quarta-feira, março 30

Nosso Filme II


Não tenho medo do passado
O que podia me ferir, já ferio;
O que tinha de ser bom
O bem já foi feito.

Não tenho medo do presente
O presente está muito bom;
Nesse nosso filme
A felicidade é atriz.

Só tenho medo do futuro
Este não respeita nada e ninguém;
Ele não segue nenhum roteiro
É um desgovernado trem.

sexta-feira, março 25

HAIKAI 4


Ontem a noite ficou
Muito feliz a minha janela
Pelo simples motivo
De ter a presença dela.

Tardío Despertar


Quando abro os olhos no meio da penumbra
Há raios de sol que penetram nas frestas
da cortina, como quem chama-me para uma festa
Pois a vida corre lá fora e para muitos já é hora da sesta.

Mesmo sabendo que Deus ajuda quem cedo madruga
Eu nem ligo, pois não estou procurando ajuda,
Levanto sonolento e lavo o rosto em água fria
E enxugo minha cara em uma toalha estampada com “Bom dia”.

Preparo um café quente, ao mesmo tempo em que
Todos vão tomar como digestivo e eu para acordar
Pois todos querem recomeçar o seu dia-a-dia
E eu estou apenas no meu lento despertar.

Sei que falam que assim não vou ganhar nada
Acordando tarde eu nunca vou ter uma vida plena
Concordo com eles todos, mas no fundo tenho pena
de quem no inverno bem cedo tem de acordar.

segunda-feira, março 21

sexta-feira, março 18

Sente...

Sente como vibra
Toda essa energia
Contrapondo toda sua resistência
Veja tudo isso que gira entre nós...

Sente como a pele sente sua pele
Elas se conhecem
Se reconhecem quando se tocam
Sentem a pressão de sermos um...

Sente como suspira, respira
Toda nossa respiração
Cada movimento, subindo e descendo
Até o pensamento nosso, pensando em nós...

Sente como a nossa vontade muda
Todo nosso querer
Que é simplesmente,
enlouquecer enlaçados um no outro...

Sente como vibra
Tudo isso...
Vibra doidamente entre nós...
Por nós...

Betânia Uchôa

quinta-feira, março 17

O “estranho professor Mário”


Toda a cidade sabia que o professor Mário era estranho. Lembro que uma das primeiras coisas que meus ouvidos de menino ouviram foi: O professor Mário é estranho.
Ele sempre saía de casa bem cedo com um livro debaixo do braço e ia comprar pão e leite. Ora, por que raios alguém levava um livro até a padaria se não iria ler. Na igreja, aos domingos ele sempre chegava acompanhado de sua esposa, dona Beatriz e logo ao fazer o sinal da cruz, separava-se da esposa e ficava a missa toda ajoelhado na última bancada da esquerda, só se levantava para tomara a comunhão e voltava a ajoelhar-se, só que após a comunhão ele ficava na última bancada da direita. Ele tinha algumas manias desse tipo que lhe deram a alcunha de “o estranho professor Mário”.
Lembro que outra coisa que falavam sobre o “estranho professor Mário” era o fato de ele haver casado com a mulher mais bonita e cobiçada da cidade. Uns diziam que ela só casou com ele porque quando a mãe dela morreu, ela não tinha mais ninguém no mundo, outros falavam que talvez ele tivesse certos predicados que enlouquecia a jovem Beatriz.
Bem se era por amor que ela casou a cidade inteira já sabia que esse amor não existia mais, pois fazia meses que ela era vista com Paulo, o marceneiro para baixo e para cima. Se ela ia ao supermercado podia saber que lá no meio das gôndolas estaria ele. Quando ela adquiriu o costume de ir no meio da tarde ao cinema, como se fosse coincidência ele também começou a ter interesse por filmes. Drama, comédia, musical... não importava o gênero, eles iam quase todas as tardes ao cinema.
O “estranho professor Mário” que já era cabisbaixo ficou mais abatido ainda, e depois da escola ficava vagando até tarde pela cidade, era a certeza que a cidade procurava de que ele também sabia o que estava acontecendo.
Numa tarde de quarta feira, na hora do recreio, o diretor Maurício levantou-se para atender o telefone da sala dos professores. _É pra você Mário! Falou. _Quem é? - perguntou sem tirar os olhos de seus cadernos de chamada.
_ É sua esposa! – todos olharam ao mesmo tempo para o diretor e para o telefone que estava em sua mão. Depois os mesmos olhares direcionaram-se para a cara petrificada do “estranho professor Mário”. Ele levantou-se vagarosamente e pegou o telefone. Ele olhou para aquela dezena de pares de olhos que lhe fitavam. Eles desviaram-se, mas os corpos permaneceram no mesmo lugar. Não arredariam pé dali, queriam saber o que ele iria falar ao telefone.
_ Alô... Sim? Algum problema querida? – pausa – _Quê? – pausa – _Como assim? – uma pausa maior – _Não podemos falar disso depois, quando eu... – nova pausa – _Mas... – Agora a pausa foi muito maior. Um mal estar pairou no ar em meio a poucos sorrisinhos. _Mas vocês irão para onde? Porque isso Beatriz?
O diretor Maurício fez um “rã...rã” como se estivesse limpando a garganta mas era um pedido para que parassem de escutar a conversa do “estranho professor Mário” com a esposa. Não adiantou!
_ Espera não vai agora! Não! Espere eu ir até ai... esper... – ele afastou o fone do ouvido. Todos perceberam que ela havia desligado. O “estranho professor Mário” depositou o fone no gancho e voltou para sua cadeira. Depois de uns bons minutos ele ergueu-se e disse que tinha de ir em casa. Nem esperou a resposta do diretor e saiu correndo porta afora.
O que ocorreu na sala dos professores eu sei por que minha madrinha é professora e estava lá e contou tudo para minha mãe, sem saber que eu estava próximo. Talvez as palavras ditas por ele não tenham sido exatamente assim, mas é assim que lembro ouvir ela contar.
Naquele dia o “estranho professor Mário” não foi mais visto. No outro dia pela manhã já foi visto na padaria com o livro debaixo do braço, mas desta vez ele comprou a metade dos pãezinhos que sempre comprava e não comprou leite. Como a maioria das pessoas sabiam que ele não suportava leite só podia ser uma coisa: A esposa fora embora.
A dúvida não durou muito, pois logo perceberam que a marcenaria do Paulo não abrira aquele dia e nem no anterior. Dois dias após alguém mais por curiosidade do que por preocupação falou para o delegado que alguém deveria arrombar a marcenaria. _ Vá que o Paulo tenha tido um treco lá dentro e... – assim fizeram.
Não havia ninguém lá dentro. Estava tudo impecavelmente organizado e em cima de uma escrivaninha um envelope escrito à máquina “aos cuidados da Imobiliária Souza”. O delegado levou o envelope até a imobiliária, mas obrigou que o mesmo fosse aberto na sua frente. Dentro do envelope havia dinheiro e era exatamente o valor do aluguel do último mês. Não havia dúvida, os amantes haviam fugido.
O “estranho professor Mário” passou a ser mais observado do que já era. O povo não consegue ficar apático a uma guampa. A rotina dele não mudou em nada, a não ser que agora ele ia sozinho a igreja aos domingos e quase nunca ajoelhava. Segundo diziam após aquele acontecimento ele nunca mais tomou a eucaristia.
Nunca entendi que fascínio o “estranho professor Mário” causava em mim. Comecei a segui-lo pela cidade e anotar cuidadosamente as coisas que ele fazia. Adorava aquilo, me sentia como um detetive de filmes americanos, mas no terceiro dia percebi que as anotações eram iguais as dos dois dias anteriores. Ele sempre fazia à mesma coisa.
Um dia decidi sentar a seu lado na praça e puxar assunto. Não lembro que amenidade lhe perguntei, só sei que ele me olhou com um olhar morto e foi embora sem nada dizer.
No domingo pela manhã sentei ao seu lado na igreja, ele me olhou com o mesmo olhar morto e foi sentar em outra bancada vazia bem longe de mim. Percebendo que não haveria como entrar naquela cabeça misteriosa eu desisti.
Passaram alguns meses e o “estranho professor Mário” continuou sendo apenas o “estranho professor Mário” para nossa cidade.
Eu perderia para sempre o interesse naquela figura não fosse um dia eu estar entediado no supermercado e passar por mim o “estranho professor Mário” com quatro pacotes de canudos plásticos para refrigerantes em seu cestinho de compras. Se ele vivia sozinho para que tantos canudinhos? Festa de aniversário de alguém da família não podia ser, pois ele não tinha ninguém.
Intrigado, resolvi segui-lo. Ele foi até sua casa e entrou pela porta da frente. Parei a alguns poucos metros escondido atrás de uma árvore. Já estava escurecendo e a luz apareceu por trás dos vidros de uma janela. Pulei o baixo muro de tijolos pintados e agachei-me bem abaixo da janela de onde vinha à luz.
Apurei o ouvido e escutei o som de um liquidificador. Com o coração aos pulos me ergui e espiei pela janela. Ele estava de costas e preparava um shake avermelhado que julguei ser de morango. Desligou o aparelho e colocou o líquido não muito espesso em um grande copo plástico. Abriu um dos pacotes de canudos e colocou um deles no copo. Pegou o copo e virou-se. Abaixei-me com o coração quase a sair pela boca.
Percebi a luz ser apagada. Pouco tempo depois um pequeno facho de luz iluminou meu joelho. Busquei a origem daquela luz e vi que vinha de uma janela baixa de vidro que devia ser de um porão. Com mais cuidado notei que o vidro havia sido pintado de preto por fora e o pequeno facho fugia por um leve descascado na pintura.
Deitei-me no chão e espiei. Via apenas uma lâmpada pendente e uma parede cinza, além de umas prateleiras com livros. Procurei ver mais, mas a única novidade era à sombra de um homem que sabia ser do “estranho professor Mário” a projetar-se na parede.
Procurei no chão e encontrei uma pedrinha pontiaguda. Aumentei o descascado com pouca dificuldade e espiei novamente. Agora dava para ver uma cama com um cobertor entrouxado sobre um sujo e surrado lençol. Súbito, puder ver o “estranho professor Mário” aproximar-se da cama. Dava para saber que era ele pelas roupas, pois não dava para divisar o rosto.
Busquei novamente o auxílio da pedra e aumentei o descascado no vidro. Espiei e vi um enorme aquário com um líquido esverdeado e com a parte de cima lacrada com uma placa de vidro com algo que parecia ser um tipo de cola ou silicone. Dentro do aquário havia algo que não dava para saber o que era, pois a luz era pouca.
De repente percebi que o “estranho professor Mário” falava algo, mas não dava para ouvir direito. Ele pegou o copo plástico que estava em uma pequena mesinha e com a outra mão puxou o cobertor com força. Uma ponta do cobertor bateu na lâmpada que começou a balançar e iluminar rapidamente alguns cantos no porão que antes não havia claridade suficiente. Procurei seguir o facho que balançava para melhor explorar o porão quando meus olhos perceberam que dentro do aquário havia o corpo como se fosse um feto gigante.
Apesar do susto pensei que podia ser uma trapaça de meus olhos devido ao diminuto campo de visão e o movimento da lâmpada. Continuei a seguir a luz. Quando meu olhar passou pela cama vi uma mulher nua presa a tiras de couro. O “estranho professor Mário” levou o copo em direção ao rosto da mulher e cuidadosamente direcionou o canudo para que fosse introduzido nos lábios de uma magra e pálida dona Beatriz.
Ela tinha dificuldades para aceitar o canudo. Forcei a visão e percebi que ela tinha as órbitas dos olhos vazias e os lábios estavam costurados com uma grosseira linha preta. Virei o rosto apavorado sentindo uma corrente gelada percorrer minha espinha e eriçar não só meus pelos, mas também os cabelos. Cobri a boca para abafar um gemido de pavor. Se era dona Beatriz então no aquário só podia ser o amante.
Então naquele dia ele chegou a tempo de impedir a fuga dos dois! E o envelope na marcenaria era obra dele também! - percebi.
Busquei coragem e virei-me para olhar novamente e averiguar se eram realmente eles. Levei o olho em direção ao descascado na pintura do vidro e dei de cara com o morto olhar do “estranho professor Mário” me fitando.

quarta-feira, março 16

HAIKAI 3


Paro na janela
Olhando a cidade
Parece ser maldade
Eu olhar sem ela

sexta-feira, março 11

QUARTA DE CINZAS


Sexta feira,
A lenha era reunida
Sábado,
A fogueira acendida
Domingo,
A chama era só de folia
Segunda feira,
O fogo ainda ardia
Terça feira,
A lenha se consumia
Quarta feira,
Era quarta de cinzas.
Acabou toda ilusão nesse dia.

quinta-feira, março 10

Monty Python - O concertador de bicicletas



Esquete do terceiro episodio da primeira temporada do Monty Python Flying Circus

terça-feira, março 1

RE-POSTAGEM 9 ou sem tempo e/ou preguiça e/ou inspiração



"VAZIO E SOZINHO"Postado originalmente em Setembro de 2009.
O despertador o tirou de um sono cansado e conturbado na mesma hora de todos os dias. Pulou da cama como sempre fazia. A cabeça e o corpo não queriam acordar, mas era um movimento maquinal que já estava acostumado. Correu para o banheiro. Fez a barba ainda sob a água do banho e percebeu que estava cansado para o dia que o aguardava. Ainda com espuma no corpo percebeu que fazia aquilo há muitos anos a fio sem perceber que o fazia.
Tomou uma decisão que nunca havia pensado que um dia a faria. Secou-se e colocou uma roupa que não era a que normalmente colocava após o banho. Viu-se no espelho e quase achou que não era ele. Camiseta de malha branca, calça jeans e tênis.
Ligou para o escritório e disse que não iria trabalhar naquele dia. Teve medo – e não fez – de dizer que iria tirar o dia de folga. Ele, logo ele que era o patrão tinha medo de faltar ao dia de trabalho.
Para Luciana, a competente e fiel secretária disse que estava doente. Não precisou o mal que o acometia, disse apenas que não estava bem e, a competente, e fiel Luciana não perguntou nada. Não quis saber o que ele sentia, apenas ouviu suas palavras como uma ordem e pronto.
Tentou ver TV, mas nada o interessou. Saiu para a rua a pé. Aquilo era algo inusitado para ele. Sair sem o carro e sem o motorista...
Bernardo, o motorista, estranhou, mas não ponderou nada, afinal ele era pago para fazer o que o patrão mandava e não perguntar o porque das ordens do patrão. Ganhou um dia de folga. Adorou. Era dia de jogo do Grêmio e ele poderia ir para casa assistir o jogo ou encontrar-se com os amigos que não tinham nada para fazer como ele naquele dia.
Para onde vou? Foi a primeira coisa que o patrão de folga pensou. Nunca havia tido um dia de folga no meio da semana. Caminhou e descobriu uma padaria a duas esquinas de seu prédio. Nunca havia visto aquele estabelecimento, mas o letreiro comido pelo tempo como um nariz de uma esfinge, afirmou-lhe que ela estava ali à vida toda.
Entrou. Havia uma pequena fila. Algumas pessoas ele percebeu que eram muito conhecidas das atendentes, pois elas as tratavam pelo nome.
Quando chegou sua vez, uma menina que devia ter a idade de sua filha que ele não via há mais de duas semanas o chamou de “tu” com um sorriso encantador que ele achou até promiscuo. Como alguém que não o conhecia o tratava como se fossem amigos?
Não soube o que pedir. Tentou lembrar o que se pedia em uma padaria quando se tem fome.
A “promiscua” atendente vendo o seu embaraço perguntou se ele queria pão. Estou com fome!, foi o que saiu de seus lábios. Como ele não falou mais nada ela perguntou se ele queria um sanduíche de mortadela e queijo e uma taça de café. Aceitou.
Sentou em uma cadeira de plástico branco em frente a uma mesa de plástico branco. Achou estranho não haver toalha, apenas um porta guardanapos com propagandas de um refrigerante e um paliteiro de qualidade duvidosa.
O inusitado desjejum foi servido pela mesma atendente. Foram colocados a sua frente o sanduíche, uma xícara de café e um açucareiro. Ele só usava adoçante, mas ficou em dúvida se não seria grosseiro pedir para trocar. Adoçou o café e o provou.
Aprovou! Deu uma pequena mordiscada no pão com queijo e mortadela. Mortadela... Até que não era ruim. O pessoal da fabrica deve adorar a mortadela que é servida no café no turno da noite. Parece ser até melhor que presunto...
Saiu sem saber para onde ir. Parou em frente a uma banca de jornal. Não havia lido nenhum periódico aquela manhã. Não sabia de nada que estava acontecendo no mundo das finanças e da política. Comprou o jornal que sempre lia. Sentou-se em um banco na primeira praça que encontrou. - Nem sabia que havia aquela praça ali tão perto.
Seus olhos correram por todas as páginas, mas não leram nada. Por mais que tentasse sua cabeça não acompanhava seus olhos. Lia as palavras, mas não consegui coloca-las em uma ordem lógica. Folheou o jornal sem prestar atenção em nada até parar em uma página com vários desenhos bobinhos que ele nunca olhava.
Leu as tirinhas de uns tais de Laerte, Iotti e Maurício e deu gargalhadas que estavam represadas desde a infância. Entendeu – ou achou que entendeu – o porque seus funcionários liam aquilo e riam. Ficou com vergonha, não por ter entendido, mas por estar lendo aquilo.
Deixou o jornal no banco e saiu a caminhar sem rumo pelas ruas da cidade. Passou por ruas que ele sempre passava com seu blindado e viu o que ele nunca via. Casas lotéricas com suas filas intermináveis, pequenos bares com pastéis e croquetes em meio a balas e chocolates baratos, brechós com roupas de todos os tipos e gostos, salões de barbeiros com conversas animadas, lojas de roupas, livrarias, farmácias, óticas, sapatarias - até encontrar uma nova – pelo menos para ele – praça.
Escolheu um banco e sentou. Nos brinquedos do playground a meninada fazia a festa enquanto babás, mães e tias liam romances surrados ou conversavam animadamente.
Lembrou da filha. Tudo o que ela pedia ganhava, mas não lembrava de ver sua filha com a mesma alegria que havia estampada na cara daquelas crianças. Eram apenas gangorras, balanços e escorregadores e não a Disney, a Europa ou um carro novo que ele dera a filha, e mesmo assim elas estavam em êxtase.
Depois de muito tempo a barriga o lembrou que era a hora do almoço. No trabalho a hora de comer era após a reunião ter terminado ou algum negócio ter sido consumado. “A fome vem só após a obrigação” aprenderam com seu pai.
Viu que muita gente comia algo comprado em uma “carrocinha” no meio da praça, mas teve medo. - Vai lá saber o que eles estão comendo!
Do outro lado da rua tinha um restaurante chamado “Saigon”. Era movimentado. Devia ser boa a comida. Dirigiu-se para o tal “Saigon” e pediu o prato do dia, não porque era o que ele queria, mas porque ouviu o pedido do senhor que ele achou “bem apessoado” que estava a sua frente na fila.
Arroz, feijão, massa com molho de carne, batata frita, um bife estranho, alface, tomate, pepino e repolho. O cheiro era bom.
O senhor “bem apessoado” sentou em uma mesa de dois lugares com uma toalha de plástico transparente não muito nova.
Com licença, ele pediu e o tal senhor não falou nada que o proibisse. Ele sentou.
Depois de umas boas garfadas na comida que ele achou deliciosa, ele puxou assunto sobre o tempo... Será que chove?. Seu “bem apessoado” companheiro de mesa só respondeu algo com os ombros que ele não entendeu. Resolveu terminar a refeição em silêncio.
Após o almoço voltou para a praça e ficou a observar as crianças nos brinquedos e a fumar um cigarro atrás do outro até perceber que não havia recebido nenhuma ligação. Tateou os bolsos e percebeu que havia esquecido o celular. Ficou a principio preocupado, mas com o tempo achou bom o esquecimento. Não estava com vontade de receber ligação de ninguém mesmo, pois seriam só preocupações referentes ao trabalho e hoje, ele decidira que não iria trabalhar.
Olhou para o outro lado da rua e viu um cinema. Era um dos últimos que existia fora dos shopings. Não leu nem o título do filme. Comprou o maior pacote de pipocas que havia e assistiu ao filme como assistia em sua época de guri lá no interior.
Após o filme vagou pelos sebos a rever velhos quadrinhos e foi a uma exposição itinerante de fotografias em um ônibus na praça central. Saiu comprou um picolé e vagou pelas ruas que ele só conhecia de nome ou de dentro de seu carro blindado.
Parou em frente a uma banca de jornal e comprou de um impulso uma revistinha da Mônica e riu novamente como criança sentado em um banco de um ponto de ônibus entre um maluco e um vendedor de DVDs piratas.
A luz natural começou a rarear e as públicas junto com os letreiros das lojas o fizeram perceber que estava anoitecendo. Não sabia muito bem onde estava e passou a perguntar onde estava. Um menino que vendia balas explicou para aquele senhor perdido onde era o endereço que ele queria encontrar. Não havia vendido muito, pois a concorrência era grande, mas a gorjeta daquele “perdido” valeu a pena.
Chegou de volta ao seu apartamento. Estava tudo escuro. Não acendeu a luz. Tirou a roupa pouco usual ali na sala mesmo. Foi para o banheiro tomar um banho e chorou junto com o chuveiro ao perceber que de nada adiantava ter “tudo” se estava vazio e sozinho.