sexta-feira, agosto 7

Verônica

Verônica estacionou o celta vermelho e bateu a porta. Não acionou o alarme e nem se preocupou em ver se estava bem estacionado – como ela sempre fazia -. Antes de entrar no prédio parou para dar uma moeda a uma senhora gorda que tinha uma perna inchada enrolada em um pano não muito limpo. Acabou dando uma nota de dez, o que fez a senhora gorda olhar para ela estupefata – aquela devia ser a maior esmola que ela já havia recebido, pensou Verônica sem muito interesse.
Parou em frente aos elevadores. Um deles já estava chegando. Abriu-se a porta e três meninos saíram ruidosamente em disparada. O porteiro tentou ralhar com eles mas, eles foram mais ágeis que os sessenta e dois anos dele.
Verônica entrou e ia apertar o botão do décimo andar quando percebeu o motivo da correria da garotada: Antes de saírem do elevador eles apertaram todos os botões. A subida seria demorada pois, haveria parada em todos os andares. A porta fechou-se e ela nem ao menos se importou com a traquinagem da garotada. Ela não estava com pressa.
Nessa hora todos lá no escritório devem estar perguntando-se...
_Onde está a Verônica? Onde está Verônica? – oito anos no mesmo emprego e apenas uma falta, e justificada.
O elevador chegou no segundo andar e abriu a porta. Só agora ela percebeu que era um panorâmico, mas não estava muito interessada em olhar para a cidade. Ela já a conhecia a mais de trinta anos. Trinta e um para ser mais exato. Viera ainda pequena para morar naquela cidade. Veio para estudar quando completou seis anos e nunca mais voltou para o interior, para a casa dos pais.
O elevador chegou no terceiro andar e abriu a porta. O sensor de presença do corredor acendeu uma fraca luz. Verônica olhou-se no espelho que havia dentro do elevador. Virou-se o mais que pode para ver como estava a marca da calcinha. Discreta. Verônica sempre foi discreta.
O elevador chegou no quarto andar e abriu a porta. Dois homens entraram e praguejaram com os moleques que haviam saído correndo no térreo. Aquela brincadeira devia ser um velho costume da molecada.
O elevador chegou no quinto andar e abriu a porta. Os homens permaneceram onde estavam. Verônica não contava com aquilo. Detestava ficar em pequenos ambiente com estranhos. Principalmente elevadores onde as pessoas quase se tocam e ficam buscando algum ponto para olhar que não seja o estranho olhar de um estranho.
O elevador chegou no sexto andar e abriu a porta. A bolsa de Verônica começou a tremer e a emitir um zumbido. Era o celular. Ela abriu rapidamente a bolsa e desligou o aparelho sem nem ao menos olhar quem estava ligando.
O elevador chegou no sétimo andar e abriu a porta. Os homens saíram. Verônica agora estava mais a vontade. Voltou a olhar-se no espelho. Em poucos anos tornar-se-ia uma balzaqueana. Até que estava muito bem. No escritório tinha muita mocinha com o peito caído, já ela...
O elevador chegou no oitavo andar e abriu a porta. Verônica decidiu descer ali mesmo. Faria o resto da subida pelas escadas. Eram apenas mais dois lances de escada. Esperou a porta fechar e procurou pelas escadas. Ela estava certa: elas ficavam em torno da caixa do elevador. Começou a subida. Passou pelo nono sem dar importância a uma senhora que varria o chão e falava sozinha.
Chegou no décimo. O elevador já estava descendo. Verônica olhou para os lados a procura de algo ou alguém. Ao ver a palavra “terraço” em uma porta metálica com vidro escuro, rumou para ela. Testou. Estava aberta. Saiu para o terraço e um vento frio arrepiou sua pele. Lá embaixo estava abafado, ali com aquele ventinho estava bem prazeroso. Verônica largou a bolsa sobre o peitoril e olhou para a rua lá embaixo. Era cedo mas a cidade estava movimentada. Acendeu um cigarro e fumou em silêncio, tendo o cuidado de não deixar a cinza cair sobre as pessoas que corriam lá embaixo.
Virou-se e se escorou com as costas e os cotovelos no duro peitoril. Olhou em torno e encontrou um banco – que ela percebeu ser igual ao da praça em frente à igreja – junto ao outro extremo do terraço. Acendeu mais um cigarro e pegou um envelope pequeno na bolsa e foi sentar-se no banco, deixando a carteira de cigarros e o isqueiro Bic sobre a bolsa.
No banco igual ao da praça ela entreteu-se com uma unha que começava a soltar o esmalte vermelho. Levantou-se e pagou o cigarro sob a sola do sapato. Subiu no banco e sentou-se no peitoril de costas para cidade. Olhou para o envelope que estava entre suas mãos. Um pequeno e gelado pingo de chuva que principiava caiu nas costas de sua mão esquerda. Olhou para cima. O céu estava cinzento. Deu um longo suspiro e olhou novamente para o envelope. Um pequeno e quente pingo caiu de seu olho esquerdo bem ao lado do gelado pingo que ainda permanecia nas costas de sua mão esquerda.
Ficou com a espinha ereta e olhou para frente. Tirou os pés de sobre o banco igual ao da praça e deixou seu corpo cair para trás e foi tranquila junto aos pingos de chuva que agora eram milhares de pingos que a acompanhavam naquela última viagem.

2 comentários:

Bárbara disse...

Uau Lalau! Quer coisa mais linda! Eu tava com saudades desse blog e hj vim ver pra matar... COISA MAIS BOA!
és mestre!
Muito "mara" esta postagem!
Não é super apropriado agora o "mara"?? heheheh

Beijos miiiiiiiiiiiiil!

Bárbara disse...

Uau Lalau! Quer coisa mais linda! Eu tava com saudades desse blog e hj vim ver pra matar... COISA MAIS BOA!
és mestre!
Muito "mara" esta postagem!
Não é super apropriado agora o "mara"?? heheheh

Beijos miiiiiiiiiiiiil!