segunda-feira, julho 4

RE-POSTAGEM 12 ou sem tempo e/ou preguiça e/ou inspiração


OS ERROS DOS OUTROS
Postado originalmente em 13 de novembro de 2009
O casal aproveitou a noite quente de verão para tomar uma cervejinha. Foi um dia cheio para ambos, nada melhor que uma cadeira de barzinho na calçada. Resolveram que não iriam jantar em casa. Talvez uma pizza! Enquanto não decidiam o que iriam comer ficaram a falar de amenidades do dia-a-dia.
Carla percebeu que o marido não estava muito interessado no que ela falava. O olhar de Paulo estava preso em algo do outro lado da rua. A principio ela não desviou o olhar para ver o que estava chamando tanto a atenção dele. Ela lembrava de uma discussão feia em que eles entraram noite adentro por ela estar “policiando” para onde ele olhava. Ela não queria passar por aquilo de novo. O melhor era fazer de conta que não estava percebendo nada e continuar a contar seu relato, mesmo sabendo que ele nem estava ouvindo.
Depois de um tempo ela parou de falar e ficou com o olhar perdido no cardápio. Não estava lendo nada. Estava apenas tentando não olhar para o ponto que o marido estava olhando. Na certa não era nada demais, mas algo dizia ao seu instinto de fêmea que só podia ser para uma outra mulher que ele tanto olhava.
Passou-se quase um minuto e ele nem ao menos percebeu que ela estava quieta. Não se conteve. Virou-se bruscamente a procura da oponente. Seus olhos correram pelo outro lado da rua, entrou em carros que estavam estacionados e outros que passavam, procurou alguma janela aberta onde ela pudesse estar, e nada!
Tentou puxar assunto. Nada! Ele só dava respostas monossilábicas. Paulo continuava com o olhar preso em algo no outro lado da rua. O garçom veio até a mesa para anotar o pedido. A muito custo ela conseguiu fazer ele se concentrar no pedido.
Tão logo o garçom se retirou, o olhar de Paulo perdeu-se no outro lado da rua novamente. Carla não se conteve...
_ Pelo amor de Deus! Que raios tu tanto olhas para o outro lado da rua? – Paulo deu um pulo como se fosse arrancado de um pesadelo.
_ Quê? – procurou uma resposta – Nada! Não estou olhando nada!
_ Como assim nada? Desde que nós chegamos que tu não para de olhar prô outro lado da rua!
_ Só tava olhando aquele menino que esta pedindo esmola!
_ Ah sim! E o que este menino tem assim de tão excepcional para tu não tirar os olhos dele?
_ Nada! Estava apenas pensando nesses irresponsáveis...
_ Quem?
_ Os pais desses meninos e meninas que ficam por ai! Se esse governo tivesse um pouco de pulso tiravam eles das ruas e jogavam numa cadeia os pais deles e deixavam para morrer no fundo de uma cadeia.
_ Nossa! Não acha que esta exagerando não? São apenas meninos...
_ Sim! Hoje são apenas meninos! Mas logo estarão com uma arma na mão, se é que já não as tem. Olhe bem para a “carinha de santo” que esse moleque tem.
_ Tá Paulo... Fale baixo... está chamando a atenção de todo mundo...
_ Esse é o problema – olhou confiante e desafiador para as pessoas que estavam nas mesas próximas -, ninguém quer enfrentar a verdade, só querem ficar em suas casas lamentando em frente a tv...
_ Tá bom... ta bom...
_ Ta bom nada! Onde está os pais desse moleque? Garanto que está na outra esquina só esperando o guri levar uns trocados pra ele tomar uma cachaça ou fumar uma pedra...

_ Paulo, o menino está vindo para cá...
_ É bom! Quero perguntar para ele onde estão os vagabundos que o pariram...
_ Aí Paulo! Coisa mais grosseira – impacientava-se –, não vai ser rude com a criança... Ele deve ter no máximo uns dez ou dose anos!
_ Criança... criança... pois sim!
_ Oi tio! Tem um trocadinho? – pediu o menino assim que chegou próximo a mesa.
_ Tenho sim! – respondeu - . E seu pai teria também, se não gastasse tudo com drogas e trabalhasse como todo mundo.
_ Para Paulo... – falou de cabeça baixa, tentando não ser notada.
_ Não tenho pai não tio! – defendeu-se assustado o menino.
_ Ah tá! Veio ao mundo pela graça divina!
_ Sei não!
_ Aposto que teu pai tá na esquina te esperando pra pegar o dinheiro que os otários te dão.
O menino, sabendo que nada ganharia em ficar discutindo e já calejado em ser escorraçado, virou as costas e foi para a mesa mais próxima tentar a sorte.
_ Viu! São uns dissimulados...
_ Acho que tu ta exagerando Paulo...
_ É... Estou sim! Vocês têm peninha deles né?
Neste momento entra uma mulher vestida com roupas que não combinavam com os freqüentadores do bar, não que o bar fosse de muito luxo, mas suas roupas sim é que pareciam que vinham do lixo.
_ Filho, vamos embora – disse a mulher para o menino -. Já está ficando tarde, vamos perder o último ônibus. – e puxou o menino pelo braço.
Foi uma fração de segundos, mas o suficiente para Paulo reconhecer a mulher.
_ Vamos embora Carla! – disse Paulo levantando-se.
_ Como assim? E nossa pizza?
_ Vamos e pronto. Vou pedir para eles entregarem lá em casa!
_ Mas Paulo... – Era tarde, ele já havia levantado-se e dirigia-se ao caixa.
Carla confusa, procurou no fundo da bolsa por alguns trocados. Achou algumas moedas.
_ Ei menino! – chamou. A mãe ao ver Carla com umas moedas na palma da mão soltou o braço do filho. O menino correu ao encontro de Carla – ou das esmolas - e pegou as moedas que ela lhe ofertava.
_ Obrigado tia – respondeu vivamente o menino -. Deus proteja à senhora. Boa noite.
_ Boa noite! – o menino correu para o encontro de sua mãe para ir embora.
Paulo voltou e tomou Carla pela mão. Saíram. Entraram no carro sem falar nada.
Enquanto ele ligava o carro ainda pode ver pelo retrovisor, o menino indo embora de mãos dadas com a antiga doméstica de seu pai que ele havia engravidado e tentara sem sucesso convencer ela a fazer um aborto dez anos atrás.

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