quarta-feira, maio 19

VANDA


Vanda chega no mesmo horário de sempre. Já é outono e está bastante frio na rua. Pelo menos a garoa que caiu o dia todo cessara. Ainda é cedo, mas ela sabe que é sempre nos dias frios que eles mais procuram a sua companhia. Ela bem que pensou em não vir hoje e ficar em casa, mas sabe que o trabalho vem em primeiro lugar. Foi a muito custo que ela conquistara aquele ponto e se não cuidasse dele com unhas e dentes – literalmente – já o teria perdido.
Ao longe surgiu o farol de um carro. Ela olhou-se no reflexo da vitrine da loja de roupas infantis e lembrou de Sarah. Ela há esta hora já devia ter feito os deveres e preparava-se para dormir. Sua pequena Sarah era que lhe dava forças para enfrentar aquelas longas noites. Mas não seria sempre assim, ela ainda conseguiria um “trampo” melhor e de preferência de dia, ai poderia cuidar melhor da filha.
O carro aproximou-se e diminuiu a velocidade. Ela viu em seu interior quatro adolescentes. Viu que não conseguiria nada, eram “filhinhos de papai” que iriam passar olhando e falando palavrões. Antes que eles começassem, ela ergueu o dedo médio para eles. O carro parou. Queriam intimida-la, mas as noites já lhe dera experiência suficiente para saber de quem ela deveria correr e quem ela deveria enfrentar. Aqueles ali não criariam problemas.
Ela os encarou e correu a mão ao interior da pequena bolsa dourada. Eles foram embora. Ela puxou da bolsa o maço de Free menthol e acendeu um cigarro. Ela não estava armada, deixou de andar armada há muito tempo. Era melhor não criar confusão com a policia.
Ficou fumando escorada a parede. Era terça feira. Dia ruim.
Logo apareçam os faróis de mais um carro. Não se enganou, era da policia, mesmo com as luzes piscantes apagadas ela conhecia a policia de longe. Estava limpa, há muito havia deixado o pó, desde que Sarah havia sido anunciada em sua vida. Sabia que se não causasse problemas poderia ficar ali numa boa. A viatura parou!
_ Boa noite rapazes! Que que ta pegando? – perguntou apagando o cigarro no salto alto da sandália.
_ Tudo tranqüilo por ai? Não vai dar “poblema” né?
_ Lógico que não! Eu sei como cuidar de meu ponto. – acertou a mini saia – Podem deixar que aqui não dá alteração nunca, vocês sabem...
Sem responderem eles partiram.
No começo a situação era outra. Muitas vezes foi para o paredão. Uma vez até deu cana porque ela tinha uma navalha na bolsa, mas com o tempo eles entenderam que ela era numa boa e pararam de pegar no pé. Até algumas vezes recorriam aos seus serviços. Claro que ela não os cobravam, era aquela coisa: Uma mão lava a outra. Ou quase isso.
A temperatura começou a cair, mas não demorou muito e apareceu mais um carro. Esse sim! Um EcoSport preto, carro de bacana. O vidro baixou lentamente. Não eram pirralhos e sim homens. Finalmente poderia haver negócio. Vanda aproximou-se requebrando com um olhar provocante.
_ Tu é a Vanda? – perguntou o caroneiro sem olhar para ela.
_ Sim querido! Eu e somente eu sou a Vanda! – respondeu levando a mão para acariciar o rosto de seu interlocutor.
_ Não me toque! – uma mão de ferro aprisionou o frágil punho dela. – Se tentar me tocar eu arrebento a sua cara entendeu? – soltou o punho de Vanda e olhou-a nos olhos ameaçadoramente. – O lance não é comigo entendeu?
_ Sim! – respondeu ela recuando um passo - . Não precisa ser bruto...
_ Cala a boca e entra ai atrás!
Vanda olhou para o banco traseiro. Percebeu que havia alguém mais, mas não podia divisar nada nitidamente. Um calafrio percorreu sua nua espinha. Talvez fosse melhor ir embora.
_ Ta bom pessoal, vocês tão muito brabinhos é melhor irem embora! – ela recuou mais, já pronta para correr. Ali em frente, escondido por ela mesma havia uma barra de ferro em uma reentrância da parede. Ela não era boba. Desde que havia abandonado a navalha que escondera aquela arma que ela chamava de “amansa louco”.
_ Dê pra ela! – Ouviu a voz que vinha do banco de trás ao mesmo tempo em que via uma mão bem tratada e de unhas vermelhas estender ao gorila uma nota de cem. Ela parou.
_ Dê pra ela, pra ela saber que não estamos de frescura. – Vanda ficou parada, afinal eram cem reais. Com aqueles cem poderia voltar pra casa numa boa fazendo apenas um programa. Eram poucas as noites que ela conseguia chegar em casa com “cenzinho” . Se ficasse até tarde no “trampo” ia dar fome e iria comer um cachorro quente e tomar alguma coisa, e sabia que depois de beber uma sempre vinha a sede de mais uma e mais uma e mais uma.
_ Toma e entra! – falou o cara. Vanda olhou para os lados. Lembrou de Sarah e pegou. Abriu a porta e entrou.
_ Fica quieta!... Roberto vão... – o carro arrancou.
_ Peraí! Aonde vamos? – perguntou Vanda assustada.
_ Tu não quer que eu fique parada aqui nesse lixo quer? – Vanda reconheceu a voz, mas não sabia de onde. Não conseguia ver quem falava com ela, as luzes internas estavam apagadas e as da rua pouco iluminavam.
_ Que tipo de programa você quer? – perguntou com um certo receio.
_ Programa? Cala a boca! Não quero nenhum programa. Fique de boca fechada e quando eu te mandar falar tu fala. – Vanda tentou retrucar, mas ao ver a cara de maus amigos do caroneiro que a fitava por sobre o encosto do banco, calou-se.
O carro andou mais alguns minutos que para Vanda foram uma vida inteira. Ela em seu desespero pensou em tudo. Já havia enfrentado a policia, gangues, rivais, bêbados, chapados, malucos e até skins, mas aquele carro com seguranças e uma mulher mandando lhe davam medo.
Enfim o carro parou. A mulher desceu. O cara de poucos amigos a mandou descer também. Vanda desceu e pensou em correr, mas o cara desceu junto e sua mão era enorme, não precisava nem ter uma arma para intimidar quem quer que fosse.
_ Vai lá! E não banque a louca ou eu te mato, o que será um prazer! – agora via uma arma na mão do gorila.
_ Fica frio cara! Não farei nada! – respondeu com uma voz bem masculina. Fez a volta no carro e parou em frente à mulher misteriosa. Agora sim entendia porque aquela voz era conhecida. Era Leda Menezes. A prefeita. A mulher mais cobiçada e amada da cidade. Filha de ex-governador e rainha do soja.
_ Eduardo, me de a arma! – falou a prefeita.
_ Mas Prefeita... – falou o segurança.
_ Deixa de bobagem e me de a arma. Vão para longe. Quero conversar a sós com ela. A arma é só para ela saber quem manda! Se não fizer o que mando, aí é por conta dela. – o capanga aproximou-se e deu a arma e logo se afastou junto com o carro.
_ Prefeita...
_ Cala a boca! – a arma ficou apontada para a cara de Vanda.
_ Eu vou lhe perguntar e você vai me responder! – a arma continuava ameaçadoramente.
_ Sim! Pode perguntar doutora...
_ Pois bem! Eu sou uma pessoa de bem! Me diga o que você mais quer e eu te dou. Pode ser cargo ou pode ser dinheiro! Eu te dou desde que você me responda uma coisa!
_ Qualquer coisa prefeita, mas não me mate, eu tenho uma menina, uma filha para cuidar...
_ Pois então vamos negociar! O que você mais quer hein? Me fala !
_ O que mais quero e ir para casa e cuidar de minha filhinha!
_ Deixa de palhaçada! Eu digo algo grande! Algo que cale a sua boca para sempre! Que lhe valha a pena e que tu vás embora e nunca vá querer remexer no passado. – e aproximou o cano do 45 a testa de Vanda que fechou os olhos.
_ Fale!
_ Ta bom! Ta bom! – Vanda caiu de joelhos apavorada – o que eu mais desejo neste mundo, desde que Bárbara foi embora e nos deixou, é ter dinheiro para cuidar de minha Sarah e também para fazer uma cirurgia de troca de sexo! Não agüento mais isso dependurado em mim! Eu quero ser mulher! – soluçou - Eu sou uma mulher! Eu sou uma mulher! Mas o mundo não entende... - olhava para cima como se buscasse ajuda.
_ É só isso ? – falou a prefeita acostumada às clinicas de cirurgias plásticas -. Posso resolver numa ligação só.
Vanda que estava apavorada, ao ouvir que alguém poderia enfim lhe transformar em uma mulher, ficou paralisada.
_ Sééééério? – perguntou.
_ Claro! – enfiou a mão na bolsa que pendia de seu ombro - Conhece esse homem? – mostrou uma foto de um homem de meia idade e bastante calvo.
_ Lógico! É o Heitor...
_ Então me diga o quem vocês faziam e eu te pago a cirurgia.
_ Como assim? Que história é essa?
_ Diga-me o que vocês faziam desgraçados! Ele não me procura há mais de um ano. Diga-me para que eu possa fazer o mesmo e ter ele de volta. – Vanda começou a rir.
_ Do que está rindo?
_ Mas doutora, como a senhora vai fazer com ele o mesmo que eu se a senhora não tem aquilo que eu tenho e não quero ter.
Os seguranças ouviram os seis disparos de quarenta e cinco.

2 comentários:

Bárbara disse...

aiiiiii, eu adoro esses contos!
Ainda mais esses que acabam em tragédia, tu é muito bom nisso!
Adorei!!
Que saudades de tomar uma cervejinha e conversar com o eu amigo! Tá tudo bem contigo, lalau?
Beijos!

Bárbara disse...

aiiiiii, eu adoro esses contos!
Ainda mais esses que acabam em tragédia, tu é muito bom nisso!
Adorei!!
Que saudades de tomar uma cervejinha e conversar com o eu amigo! Tá tudo bem contigo, lalau?
Beijos!