quinta-feira, fevereiro 17

O DUELO


A fina bruma que escondia a paisagem como se fosse vista por de trás de uma lente embaçada, começou a mostrar formas quando uma também fina chuva se precipitou sobre a grama já molhada de orvalho. Os poucos pássaros que procuravam insetos entre a grama e os trevos, buscaram proteção da copa da árvore mais próxima. Apenas os dois esquilos que brigavam pela posse de uma tenra noz continuaram sem procurar proteção e desafiavam os gelados pingos. Apesar da chuva podia-se ver o sol fraco acordando naquela manhã.
Um dos esquilos levantou-se sobre as patas traseiras e apurou o ouvido. Esquadrinhou um refúgio em uma árvore alta e para lá correu. O segundo não teve tempo de sentir-se vitorioso, pois abandonou o seu café da manhã tão logo sentiu o chão abaixo de suas patas tremer. Foi para o mesmo lugar do seu oponente e lá ficou. Não iriam continuar a briga, pois sabiam que não tinham mais a noz por que brigar e era melhor se protegerem do que ia acontecer.
Havia dias que não chovia e sob a grama molhada havia um chão muito compactado que fez às vezes de tambor para o impacto dos cascos do cavalo que chegou vindo do bosque ali defronte.
As rédeas foram puxadas por fortes mãos enluvadas. O portentoso cavalo de guerra, mesmo com o peso de seu cavaleiro de couro e metal, empinou o corpo e ergueu as patas dianteiras em direção ao fraco sol como se uma saudação fizesse. Giancarlo de Bonbarone acostumado à cela não perdeu a pose e nem o equilíbrio. A montaria deu mais alguns passos e relinchou alto. Giancarlo passou a perna guarnecida por uma calça grossa de couro marrom e elos de ferro por sobre a anca do cavalo e apeou. Alguém não acostumado com aquela cota de metal, com o grande escudo de madeira e ferro a tiracolo e a longa espada presa à cintura não teria movimentos tão ágeis.
O cavaleiro olhou para posição do sol e olhou para os lados. Devia estar no horário combinado. Levou sua montaria até um pequeno tronco de árvore quebrado e o atou. Colheu um morango silvestre ao pé do tronco e comeu. Pensou que aquele poderia ser o seu último morango e o saboreou como satisfação. Tirou de um alforje preso à seteira que pendia da cela uma touca feita de pequenos elos de ferro e cobriu a cabeça. Sobre a touca colocou um elmo cônico que tinha apenas um óculo oval que lhe permitia enxergar. Por fim se muniu de manoplas de tiras de couro e ferro bem lixados. Postou-se bem no centro da clareira e esperou fazendo uma oração.
Os dois esquilos que o observavam ficaram mais nervosos ao ouvir o som de cascos contra a dureza de uma ponte de pedra. Giancarlo soube que era Matteo de Bonbarone que cruzava a ponte sobre o pequeno córrego a pouca distancia de onde ele estava. Respirou fundo. O cheiro de ferro e couro misturado com suor penetrou-lhe as narinas.
Do meio das árvores irrompeu Matteo em seu famoso bucéfalo negro, que estava coberto por uma capa de seda verde por sobre a cela.
O cavalo que parecia conectado com os pensamentos do dono foi diminuindo a velocidade até parar a poucos metros do cavaleiro que acabara de retirar da bainha uma longa espada com punho em forma de cruz.
Matteo ao contrario do primeiro cavaleiro já vinha fortificado com um elmo reluzente com um penacho de cores vivas, que combinavam com as cores pintadas no peito da armadura que cobria todo o tronco e a parte inferior das costas. Na mão esquerda trazia uma lança, mas ao ver o guerreiro somente com a espada em punho a jogou longe fazendo os esquilos fugirem para bem longe. Meneou a cabeça encouraçada em sinal de reconhecimento e apeou. Com um tapa mandou seu cavalo para pastar fora do local onde seria seu confronto.
_ Benvenuto! – emergiu de dentro do elmo cônico.
_ Canaglia! – respondeu Matteo sacando uma espada que não perdia em nada para a de Giancarlo.
Sem combinação os dois correram como cães famintos e brandiram as espadas com tanta violência que ambas as mãos, mesmo com suas proteções sentiram dor no momento do impacto. Recuaram e ficaram a se estudar. Queriam decifrar na posição ou em um olhar alguma deficiência que fosse bem explorada no adversário.
Matteo mais acostumado a guerras e duelos investiu com um golpe de estocada que quase acerta o tronco do oponente. Giancarlo revida com vários golpes que são aparados com facilidade pela arma de Matteo. Nova pausa. Novamente se enfrentaram sem que alguém tivesse sucesso.
Ficaram trocando golpes de espada contra espada por quase um minuto até que a bota de vachetta de Matteo escorregou na grama molhada e o fez cair sobre o joelho esquerdo. O outro investiu com um golpe em pendulo sobre a cabeça do adversário caído e acertou o ombro.
Não fosse a cota de ferro por sob a túnica que ele usava embaixo da armadura o corte seria suficiente para colocar-lhe fora de combate, mas ele conseguiu mesmo com uma dor imensa se erguer a tempo de evitar um golpe fatal.
Tomaram distancia novamente. Aos poucos foram se aproximando. Matteo pulou para a esquerda e deu uma estocada que se chocou contra a cota que cobria a coxa de Giancarlo. A violência do golpe fez um pequeno ferimento nada grave. Matteo voltou à carga com um golpe de cima para baixo. Giancarlo bloqueou com a espada na horizontal e rapidamente a fez girar e encontrar o ventre que estava descoberto com o levantar dos braços de seu atacante. Um esguicho de sangue maculou a grama molhada e Matteo caiu de joelhos.
Giancarlo se posicionou novamente para esperar novo ataque, mas Matteo largou a espada. O corte magoou bem mais do que o atacante havia imaginado. O sangue começou a escorrer rapidamente tingindo de vermelho, o verde em torno de Matteo.
Ele tentou pegar novamente a espada, mas não teve forças. Matteo sentiu que estava perdido o duelo para ele. Olhou nos olhos do irmão em busca de clemência. O sangue que escorria de seu ventre era o mesmo sangue que corria nas veias de seu agressor. Num grande esforço tirou o elmo juntamente com a touca metálica. De seus lábios escorria sangue que se misturava com as lágrimas que vinham de seus olhos arregalados.
Giancarlo ergueu a espada com as duas mãos sobre a cabeça e vagarosamente postou-se as costas do irmão. Olhou para o pescoço suado e apertou o punho da espada.
Se fosse uma disputa política ou pela honra, um irmão poderia perdoar o outro, mas não. A disputa era pelo amor de Izabel.
A espada fez um movimento circular e o corpo de Matteo foi dispensado do peso de sua cabeça. Agora Giancarlo iria procurar Izabel
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Um comentário:

Bárbara disse...

Credo, lindo e trágico e triste... Malditas mulheres! Sempre as desgraçadas pra acabar com as boas famílias! Amei o duelo! Milhões de beijos, Lalau!