quarta-feira, abril 28

Teófilo - 1


Sempre achei que tinha um nome antigo!
Chamo-me Teófilo! Teófilo Siquera! É um nome que os pais modernos que convivem com a internet, MP’s algum número, códigos genéticos e outras coisas mais não pensariam em dar esse nome a um filho, e acho que esse nome velho foi-me dado para lembrar do tempo dos velhos. Tenho um nome antigo para não esquecer o passado. E não esqueci enquanto não devia esquecer!
Tenho quarenta e vários, não sou um guri, mas não posso me chamar também um ancião. Quando eu era garoto uma pessoa de quarenta era um velho, mas hoje em dia, um quarentão não é um velho. É uma pessoa madura, mas não um velho! Apesar de eu conhecer na escola em que leciono, muitos com dezoito que são em espírito mais velhos que eu.
Mas isso não vem ao caso! Nem sei porque estou pensando isso! Tenho coisas mais importantes para pensar, como por exemplo: esperar que ele venha!
Faz mais de quatro meses que venho a essa praça e fico de longe a observar e sei que sempre às cinco horas ele vem para o mesmo banco com um livro nas mãos. Senta-se e fica a ler até a luz do dia não permitir sua leitura e volta para casa, que fica há seis quadras daqui.
Durante todo esse tempo fiquei só a observa-lo, mas hoje agirei. A vida e a história de minha família me ensinou que há tempo para observar e tempo para agir. A primeira parte já fiz, é chegada a segunda...
Do banco em que estou e parece que aqui estou a mais de vinte mil anos, vejo o velho aproximar-se. Não é a mesma roupa, mas é sempre o mesmo padrão. Sapatos de amarrar, calça de tergal com um impecável frizo que parece ser uma navalha e camisa em cores berrantes. Sim! Tem os óculos que ele nunca usa, mas está sempre preso sobre a cabeça como se ele tivesse olhos a observar o céu – teria medo do céu? - .
Sentou-se no mesmo banco e abriu como sempre fazia, o livro e ficou preso a sua leitura absorto a tudo o mais que ocorria a sua volta. Aproximei-me e sentei ao seu lado sem olha-lo. Ele não tirou o olhar do livro. Abri o jornal que trazia preso entre o ante-braço e o tórax e fiquei sem ler.
Uma eternidade passou até que corri os olhos do jornal em que nada lia para o livro que ele devorava. Com pouco custo pude perceber que era algo tipo “não sei o que da águia”. Não conseguia decifrar que livro era.
Uma bola de plástico multicolorida escapou das brincadeiras das crianças e veio a cair entre os pés dele. Meu visinho de banco com calma largou o livro no assento do banco e pegou a bola. Uma garotinha de uns seis anos veio correndo aos gritos de: Tio! Tio! A bola!
Ele pegou a bola e entregou carinhosamente para a menina. Ao ver suas mãos ao entregar a bola chegar próximas as da menina, senti um calafrio por todo o corpo. A menina pegou a bola sorridente e voltou correndo. Ele sorria como se estivesse brincando com a própria netinha em casa num domingo de páscoa.
_ Nada mais belo que a infância! – ele falou. Fiquei desconcertado. Sua mão foi em direção ao livro que repousava no banco. Segui aquela mão magra e “nervuda” e pude ler, não o título do livro, mas o nome do autor: Ken Follet.
_ Ken Follet! – Falei sem pensar.
_ Sim! Follet! – mirou-me, mas eu não o olhava – gosta? – perguntou.
_ Sim! – respondi sem saber se era verdade ou não. Ele voltou a leitura. Ficamos calados.
_ A toca do leão! – falei nem sei porque -.
_ Já li! – respondeu – É bom, mas prefiro outros...
_ A chave de Rebecca!
_ Ah! Esse é um clássico! – ele saltou entusiasmado – Adoro essas histórias de guerras e espionagens e a gente que gosta de livros... Pô! O código estava no livro...
_ É!... – não sabia o que dizer, ele parecia ser uma pessoa tão simples e até legal. Não parecia ser a pessoa que era!
_ Tem um mais novo que não lembro o nome em que é roubado uns produtos químicos...
_ Sei! Também li, mas não lembro o nome – menti.
_ É! Eu tenho um problema meu filho. Leio os livros, mas esqueço os títulos. – Ahã! Acho que falei – mas a histórias não. – ele completou - .
_ É! É melhor não esquecer a história, o título tanto faz! -
_ Isso mesmo! Saraiva... Saraiva é meu nome! – aproximou a mão em minha direção.
_ Carlos! Carlos é meu nome! – apertei a mão e menti, não sei porque, mas menti.
_ Tu moras por perto? Somos visinhos? – estava feita a aproximação.
_ Não! Passei aqui por acaso! –respondi com a maior naturalidade.
_ Estranho... Eu podia jurar que sempre via você sentado no outro lado da praça! – meu coração pulou feito louco, ele sabia de minha presença.
_ N.. N.. Não! – gaguejei – algumas vezes até já passei aqui, mas não sempre.
_ Estranho... Bom! É a idade! Quando eu era novo não esquecia ninguém, eu era... – meu coração agora quase parava – porteiro e dependia de ter uma boa memória, sabe como é né? – ele mentiu.
_ Cl.. Cl.. Claro! – E ele voltou a leitura.
_ Sabe qual é o problema de hoje em dia? A leitura! Ninguém mais lê. – colou seus olhos firmes e ao mesmo tempo cansados nos meus assustados. – se as pessoas tivessem o costume de ler, seriam mais atentas, mais espertas, mais amáveis, mais cultas, mais tudo...
_ Concordo com o senhor! – tentei voltar ao normal, será que ele percebia alguma coisa.
_ Hoje é um imediatismo! Ninguém tem tempo para nada!
_ Sim! – ali estava o gancho -.
_ Exato!
_ É por isso que adoro os “Pilares da terra” de Follet!
_ Como?
_ Os “Pilares da Terra”! O senhor não leu?
_ Não! – Não acredito, deu certo, era uma chance em mil e deu certo!
_ Mas é o melhor dele. Uma saga sobre a construção de uma catedral na idade média e que vai intercalando a vida de mais de uma geração.
_ Nunca ouvi falar... – aproveitei e desfiei um monte de elogios a obra de Follet, alguns sinceros e outros inventados, pois era o único livro dele que havia lido, os outros só conhecia o título. Meu visinho de banco ficou encantado e então fiz o convite.
_ Mas então tenho de lhe emprestar os dois tomos que tenho, o senhor vai adorar!
_ Adoraria! Ficaria gratissimo! Pode ser amanhã?
_ Que amanhã que nada! Vamos ali em casa e já aproveito para lhe apresentar para meus pais, eles adoram esse livro, vão adorar conhecer o senhor também!
_ Báh! Acho que não vai dar! Tenho de voltar logo para casa para preparar a janta de minha neta, ela vem do trabalho e tem de ir para a universidade... faz direito... sabe...
_ Ah! Mas é rápido! É só um pulinho!
_ Mas você disse que não mora perto...
_ Mas vamos de carro! Ele está logo ali! – Com pouco custo o convenci. Saímos lado a lado e entramos no meu Passat. Ele sentou ao meu lado.
_ Ali no banco de trás tem um monte de livros, talvez esteja os “Pilares” -. Ele virou-se para conferir e eu aproveitei para tirar do bolso o lenço e o vidro com o éter.

....continua...