quarta-feira, outubro 19

"PEDIDO INUSITADO" - RE-POSTAGEM 16 ou sem tempo e/ou preguiça e/ou inspiração


Cincinato ainda bem jovem aprendeu o ofício de eletricista residencial com seu pai. Não acumulou o suficiente nestes vinte e cinco anos para poder dizer que tem uma vida tranqüila, mas também não se queixa, ainda mais que todo final de ano ele deixa de lado fios, tomadas e chaves testes para fazer o que mais gosta: ser Papai-Noel.
A primeira vez que ele pôs a fantasia vermelha, foi apenas para dar uma incrementada no orçamento para o final de ano, e decidiu encarar a empreitada após uma menina perguntar a mãe em uma fila de supermercado, se ele era o “bom velhinho”. Cincinato olhou para um espelho e viu que sua espessa barba e cabeleira branca lembravam Papai-Noel. Ele herdara do pai, além da profissão as precoces cãs.
A princípio era apenas mais um bico, mas com o tempo ele apaixonou-se pelo trabalho, não que desse muito dinheiro, mas era a satisfação que ele ganhava que valiam a pena. Cleide, sua ex-esposa não lhe deu um filho. Ser Papai-Noel era uma forma de suprir seu amor e carência pelo filho que não tinha. Ele sabia que não era a mesma coisa que ter um filho, leva-lo a pracinha ou ao estádio de futebol, mas se contentava com suas crianças. Sim! Ele considerava todas aquelas crianças suas, pelo menos enquanto estava com a fantasia vermelha.
À parte que Cincinato mais gostava era quando podia colocar uma criança sobre seus joelhos e ouvir as palavras amorosas que elas diziam em meio ao pedido de seus presentes, aquilo sim valia a pena em vez de ficar empoleirado em uma escada trocando fios queimados.
Deu onze da noite. Cincinato entrou no bar do Denis e sentou-se em sua mesa habitual. Denis ao vê-lo abriu uma cerveja e foi levar-lhe. Ele sabia que o “bom velhinho” – como ele costumava chamar o amigo – sempre passava ali para uma cerveja e um bom papo antes de voltar para casa.
_ Um presente bem gelado prô “bom velhinho”! – brincou o proprietário do bar.
O canto direto do lábio de Cincinato – que estava quase que completamente escondido pelo bigode branco – moveu-se como que querendo expressar um sorriso. Serviu-se de um longo gole e ficou ali quieto com o olhar perdido.
Denis continuou seu trabalho, mas não sem perceber que alguma coisa estava errado com seu amigo. Às vezes Cincinato não estava lá para muitas brincadeiras, mas em geral, quando chegava a época dele encarnar Papai-Noel ele ficava bastante alegre. Chamou a esposa que acabara de fritar uns pastéis para ela assumir seu lugar no balcão e foi ter com o amigo.
_ Posso sentar e tomar uma contigo? – Cincinato lançou-lhe um olhar triste e moveu os ombros em sinal de “tanto faz!”. Denis sentou e tomou também um longo gole.
_ O que foi meu amigo? O que está lhe incomodando para estar triste dessa maneira?
_ Ah Denis meu velho... Esse trabalho me deixa muito feliz, tu sabes bem isso!
_ Sim! Claro! É por isso...
_ Sabe cara, o que me deixa mais feliz nesse trabalho? É conversar com os “pimpolhos” e escutar os seus pedidos...
_ É sei...
_ Às vezes, é bem verdade, me parte o coração quando uma criança pede algo que percebo que seus pais não serão capazes de comprar para elas, porque quando elas pedem para o Papai-Noel elas realmente acreditam que eu sou o velhinho e, que eu irei na noite de natal em suas casas para deixar lá os seus presentes... – tomou mais um gole - Aí fico pensando, o que se passa na cabecinha delas, quando pedem um autorama e encontram embaixo do pinheirinho um carrinho de plástico bem vagabundo...
_ Que isso cara! Você não é o Papai-Noel! Isso é apenas um emprego!
_ Sei...
_ E todos os anos isso acontece e sempre irá acontecer, portanto tu não podes ficar assim homem...
_ Sabe o que é Denis... – tomou mais um gole para poder continuar - É que hoje uma menininha me pediu algo que me cortou o coração...
_ Que foi? Pediu um brinquedo muito caro?
Os olhos de Cincinato encheram-se de lágrimas que começaram a escorrer pelas bochechas e pela barba.
_ Não amigo! Ela pediu para eu falar para o pai dela, que ela deseja que ele pare de visitá-la em seu quarto à noite quando sua mãe sai para trabalhar.
Denis ficou acompanhando o amigo na cerveja e num choro mudo sem saber o que dizer.

Postado em 20.11.2009

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