sexta-feira, fevereiro 21

CHOVENDO

   Foi no quarto ano que Gilmar esqueceu aquela coisa de “até que a morte os separe”.
   Ele conhecia Mirtes a muito tempo e nunca a olhou com interesse, até o dia da chuva. Eles estavam no centro vindo de suas casas para coisas diferentes e a chuva se encarregou de fazer as vezes de cupido. Ela veio de repente e os pegou desprevenidos, a porta aberta de um restaurante aquele horário, bem perto a hora do almoço os convidou a entrar. Quando Mirtes entrou ele já estava numa mesa junto a janela. Sentaram-se juntos e almoçaram. Ele não sabe o porquê se interessou por ela, foi assim de repente, marcaram um jantar pra sexta e o resto foi o que a chuva devia ter previsto, depois de uns meses casaram.
   No terceiro ano pensaram em ter filhos mas, Gilmar era estéril. Adotar era uma saída mas optaram por não fazer. Foram seguindo as suas vidas até que ela - a vida - os despistou e cada um passou a seguir sua própria vida.
   Mirtes encontrou no trabalho doméstico, profissional e comunitário sentido para aquela vida que estava chata. Gilmar não se conformava só com o futebol de quarta-feira e um dia quando viu estava num quarto de motel com Mariana, sua colega de trabalho.
   O futebol foi abandonado e no mesmo horário e dia ele entrava em campo no mesmo motel. Os primeiros meses foram maravilhosos mas aos poucos a coisa foi caindo. Muitas vezes Gilmar se pegava deitado ao lado de Mariana pensando “que deveria chover como havia chovido quatro anos antes”.
   Mesmo as coisas não estando as mil maravilhas eles passaram a frequentar o mesmo motel também todas as sextas no horário do meio-dia, e numa sexta abafada uma chuva os pegou no caminho. Com a chuva o trânsito ficou caótico e eles resolveram parar e esperar que a chuva amainasse. Ficaram ouvindo música até que pelo retrovisor embaçado ele viu Mirtes entrar num restaurante. O coração tentou saltar pela boca. Ele não sabia se seu desespero era pelo medo de que eles fossem descobertos ou pelo fato do restaurante em questão ser o mesmo de quatro anos antes. Mirtes estaria ali num dia de chuva para se encontrar com alguém ou só se abrigou da chuva como daquela vez? - perguntava-se desesperadamente.
   Pensou em sair do carro e surpreender os dois mas... e se ela estivesse sozinha? O que iria dizer? Aquela hora não era para ele estar no refeitório da empresa? E o que fazer com a presença de Mariana? Inventou uma desculpa esfarrapada e voltaram sob protestos da amante para o local de trabalho. Tão logo ela desceu do carro ele saiu em desabalada corrida de volta ao restaurante. Saltou sem nem ao menos trancar o carro e irrompeu porta adentro a procura de Mirtes e seu rival, depois de se certificar que ela - ou seria eles - não estava, saiu calmamente sempre observado pelos curiosos olhares que frequentavam o local.
   Ao chegar na rua não encontrou o carro. Haviam roubado o carro que ele deixara com as portas destrancadas, deu um grito de raiva que chamou atenção de todo mundo. Estava com muita raiva, não pelo roubo do carro mas - não sabia o por que - pela chuva!
   Depois do trabalho, foi com Mariana até uma lanchonete, Gilmar terminou tudo com ela. Não deu muita explicação, apenas disse que não podia mais e que tinha de salvar seu casamento ou se salvar, não sabia bem! Mariana entre confusa e resignada ou talvez até confortada se despediu. Ofereceu carona para ele voltar para casa mas ele não aceitou.
   Chegou em casa e caiu nos braços da esposa aos prantos. Ela preocupada queria saber o motivo mas Gilmar resolver esconder sua traição e apenas perguntou o que ela havia feito ao meio-dia ao que ela respondeu que ao voltar do centro para almoçar em casa foi pega pela chuva bem no local onde a chuva os havia unido anos atrás. Ele ao ver a sinceridade estampada nos olhos dela inventou que havia saído a serviço e a viu entrar no restaurante ao meio-dia. Por que não entrou para almoçar comigo amor? Ela perguntou. E foi então que falou a primeira coisa sincera naquele dia: Eu a vi entrar no nosso restaurante com aquela chuva e pensei que você podia ter ido lá se encontrar com outro! Mirtes no começo riu muito mas acabou muito braba com o que ele havia pensado sobre ela. Segui-se uma “DR” como a muito não faziam e acabaram dormindo de conchinha após fazerem amor como a muito também não faziam.
   Ao acordar pela manhã Gilmar fez um juramento ao lado da adormecida Mirtes como se ela fosse uma espécie de santa e a cama um santuário! Nunca mais a trairia em hipótese alguma! Até pensou em acordá-la e contar tudo o que se passara entre ele e Mariana mas acho por prudência melhor deixar assim! Preparou o café e deu-se conta que era quarta-feira, agora que não havia mais Mariana ele poderia voltar ao futebol. Mas não hoje, hoje ele voltaria correndo para casa ou para ser mais correto: para os braços de Mirtes.
   Tudo voltou a ser como era antes de ele esquecer o “até que a morte os separe”. Ele voltou a bater uma bolinha na quarta e a ser apaixonado por Mirtes, ela continuou com seus afazeres domésticos, profissionais e comunitários. Mariana largou o emprego e casou-se com alguém que Gilmar não conhecia. Foram seguindo as suas vidas e ela - a vida - que voltara ao normal seguia junto.
    Dois anos após, ao abrir o facebook Gilmar se depara com uma mensagem de Mariana. Ela dá conta que está muito feliz e que embarcará com o marido para a Europa onde morará, propõe um almoço de despedida. Gilmar faz de conta que nem leu a mensagem e segue seu dia tranquilo. A tarde é no celular que vem a mesma mensagem, não responde.
    Dias após Gilmar cansado da mesmice do refeitório da empresa convida um colega para almoçar fora. Escolhem um restaurante próximo e vão a pé. Nem bem andaram uma quadra o céu desaba em forma de chuva e eles correm para baixo de uma marquise. Ficam ali sem ter para onde ir até que resolvem pegar um táxi. Gilmar acena para um que vem ao longe mas para sua surpresa é um carro de passeio vermelho que para e abre a porta.
    No acento do motorista está Mariana com um largo sorriso chamando-os para entrar, Gilmar fica petrificado sem sair do lugar até seu amigo lhe dar um tapa no ombro, falar que é “a Mariana cara, vamos lá!”, correr e se atirar no banco traseiro. Gilmar corre atrás fugindo da chuva e parece que aqueles poucos dois metros e cinquenta até o carro duram uma eternidade. Por sua cabeça passa toda sua vida desde o dia em que beijou Mariana pela primeira vez. Não lembrava se estava chovendo no dia do primeiro beijo e nem ao menos sabia por que tentava lembrar de um detalhe sem importância como a chuva.
    Foram os três ao restaurante que eles haviam escolhido e após o almoço, Dutra, o colega de Gilmar notou certos olhares entre os dois a sua frente e resolveu voltar a pé antes deles, o que realmente fez mesmo com os protestos de Gilmar. Tomaram um café e a conversa acabou saindo do presente e dos projetos do futuro para um passado que Gilmar havia tentado esquecer. Um pé roçou em sua perna e mais algumas lembranças e foram parar no motel de dois anos antes. Fizeram sexo rapidamente. Foi como ela mesmo havia dito: Uma despedida! Ela não voltaria mais, pelo menos para morar no Brasil, talvez uma visita. Aquela transa seria a despedida que não houve de fato no passado. Ela falava aquilo com certeza e ele além da certeza ficava se justificando que aquilo não teria importância, eles nunca mais se veriam, Mirtes nunca ficaria sabendo e sua vida com a esposa continuaria maravilhosa como estava.
    Depois de uma rápida ducha ela resolveu levá-lo de volta ao trabalho. Ele teria de inventar alguma desculpa para o atraso. Estavam saindo do motel e ficaram trancados sobre o passeio devido ao movimento dos carros que passavam quando ele de repente viu a esposa em uma capa de chuva e uma sombrinha vindo em direção ao local onde eles estavam, Gilmar pensou em cobrir o rosto com as mãos mas ficou envergonhado de fazê-lo. Mirtes passou em frente ao carro e olhou rapidamente para o para-brisas. Não esboçou sentimento algum, talvez a grossa chuva e a película escura os tenham ocultado.
    Voltou ao trabalho e passou o resto da tarde apreensivo. As seis da tarde ligou para Mirtes e ficou em silêncio. Mirtes atendeu e falou-lhe que faria um estrogonofe de camarão com atum que ele tanto gostava, então ele que não demorasse muito depois do futebol que ela o esperaria. Só então ele se deu por conta que era quarta-feira, dia do futebol com os amigos e, o dia que ele sempre traia Mirtes.
    Mesmo com a forte chuva foi ao futebol mas não jogou, nem sequer se trocou. Ficou sentado na pequena arquibancada de concreto a pensar na vida e nas bobagens que fazia com sua - ou suas - vida.
    Voltou a pé para casa. Não chovia mais. A noite estava bafada. Seu coração estava abafado. Lembrou da esposa e de todos os dias felizes que eles passaram juntos, sentia que até aqueles dias chatos e enfadonhos eram bons ao lado dela. Lembrou da promessa que fez ao pé de sua santa deitada em sua cama. Por certo Mariana nunca voltará e Mirtes nunca saberá do que aconteceu, mas... Como olhar nos olhos dela?
    O céu continuava limpo e seco, somente seus olhos choviam!

quarta-feira, fevereiro 19

Pesos e Mentiras

Há poucos dias, uma pessoa muito próxima a mim falou que alguém havia lhe dito algo sobre uma terceira pessoa também próxima a nós, e que ela achou estranho. Não parecia ser a forma desta pessoa agir, ela me disse. Dei minha opinião e fui logo chamado de desconfiado. Não foi a primeira vez que me chamaram assim. Talvez seja pelo fato de que normalmente enquanto eu estou escutando as pessoas falarem, eu vou pondo na primeira bandeja o que me chega aos ouvidos e o que minha cabeça pensa eu coloco na segunda bandeja da balança da pesagem dos fatos e boatos.
Se o ponteiro - Sim! Ponteiro, pois esta balança me acompanha a uns quarenta anos e não poderia ser digital portanto - pender totalmente para a direita onde há a palavra “verdade” na cor verde, eu logo tomo como sendo fato mas, se ao contrário o ponteiro inclinar totalmente em direção a “mentira” em vermelho eu chamo de boato. Ou se for o caso chamo de mentira, invenção, engano, exagero...enfim!
Claro que as vezes fico na dúvida! É o caso do ponteiro ficar pendendo levemente para um lado ou outro, ou então ficar paradinho no meio.
Claro que não uso essa balança para todo mundo! Uso-a para as pessoas que pouco conheço ou então para aquelas pessoas que conheço bastante e confio. Para outras pessoas a balança é diferente.
Para aquelas pessoas que quando você fala que pescou uma traíra de 25 centimetros e ela vem logo dizendo que só faz pesca submarina em alto mar, que quando você fala que passeou de lancha e ela logo vem com o papo que possui um iate, mesmo a gente sabendo que o que ela ganha não compra nem um caique de segunda mão, que quando você fala que estava no aeroporto esperando o voo de um amigo que vinha de Rio Grande,  percebeu lá longe passar a apresentadora do telejornal local e ele já vem com a estória que na última viagem a NY ele encontrou e conversou por altas horas com a Angelina Jolie e até trocaram de números para conversarem mais tarde, que quando você fala que arranha um violãozinho ela vem dizendo que formou-se na maior e melhor instituição musical do país e é pupilo do Issac Karabtchevsky. Para estas pessoas eu uso uma balança especial.
A balança para estas pessoas incríveis - como dizia meu saudoso amigo Mimo: “ Mas o cara não empata uma, só ganha? - que nunca perdem, eu uso uma especial que tem na esquerda a palavra “mentira” como na outra balança, no centro há “exagero” na cor amarelo, e na outra extremidade em verde meio apagadinho um modesto “quem sabe até é possível”.
Às vezes o ponteiro fica num vai e vem entre uma verdade e uma “atochada”, aí para simplificar eu faço como o comerciante desonesto e dou uma forçadinha na bandeja das mentiras como ele força a bandeja das batatas para superar a dos pesos. Sei que é meio desonesto, mas muitos feirantes fazem isso e acaba indo para o céu!
Quem nunca deu uma valorizadinha na história no momento de conta-la? Eu já fiz bastante isso confesso! Mas tem gente que não, ela simplesmente não consegue falar a verdade ou dar uma envernizadinha no papo. Não! Ela tem de mostrar que ela é a melhor e tem tudo o que é melhor! Ela vive num mundo particular só dela onde ela é o centro e a periferia. O caso é tão doido que tem umas pessoas que chegam a acreditar em suas próprias mentiras.
Eu conheci caso de gente que falou que iria para um treino em um autódromo e no outro dia para tentar dar validade a sua mentira, apareceu com o braço enfaixado dizendo que não poderia participar da prova por que capotou o carro em uma fantástica e veloz curva. Conheci pessoa que gravou um disco e quando foi pedido para mostrar falou que brigou com o empresário e de raiva quebrou todos os discos. Claro que isso não é só uma mera mentirinha, isso é doença!

Para falar bem a verdade, tem gente que eu não pergunto nem as horas com medo que ela me minta o horário!

terça-feira, setembro 24

CANÇÃO DO TOLO

De tudo ele sabia
Também sabia explicar;
Se alguém falava algo
Logo ele iria consertar.

Sabia ciência e Filosofia
E tudo o que pensar;
E se algo não havia
Ele iria logo inventar.

Aprendeu de tudo
Principalmente ensinar;
Disputava em tudo
Sempre tinha de ganhar.

Com tanto conhecimento
Muita idade ele devia ter;
Conhecimento assim pra pouca idade?

Mas logo ficou notório
Ele só podia uma coisa ser:
O mais tolo, dos tolos da cidade!

"HOMENAGEM AOS QUE SABEM TUDO"

quinta-feira, setembro 5


Veja só que coisa estranha
Eu ontem lembrei de você
Não foi recordando histórias
Nem olhando fotografias.

Estava só no meu quarto
E alguma coisa me incomodava
Não me deixando dormir;
Não era algo que havia
Mas sim, algo que faltava.

A solidão de minha estante
sem bibelôs e superstições
A minha comida insossa
sem teu gostoso tempero.
E a pele nua das paredes
Fizeram-me lembrar de um vazio.

E ainda hoje sinto um arrepio;
Ao ver que em meu travesseiro
Ainda tem o teu cheiro.

terça-feira, agosto 27

Para meu Pai

Quem vai agora contar histórias longas?
Revelando de onde era a sua procedência;
Com casos que eram como letras de milongas
Simples e sempre com muita inteligência?

Com pausas longas para coisas imperceptíveis
Num causo simples com detalhes cotidianos;
Lembrando-se de detalhes quase incríveis
Como se nunca houvesse passado os anos?

Quem vai gravar estas lembranças
Quem terá esse inventivo buril
Como a espada de um herói?

Consertando ou transformando tudo em jóia
Ou construir do simples uma bonita história

Abençoado pelo Santo Elói?

Santo Elói é o padroeiro dos ourives, profissão em que meu pai Antônio Eloy dos Santos foi um mestre.

sábado, agosto 24

Te lambendo como um gato
Ou te mordendo como um leão
Eu sempre demonstro de fato
A minha grande paixão!

Preso em teus cabelos
Grudado em tua pele
Perdido em teus desejos
Procuro modos que revele:

Fazer você entender
Que não sou nada
Estraçalho meu coração!

Só para você ver
Que o que sinto

É simplesmente paixão!

segunda-feira, julho 8

RE-POSTAGEM 24 ou sem tempo e/ou preguiça e/ou inspiração

Tenho 47.
Ainda não assimilei a idade que tenho! Às vezes eu paro e penso um pouco para lembrar a idade que tenho! Mas não tenho dificuldade para lembrar que é 47. ainda mais que só esqueço a idade que tenho e não o ano em que nasci. Tenho dificuldade para lembrar números, então lembro que nasci no ano do golpe militar brasileiro. A resposta vem na hora, nasci em 1964, o resto é só fazer cálculo e redescobrir a idade com facilidade.
E falando em idade, entendo totalmente aquela história – ou estória? – que a vida começa aos quarenta.

Minha infância foi muito boa. A adolescência foi bala – se falava “bala” para dizer que era bom quando eu era adolescente -. Foi bom os vinte, os trinta. Mas sem dúvida eu adorei a chegada dos quarenta. Não sei se será tão bom os cinqüenta, os sessenta e por ai vai até que para de ir e tudo acaba. Realmente adorei entrar nos quarenta. Me vi mais homem! Homem no sentido real da palavra. Cheguei nos quarenta e tinha uma visão melhor da vida.
Vi que entendia mais as coisas. Sabia ser mais tolerante como não era há pouco tempo antes. Sabia amar melhor – na forma espiritual e física -. Sabia entender melhor tudo o que antes achava que já sabia. Sabia rir mais e melhor – antes ria muito, mas sem saber muito bem o porque eu ria -. Aprendi a ler melhor. Ver melhor – não com os olhos físicos, mas com os olhos da razão e da alma -. Comecei a viver melhor. Acho que comecei a ser melhor!
Sim a barriga cresceu, a barba ficou branca – os cabelos ainda são rebeldes e teimam em serem pretos -, a agilidade diminuiu, mas também é por causa do sedentarismo que não tinha antes dos vinte e poucos e por aí vai. Mas computando tudo acho que os quarenta, “si pá” como fala a gurizada é bem melhor que os trinta, os vinte...

Meu filho tem 21 e eu “freqüento” a turma dele naturalmente como se 21 eu os tivesse. Os amigos dele me tratam e fazem festas comigo como se a idade deles eu a tivesse. Isso é ótimo! Isso faz os meus quarenta ficarem bem novinhos.
Ficar velho é questão de espírito, ou falta dele!

Tenho um amigo que quando é questionado a sua idade ele fala 33, 34 ou algo parecido, e apesar de ao olhar para ele ser possível acreditar, a forma encabulada com que ele fala, afirma que é muito mais.

Outro dia, estando eu no meu bar habitual, chegou um amigo de adolescência e sentou para tomar uma comigo.
Durante o tempo em que bebíamos e conversávamos foi chegando conhecidos mais novos e inclusive alguns da idade de meu filho. Por umas duas ou mais vezes eu apresentei o recém chegado dizendo: Este/a é fulano/a, filho/a do Sicrano/a.
Pouco depois meu amigo disse que iria embora, estava ficando deprimido. Perguntei porque e ele disse que estava constrangido, pois em nossa mesa sentava os filhos de nossos amigos e isso o estava fazendo se sentir muito velho.
Até brinquei que era bem melhor estar sentado com os filhos de nossos amigos que estar eternamente deitado com os pés juntos! Ele não entendeu como brincadeira e nem entendeu a brincadeira como sendo verdade. Foi embora.
Eu fiquei e continuo ficando!
Tenho meus amigos de quarenta, cinqüenta, sessenta e setenta e não vou deixar de ter os de trinta, vinte e até menos.

Considero-me um bom observador! E uma coisa que vejo no dia a dia é que tem gente que tem a idade que tem! Outros – assim como eu, modéstia à parte – parecem ter a jovialidade que sua Certidão de Nascimento afirma ser mentira, assim como conheço muitos jovens que tem muitos anos mais do que já viveram.
Ora! Envelhecer é bom!
É isso ou a morte prematura.

terça-feira, junho 25


Fico de barriga para o alto
esperando Sandman aparecer
e soprar algo nos meus olhos
e por fim; eu adormecer.

Fico quieto e tento não pensar
esperando que surja enfim morfeu
mas, vem ideias, vem pensamentos
depois de horas nada aconteceu.

Hipnos me abençoe
Amaldiçoe-me, me faça dormir
do mundo acordado quero partir.

O real me chama
e a lua me retém

quando me vejo: estou sem!

segunda-feira, junho 3

COISAS DE MARCELA

Assim que acabou a ligação Letícia guardou o celular na sua MNG Barcelona preta e saiu para o almoço. Marcela estava um pouco apreensiva, dava para perceber pela sua voz ao telefone. Letícia não queria sair, tinha um monte de coisas para resolver no escritório, mas não iria faltar para com a amiga.
Elas se conheciam desde sempre. Ainda antes da escolinha já brincavam juntas, seus pais eram amigos do tempo da faculdade. Apenas uma única vez elas estiveram em salas de aula separadas e talvez por isso mesmo elas viessem á repetir aquele ano. Uma sempre sabia o que a outra estava sentindo, quase que dava para uma ler o pensamento da outra, era uma amizade que causava inveja nas outras meninas.
Letícia sacudiu a cabeça sorrindo como se estivesse dizendo “quanta bobagem”, ao lembrar de quando Marcela disse que até o dia de sua menstruação havia mudado para poder ficar no mesmo dia que a da amiga. “Quanta bobagem” repetia para si. Elas eram feito unha e carne, mas isso já era absurdo! “Coisas de Marcela”.
Letícia chegou  em frente ao prédio onde ela marcara com a amiga. Olhou para os lados e nada dela. Iria esperar ali na porta principal, Marcela trabalhava a mais ou menos umas seis quadras dali, não daria tempo para ter chegado antes dela.
Acendeu um cigarro enquanto lembrava-se de suas histórias com Marcela. A descoberta do primeiro amor, a primeira menstruação, o primeiro beijo, a primeira transa, a primeira desilusão. Realmente todas as primeiras experiências elas passaram juntas, ou pelo menos trocaram segredos e dúvidas destas experiências. Letícia sempre fora um pouco mais tímida e centrada, quando era pra fazer loucuras era Marcela que a guiava, da mesma forma que quando a coisa apertava era Letícia que dava um jeito na situação.
Não demorou muito e Marcela chegou. Abraçaram-se no meio da calçada como se não se vissem há muitos anos, apesar de elas terem saído juntas há poucos dias atrás. Marcela quis fumar um cigarro antes de entrar, mas Leticia protestou dando conta que não dispunha de muito tempo. Entraram e pegaram uma das poucas mesas que estava disponível devido ao intenso movimento do horário do almoço. Marcela fez o pedido para as duas, ela já sabia de antemão o que a amiga iria querer. Quando o garçom retirou-se Leticia foi logo querendo saber o que tinha acontecido, pois percebia que Marcela ainda estava com aquela voz apreensiva que ela escutara ao telefone.
_ É verdade amiga! Mas agora que estou contigo estou mais calma! – pousou a mão sobre as da companheira.
_ Mas o que houve? - Reforçou a pergunta. Marcela soltou um longo suspiro e fixou os olhos nos de Letícia perguntando se ela não adivinhava o que era!
_ Não! Nem imagino! Tu estas me deixando curiosa e nervosa. Desembucha! – retirou a mão para erguê-la junto com a outra num sinal de quem pede explicação. – Pare de rodeios!...
_ Seguinte... Lembra aquela festa na casa da Cintia? – Leticia lembrava muito bem e queria saber o que tinha a tal festa com todo o drama!
_ Pois é! Tu saiu com o Beto né?
_ Sim! Eu te convidei para irmos juntas, mas tu quis ficar um pouco mais! No mínimo foi por causa daquele carinha que tocou violão! - Afirmou em vez de perguntar. Conhecia muito bem a amiga. Viu os olhares trocados e percebeu que ele era exatamente o tipo que interessava Marcela. – Não me diz que estás apaixonada de novo né guria!
_ Antes fosse amiga! Antes fosse!
_ Para com isso e fala...
_ Tá bem! Tá bem! Eu fiquei com ele... – olhou no fundo dos olhos da outra!
_ Sim! E aí?...
_ Nós transamos... – baixou o olhar enquanto Letícia soltava uma gostosa gargalhada.
_ Ora amiga! Isso não é nenhum absurdo! Quantas vezes e para quantos tu já deu? Não vejo o porquê do drama.
_ É porque nós não usamos proteção!... – Ficaram mudas por alguns segundos olhando-se. O garçom voltou com os pratos, serviu-as e retirou-se.
_ Tu tá brincando? Tu deu pro cara sem camisinha? – explodiu!
_ Fala baixo Lê! Quer que todos saibam? – censurou olhando para os lados para certificar-se que ninguém havia escutado. – Eu sei que foi loucura... eu “tava” bêbada e...
_ Não interessa se estava bêbada! Quase sempre que se transa com um desconhecido a gente esta bêbada e nem por isso se deixa de usar preservativos! – falou em um tom mais baixo.
_ Eu sei né! Mas marquei bobeira! Eu sempre uso, mas naquela noite a gente estava a milhão, quando chegou na hora nem ele e nem eu tínhamos a maldita da camisinha!
_ Bom!... Tu já fez pelo menos o teste de HIV?
_ Não guria... Estou com medo! – ficaram novamente em silêncio, tipo aquele silêncio que não existe na vida real e que sempre se vê no cinema.
_ Tu achas que há perigo de ele ter te passado algo? – Letícia quebrou o longo silêncio.
_ Não isso não!... Sei lá? Não se pode dizer isso apenas pela cara da pessoa, mas...
_ Está com medo então de... – não terminou a frase.
_ Sim! Já era pra ter vindo e não veio! – Os olhos de Marcela encheram-se de lágrimas.
_ Quanto tempo?
_ Já era pra ter vindo a uns três ou quatro dias...
_ Bem! Não adianta chorar antes da hora – quando a coisa apertava era Letícia que vinha para dar um jeito na situação - vamos terminar nosso almoço e tu vai direto ao teu médico. – pousou a mão na mão da amiga que acabara de secar as lágrimas.
_ Tu vais comigo Lê? Eu não queria ir sozinha!
_ Amada! Hoje as coisas estão terríveis no escritório, hoje não posso!
_ Não sei se terei coragem de ir sozinha!
_ Bem! Então vamos amanhã! Um dia a mais ou um a menos não vai fazer tanta diferença né?
_ Tá bom amiga! Não sei o que seria de mim se não fosse você!
_ Ora! Bobagem! A gente sempre se ajudou e sempre iremos nos ajudar! – terminaram o almoço e saíram quietas.
Ao chegar à rua, deram-se um longo abraço e nada disseram, seus olhares cumplices de vários anos disseram o que precisava ser dito. Cada uma tomou o seu rumo. Marcela um pouco mais tranquila, agora que havia desabafado e Letícia muito nervosa e preocupada. Ela não voltou ao escritório naquela tarde. De sua cabeça não saia a bobagem que a amiga havia dito anos antes. Foi direto ao consultório de Márcia, sua ginecologista, só após estar com Marcele ela percebera que estava atrasado o seu ciclo.

E se aquilo não fosse apenas “Coisas de Marcela”?

sexta-feira, maio 17

Haikay Tupã

Levei quase nada
mas deixei a metade
Não minhas coisas
somente a saudade.

segunda-feira, fevereiro 4



Triste como um tango antigo
Triste como samba de raiz
Triste como ronco de bugio
De minha vida você fugiu.

Dolente como milonga
Dolente como soneto
Dolente como acalanto
Me vi só com meu pranto.

Uma mão esquecida no ar
Uma frase emudecida
Um soluço a calar.

Uma separação inesperada
Uma desilusão indo pelo ar
E uma esperança a esperar.

terça-feira, janeiro 22

PERDA



Seu Getúlio empurrou o prato em silêncio e foi sentar-se também no mesmo silêncio no surrado sofá em frente à televisão. Procurou uma partida de futebol qualquer, e não achando ficou assistindo – ou quase... apenas olhava para a frente em direção ao vídeo sem ver nada – o final do capitulo de alguma novela. D. Esther recolheu os dois pratos sujos com os restos do jantar e o da filha que estava limpo como sempre estava desde o dia em que eles a perderam.
Depositou os sujos no fundo da cuba da pia e guardou o limpo como de costume. D. Esther sabia que o terceiro prato nunca mais seria usado, mas mesmo assim sempre o colocava na mesa, como fazia antes de perder sua filha.
Lavou os dois pratos pensando como seria bom se tivesse três para lavar! O trabalho seria maior, mas ao menos a filha ainda estaria entre eles! Assim que terminou com o segundo, ficou estática a olhar para os pequenos pingos de água que escorriam do prato e fugiam em direção ao ralo e, junto com os pingos de água fugiam também os pingos de lágrimas de seus cansados e sofridos olhos, assim como a filha fugira de suas vidas!
Mesmo o terceiro prato estando limpo, ela o pegou de dentro do armário e colocou embaixo da água que escorria da torneira e o lavou como se preciso fosse. Não era necessário, mas pouco importava, pois ao lavar o terceiro prato há muito não usado, dava-lhe a sensação de que ele também havia sido usado. Enganava-se conscientemente.
Seu Getúlio desviou os olhos que nada viam para ver a atitude que a pobre esposa toda noite fazia. Pensou em mandar ela para de fazer aquilo, mas não o fez! Voltou os seus olhos para continuar a não ver o que antes não estava vendo! Esperava que um dia a esposa fosse se conformar e parar de fingir que não havia perdido – assim como ele - a filha.
Após secar os pratos e os olhos, também sentou-se ao lado do marido em frente a TV e ficou também perdida sem nada ver. Para eles só havia um imenso vácuo que não permitia a eles verem nada, a não ser a falta de sua filha.
Ficariam assim os dois vendo o nada até o momento em que se retirariam para o quarto para dormirem junto com seus pesadelos, não fosse o zumbido da campainha que os acordou daquele sonho acordado.
A campainha feriu não só os ouvidos, mas também o coração de D. Esther! Seu Getúlio baixou o som da TV e dirigiu-se lentamente para a porta, como um gado que vai para o matadouro.
Seu Getúlio abriu a porta já sabendo quem veria! Na varanda, bem abaixo do velho lustre que ele havia instalado anos antes, estava Cleumar com seu gorro preto de sempre e uma jaqueta de couro surrada e totalmente aberta, que deixava aparecer na linha da cintura uma pistola calibre 6.5mm.
_ A Solânge? – falou Cleumar como se não houvesse ninguém a sua frente -. Cleumar estava foragido e desde então comandava o tráfico de drogas no bairro onde eles moravam.
_ Solânge!... – Gritou o pai virando de costas e deixando a porta aberta. Foi sentar para novamente continuar a não ver o que passava na TV. Solânge surgiu correndo dentro de uma mini-saia que mal lhe cabia e jogou-se ao pescoço de Cleumar. Beijou melosamente os grossos lábios dele e já ia fechando a porta quando D. Esther falou com uma voz débil:
_ Solânge... Leva um casaquinho minha filha! Tá frio!
_ Não encha o saco mãe! – respondeu ao fechar bruscamente a porta.
Seu Getúlio desligou a TV e foi dormir, D. Esther ainda ficou alguns minutos chorando em frente à TV desligada...Ela não conseguia se acostumar com a ideia de que havia perdido Solânge, sua única filha!