quarta-feira, outubro 21

Finalmente havia chegado o dia.


Carlos está ansioso. Na última vez que olhou o relógio era cinco e trinta. Amanheceu e ele não conseguiu dormir um instante sequer. Finalmente havia chegado o dia.
Em sua cabeça, sua vida passava como se fosse um filme. Um filme triste mas que finalmente teria um final feliz!
Ele volta a um dia quente nos anos setenta. Uma viatura para em frente a sua casa. A mulher com uma cara de carrasco e dois policiais falam com sua mãe. De onde ele está não consegue escutar o que eles falam mas sabe que não é algo bom pois sua mãe cobre o rosto e chora. Assim que aquelas pessoas vão embora ele corre para a mãe que lhe fala entre soluços e gemidos que seu pai morrera em um atropelamento.
Os anos que se seguem não são muito fáceis para os dois. Carlos é obrigado a abandonar os estudos e trabalhar para ajudar a mãe a sustentar eles dois e seus irmãos. O dinheiro que ele consegue nos pequenos biscates é insuficiente para o sustento deles.
No começo dos anos oitenta Carlos é levado para uma “Casa Correcional para Menores Infratores” depois que foi preso por pequenos furtos. Lá na “Correcional” a vida fica pior ainda. Os funcionários os tratavam de forma desumana e a única ajuda que ele pode esperar era a de outros detentos.
Uma noite vem à fuga. Quase todos os adolescentes são pegos novamente mas Carlos consegue escapar. Muda-se de cidade e começa a viver de roubos e pequenos tráficos. Não ganhava muito mas era o suficiente para ir levando a vida.
Num final de semana Carlos vai a uma festa e conhece Tereza com quem tem um filho: Mateus. Carlos, agora um pai orgulhoso retorna a cidade natal para apresentar esposa e filho a sua mãe mas, fica sabendo que ela morreu, não se sabe lá do que, logo que ele havia sido levado para a Casa Correcional. Carlos sempre achou que foi de desgosto, mas nunca teve a certeza.
O tempo foi passando e chegou o ano em que o Brasil iria escolher o seu presidente depois de muitos anos de eleições indiretas. Para Carlos aquilo tudo não tinha importância alguma. Há muito ele havia esquecido o que era ser um cidadão. Tinha os seus iguais e seus códigos de condutas. A política em nada o interessava. Todos estavam indo as urnas e ele apenas esperava no local que fora combinado por um carregamento que ele havia acertado depois de guardar um bom dinheiro fruto de muitos roubos e vendas de drogas.
Na hora marcada o insuspeito carro lhe entregou a mercadoria e levou o pagamento. Agora ele iria ser grande no negócio. Não venderia mais para o “patrão” da boca, ele seria seu próprio chefe. E assim seria, não fosse o acerto entre a polícia e o “patrão”. Não teve tempo de vender uma só “trouxinha” e a polícia invadiu sua casa e o levou preso. O que mais doeu em Carlos foi ver o espantado Mateus - na época com doze anos – ver seu pai ser algemado e arrastado para dentro de um camburão.
Nos primeiros anos de cadeia Carlos recebia a visita regularmente de Tereza e Mateus. Carlos prometeu aos dois que quando saísse dali tudo seria diferente. Eles teriam uma vida descente e os dois poderiam sentir orgulho dele. Carlos procurou não se envolver em nenhuma confusão na prisão. Começou a aprender a ler e escrever com um pastor que lá ia atrás de ovelhas para seu rebanho.
Num dia de visita, Tereza veio sozinha e lhe falou que iria se casar com um “homem descente” – dessa vez de verdade, em igreja e tudo – e Mateus iria com ela e o novo marido para uma outra cidade. O já esculhambado mundo de Carlos desmoronou, mas com a ajuda do pastor e de outros crentes “residentes” da cadeia ele se ergueu.
Prometeu para si mesmo que terminaria os estudos que agora estava podendo ter na cadeia e guardaria cada centavo que ganhava nos trabalhos que desempenhava na prisão para quando sair dali e poder ir buscar seu filho: Talvez ele tivesse perdido uma mãe e uma esposa de desgosto, mas o filho não! Mateus veria que ele era uma pessoa mudada. Que era um homem descente assim como aquele que Tereza arranjou para colocar em seu lugar.
Não culpava Tereza! Ele é que fora culpado por não agir direito. Desejava que ela fosse feliz com seu “homem descente”, ele agora só pensava em sair e reencontrar o filho.
Os dias foram passando lentamente até que Carlos não conseguiu dormir a noite toda de tão ansioso por haver finalmente chegado o dia.
Carlos foi ao refeitório para o seu último café da manhã na prisão. Não sentiu gosto algum naquele café horrível que era-lhe servido todos os dias durante os últimos longos anos de prisão. Despediu-se dos poucos amigos que fizera ali dentro, principalmente do pastor Roberto.
Era dez horas quando vieram buscar-lhe na sala de triagem. Deu um desinteressado aperto de mão no cínico diretor que falava para ele e mais dois detentos que ganhavam junto com ele a tão sonhada liberdade naquela manhã : _ Espero não velos mais por aqui senhores, as acomodações são poucas! Como podem ver, sai três e entra doze no lugar! – apontava com seu gordo dedo para uma janela gradeada por onde se podia ver um pátio ao lado. O mesmo pátio que recebera Carlos anos atrás.
É meus senhores – continuava o discurso – isso aqui é um inferno e como existem muitos diabos como vocês, isso não acaba nunca! – Carlos aproximou-se da janela e viu os dois camburões que “despejava” doze novos detentos.
Carlos estava prestes a ganhar a liberdade mas preferiria morrer a não ter visto o que viu. Entre os doze infelizes que chegavam para ficar em seu lugar naquele odioso inferno, haviam um jovem que em muito se parecia com ele, e Carlos não tinha dúvida quem era esse jovem que ali chegava algemado, Era, o motivo pelo qual decidira ter uma nova vida, era o seu tão querido filho Mateus.

Um comentário:

Bárbara disse...

Curuzis! Coisa mais limnda deste mundo! Amei, amei, amei!