio da Luz lhe chamou! Dick sabia que era mais alguém que ele devia “despachar dessa para melhor”. Mas desta vez não era um X9, um rival ou policial, era um casal que estava complicando os negócios. Eles criaram uma ONG - coisa que ele nem sabia muito bem o que era - e estavam botando a população contra os negócios.
_ Eles são da turma lá de baixo cara! Da turma que ferrou sua vida! Que fudeu com á vida de tua mulher e teu filho...
Dick pegou
sua companheira 45mm e foi com o Tigre fazer o "serviço"! Ele sempre ia sozinho, mas Cláudio da Luz pediu para o Tigre ir junto desta vez: É um trabalho especial! Esses caras tem as costas quentes mano! Podem até ter segurança ta ligado?
Chegaram em frente à casa do casal encomendado. As dezenas de mortes deram a Dick a experiência. Antes de entrar na casa e apagar todo mundo como sempre fazia, tomou precauções. Rodou a casa e verificou que não havia seguranças.
Olhou por uma janela dos fundos e viu o casal jantando. Estavam sós. Chamou Tigre e com um pontapé derrubou a frágil porta.
O casal petrificado nem ao menos reagiram. Parecia que já estavam esperando que algum dia aquilo aconteceria. Dick colou a arma na cabeça do homem e mandou ele levantar. O Tigre entrou após e rendeu a esposa do assustado homem que olhava para o cano da 45mm de Dick.
Levaram eles para a sala e Dick mandou eles ajoelharem. Normalmente ele não dava nem tempo das vitimas pensarem, mas desta vez ele agiu diferente sem nem saber o porque.
Apontou a arma para a cabeça do homem e mandou Tigre apontar para a da mulher.
Por favor! Por favor! Sei que não temos mais chances de viver, mas deixe ao menos eu dar um último beijo em minha esposa! – pediu o assustado homem de joelhos em frente à esposa que chorava silenciosamente.
Tigre já ia puxar o gatilho, mas parou a um movimento da mão de Dick! Com um sinal de cabeça ele autorizou o beijo.
O homem segurou carinhosamente os ombros da esposa e colou carinhosamente os lábios sobre os dela. Ela prontamente e apaixonadamente respondeu. Dick lembrou naquele momento o último beijo de Fifa.
Tigre deu um sorriso tolo e engatilhou seu 38 niquelado. Encostou na cabeça da mulher que ainda beijava apaixonadamente e ouviu-se o estampido.
A mulher e o homem que estavam de joelhos caíram em desespero ao mesmo tempo em que Tigre tinha sua cabeça estourada por um tiro vindo da 45mm de Dick.
Tigre ficou caído no meio da sala em meio a uma torrente de sangue em frente ao assustado casal que estava boquiabertos e olhando para Dick que tinha uma pistola com o cano ainda fumegante pelo disparo.
Dick virou as costas e foi embora deixando o casal a chorar abraçados. Nunca mais alguém ouviu falar em Diacomo, Dick ou Matador.
Dick podia matar pessoas, mas nunca mataria um amor. Ele sabia o quanto isso doía!

Um comentário:

Mavis disse...

Aff....que lindo esse conto, o final tem toda a tua sensibilidade....tu é o máximo...como diria a Bá..."meu muso das letras", é assim???
adoreiiiii