O táxi parou. Perguntei naquele dialeto arrastado e pastoso que só os taxistas que trabalham a noite ou porteiros de boites entendem, o quanto devia. Paguei. Se fui logrado? Vá saber?!
Não levei muito tempo a achar a chave certa. Abri a porta e acendi a luz.
Joguei as chaves que produziram um estridente som ao bater no tampo de metal da mesa de centro. Olhei para o pé do balcão da pia.
Correu de lá – o que eu já sabia – um camundongo. Meus olhos correram assim como o camundongo para a geladeira. O camundongo passou como uma flecha.
Ele agora iria passar da geladeira para baixo do fogão. Eu já sabia o trajeto havia dias – seriam semanas? Meses? -. Podia pular e com o pé acabar com o infeliz.
Passou. Agora - isso eu também já sabia, sairia do fogão e passaria em uma distância um tanto perigosa frente ao inimigo: Eu, e correria para o banheiro.
No banheiro, por mais que eu procura-se não o encontraria. Havia um local secreto que aquele ser habitava durante o tempo que eu não estava presente – ou não estava acordado -, que eu não conseguia achar.
Teve um dia que me esmerei em procura-lo, mas foi em vão. O danado tinha um local só dele. Desisti. O mais fácil é ir a uma agropecuária e comprar um veneno.
Há pessoas habilitadas para tudo. Talvez as coisas não sejam tão simples na vida como a gente pensa ser. Em vez de procurarmos um eletricista, nós mesmos fazemos, e por isso mesmo nem sempre fica da forma que queríamos. Em vez de um encanador nós mesmos metemos a mão na massa e depois ficamos com aquele cano sempre a pingar.
Procurei quem sabia. O cara com cara de profissional falou que aquele determinado produto era tiro e queda. O bichinho morreria na hora, mas tinha outro que tinha um efeito retardado. Tinha um cheiro sedutor ao meu “amiguinho” e que depois de ele ingerir aquela “maravilha”. iria dar uma necessidade enorme a ele de beber água. “Quando a água entrar em contato com o produto no interior do organismo dele, vai petrifica-lo!”. Ele morreria e o próprio produto ia ressecá-lo e não produziria nenhum odor. Mesmo que eu não achasse o pequeno cadáver, não teria nenhum incomodo, ao contrário do outro que eu enfrentaria o odor da putrefação. Era esse mesmo que eu queria. Comprei.
Essa compra foi há muito tempo atrás.
O produto, eu o guardei em uma gaveta em sua embalagem. Nunca fora aberta. Algo me impedia de abri-la.
Fazia quase dois anos que eu estava morando sozinho. Não tinha filhos e minha mulher havia ido embora sabe lá Deus para onde.
Foi assim:
No começo, foi uma maravilha. Nunca havia sentido uma liberdade tão grande. Nunca havia podido viver desta maneira, sair e voltar a hora que bem entendesse sem dar satisfações a ninguém – havia meu chefe é claro, mas isso para o relato não conta -. Estava me sentindo finalmente livre.
Passei os primeiros dias a tomar cerveja e indo as boites que meus amigos falavam e eu nunca havia ido.
Mas havia dias que voltava para casa tão logo terminasse o expediente. Fazia minha caipira, um jantarzinho, tomava um banho, um chimarrão e via TV e dormia esperando o dia de amanhã.
Com o tempo o vazio da casa começou a me encher. Ouvia barulhos que não haviam e ficava preocupado. Vezes que outras, vultos passavam por trás de mim enquanto lavava a louça. Sabia que era a solidão. Não eram fantasmas. Fantasmas são lembranças que esquecemos de esquecer.
Com o tempo meus afazeres ficaram entediantes e comecei a voltar para casa cada vez mais tarde.
Quando percebi, minha fruteira era um cemitério de frutas gestantes, um ventre fértil de seres nojentos e um mundo convidativo a insetos indesejados.
Fiz uma grande limpeza em um sábado. Pronto: Só porcaria chama porcaria!
Com um fogão inativo e uma geladeira com água e cerveja, adotei os bares como locais de minha alimentação. Quando o último amigo abandonava o bar lembrava que também tinha uma casa.
Foi numa dessas noites em que eu voltava para casa com mais umas duas ou mais garrafas em uma sacola plástica que eu o vi pela primeira vez. Era pequenino. Cinza. Até bonitinho era.
Ao abrir a porta ele correu e fez o trajeto que nós já sabemos. Era metódico o bichinho.
Enquanto eu ficava na rua ele reinava naquela casa vazia.
No começo não dei muita importância a ele. Ia trabalhar e nem lembrava de sua existência, mas com o tempo e com tantas vezes vendo ele fazer o mesmo trajeto, resolvi: Tenho de me livrar deste ser abjeto, e como já falei, comprei o veneno...
Pela manhã não colocava o veneno – nos cantinhos como falou o cara que vendeu-me -, nem lembrava sequer dele ou do veneno. À noite ao ver ele correr, ficava com pena do bichinho. Ele era como eu! Quando eu ia ao trabalho ele fazia o seu mundo. Quando voltava, altas horas, ele se recolhia e deixava eu reinar sobre aquele silencioso mundo.
Assim ficamos por muito tempo. Ele rei de dia eu rei à noite. Se ele se aventurava enquanto eu dormia? ...Eu não sei, mas acho que não! Ele era o meu único amigo fiel.
Sim! Fugia quando eu chegava. Mas imaginem, quem não fugiria tendo aquele “tamanhinho” em frente a um gigante? E um gigante mau que compra veneno para matar seres pequeninos?
Assim ficamos meses. Vendo-nos como se não nos víssemos. E para dizer a verdade, muitas vezes fiz olhos de cego para suas investidas fortuitas. Ele achando que eu não o via passava despreocupadamente próximo ao meu pé.
Não fosse a solidão...
Ele também me via quando eu não o via. Eu sabia. Quantas vezes ouvi um frenético bater de pés no piso do banheiro quando me desfazia do excesso de álcool na privada, ou quando bradava impropérios sozinhos na sala.
É!...Nunca tive coragem de matar meu amiguinho!
Talvez um dia quem sabe?... Após dias sem eu não aparecer ao trabalho, a polícia venha e arrombe minha porta e encontre a embalagem do veneno aberta, caída ao chão, ao lado de meu corpo sem vida, e ao lado o cadáver de um camundongo.
Não levei muito tempo a achar a chave certa. Abri a porta e acendi a luz.
Joguei as chaves que produziram um estridente som ao bater no tampo de metal da mesa de centro. Olhei para o pé do balcão da pia.
Correu de lá – o que eu já sabia – um camundongo. Meus olhos correram assim como o camundongo para a geladeira. O camundongo passou como uma flecha.
Ele agora iria passar da geladeira para baixo do fogão. Eu já sabia o trajeto havia dias – seriam semanas? Meses? -. Podia pular e com o pé acabar com o infeliz.
Passou. Agora - isso eu também já sabia, sairia do fogão e passaria em uma distância um tanto perigosa frente ao inimigo: Eu, e correria para o banheiro.
No banheiro, por mais que eu procura-se não o encontraria. Havia um local secreto que aquele ser habitava durante o tempo que eu não estava presente – ou não estava acordado -, que eu não conseguia achar.
Teve um dia que me esmerei em procura-lo, mas foi em vão. O danado tinha um local só dele. Desisti. O mais fácil é ir a uma agropecuária e comprar um veneno.
Há pessoas habilitadas para tudo. Talvez as coisas não sejam tão simples na vida como a gente pensa ser. Em vez de procurarmos um eletricista, nós mesmos fazemos, e por isso mesmo nem sempre fica da forma que queríamos. Em vez de um encanador nós mesmos metemos a mão na massa e depois ficamos com aquele cano sempre a pingar.
Procurei quem sabia. O cara com cara de profissional falou que aquele determinado produto era tiro e queda. O bichinho morreria na hora, mas tinha outro que tinha um efeito retardado. Tinha um cheiro sedutor ao meu “amiguinho” e que depois de ele ingerir aquela “maravilha”. iria dar uma necessidade enorme a ele de beber água. “Quando a água entrar em contato com o produto no interior do organismo dele, vai petrifica-lo!”. Ele morreria e o próprio produto ia ressecá-lo e não produziria nenhum odor. Mesmo que eu não achasse o pequeno cadáver, não teria nenhum incomodo, ao contrário do outro que eu enfrentaria o odor da putrefação. Era esse mesmo que eu queria. Comprei.
Essa compra foi há muito tempo atrás.
O produto, eu o guardei em uma gaveta em sua embalagem. Nunca fora aberta. Algo me impedia de abri-la.
Fazia quase dois anos que eu estava morando sozinho. Não tinha filhos e minha mulher havia ido embora sabe lá Deus para onde.
Foi assim:
No começo, foi uma maravilha. Nunca havia sentido uma liberdade tão grande. Nunca havia podido viver desta maneira, sair e voltar a hora que bem entendesse sem dar satisfações a ninguém – havia meu chefe é claro, mas isso para o relato não conta -. Estava me sentindo finalmente livre.
Passei os primeiros dias a tomar cerveja e indo as boites que meus amigos falavam e eu nunca havia ido.
Mas havia dias que voltava para casa tão logo terminasse o expediente. Fazia minha caipira, um jantarzinho, tomava um banho, um chimarrão e via TV e dormia esperando o dia de amanhã.
Com o tempo o vazio da casa começou a me encher. Ouvia barulhos que não haviam e ficava preocupado. Vezes que outras, vultos passavam por trás de mim enquanto lavava a louça. Sabia que era a solidão. Não eram fantasmas. Fantasmas são lembranças que esquecemos de esquecer.
Com o tempo meus afazeres ficaram entediantes e comecei a voltar para casa cada vez mais tarde.
Quando percebi, minha fruteira era um cemitério de frutas gestantes, um ventre fértil de seres nojentos e um mundo convidativo a insetos indesejados.
Fiz uma grande limpeza em um sábado. Pronto: Só porcaria chama porcaria!
Com um fogão inativo e uma geladeira com água e cerveja, adotei os bares como locais de minha alimentação. Quando o último amigo abandonava o bar lembrava que também tinha uma casa.
Foi numa dessas noites em que eu voltava para casa com mais umas duas ou mais garrafas em uma sacola plástica que eu o vi pela primeira vez. Era pequenino. Cinza. Até bonitinho era.
Ao abrir a porta ele correu e fez o trajeto que nós já sabemos. Era metódico o bichinho.
Enquanto eu ficava na rua ele reinava naquela casa vazia.
No começo não dei muita importância a ele. Ia trabalhar e nem lembrava de sua existência, mas com o tempo e com tantas vezes vendo ele fazer o mesmo trajeto, resolvi: Tenho de me livrar deste ser abjeto, e como já falei, comprei o veneno...
Pela manhã não colocava o veneno – nos cantinhos como falou o cara que vendeu-me -, nem lembrava sequer dele ou do veneno. À noite ao ver ele correr, ficava com pena do bichinho. Ele era como eu! Quando eu ia ao trabalho ele fazia o seu mundo. Quando voltava, altas horas, ele se recolhia e deixava eu reinar sobre aquele silencioso mundo.
Assim ficamos por muito tempo. Ele rei de dia eu rei à noite. Se ele se aventurava enquanto eu dormia? ...Eu não sei, mas acho que não! Ele era o meu único amigo fiel.
Sim! Fugia quando eu chegava. Mas imaginem, quem não fugiria tendo aquele “tamanhinho” em frente a um gigante? E um gigante mau que compra veneno para matar seres pequeninos?
Assim ficamos meses. Vendo-nos como se não nos víssemos. E para dizer a verdade, muitas vezes fiz olhos de cego para suas investidas fortuitas. Ele achando que eu não o via passava despreocupadamente próximo ao meu pé.
Não fosse a solidão...
Ele também me via quando eu não o via. Eu sabia. Quantas vezes ouvi um frenético bater de pés no piso do banheiro quando me desfazia do excesso de álcool na privada, ou quando bradava impropérios sozinhos na sala.
É!...Nunca tive coragem de matar meu amiguinho!
Talvez um dia quem sabe?... Após dias sem eu não aparecer ao trabalho, a polícia venha e arrombe minha porta e encontre a embalagem do veneno aberta, caída ao chão, ao lado de meu corpo sem vida, e ao lado o cadáver de um camundongo.
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