quinta-feira, abril 29

Teófilo -Final


Quando o meu visinho de banco começou a recobrar os sentidos estava amordaçado e amarrado em uma cadeira. A lâmpada que refletia em seus olhos o fez custar a perceber que estava em um porão sem janelas e bastante insalubre.
Tentou gritar, não conseguiu. Tentou levantar, menos ainda.
_ Calma senhor Saraiva, ou deveria dizer, sargento Saraiva! – ele voltava aos poucos a ter totalmente a visão e ficou horrorizado ao ver em sua frente algo muito familiar ao que no passado ele chamava sarcasticamente de “sala de descanso” e que hoje era conhecido como sala de torturas. Seus atônitos olhos correram pelo porão, e mesmo com a parca luz pode ver coisas que ele sabia que eram usadas para torturar pessoas: porretes, maricotas, alicates, tonéis cheios de água...
_ Falei que iria apresentar meus pais e não menti – peguei um velho amarrotado e amarelado cartaz com várias fotos de rostos sobre a frase “terroristas procurados”. Bem ao centro havia a foto de um casal de jovens circundados por um circulo feito a caneta esferográfica vermelha. Coloquei bem em frente aos seus olhos.
_ Aqui está! Papai e mamãe! Lembra? – um frêmito de pavor estampou-se nos olhos do sargento Saraiva. Um passado que ele tentava sepultar ressurgiu em sua lembrança.
_ Pois é desgraçado! Esses dois aí são os meus pais! – ele tremia e vi que era assim que tremiam as pessoas que ficavam em sua frente nos porões da repressão -. Tu deves lembrar muito bem deles! Claro que foram tantas as pessoas que vocês torturaram que talvez tu digas que não lembras, mas sei que lembras sim! – seu corpo sofria espasmos.
_ Tu eras macho enquanto tinha as pessoas subjugadas, porque agora treme? Lembra dos gritos de agonia das pessoas que tu torturavas? Pois é! Eu agora quero que tu grites muito mais! Calma... Não vou te currar como tu curravas teus prisioneiros, porque eu não sou igual a ti. Não vou seviciá-lo. Não... Eu vou mata-lo aos pouquinhos. – arranquei a mordaça de um único puxão.
_ Por amor de Deus!... Eu tenho uma neta! – chorava o bravo torturador.
_É? E meus pais não tinham um filho seu filho da puta! – gritei enchendo a cara dele de perdigotos desesperados.
_ Eu não sabia o que fazia! – Ás lágrimas caiam aos borbotões sobre sua berrante camisa.
_ Pois é desgraçado! Acho que meus pais também não sabiam muito bem o que faziam! Mas faziam por um ideal. Hoje sua queridinha netinha tem direito a se expressar, a votar e fazer o que ela quer porque muitas pessoas assim como os meus pais lutaram por ela!
_ Eu me arrependi de tudo o que fiz...
_ Se arrependeu de dar choques em estudantes? De currar jovens mães em frente aos seus jovens maridos? Em dependurar operários pelados nos seus famigerados paus de araras?
_ Por favor!...
_ Favor? Quantos favores tu fez para os moribundos prisioneiros que vocês torturavam?
_ Por favor!...
_ Sim! Favor! O único favor que vocês fizeram para meus pais foi mata-los para eles não sofrerem mais!
_ Eu imploro!...
_ Não precisa implorar! Eu vou fazer contigo algo que tu mesmo sentindo-se todo poderoso nas sessões de tortura, nunca teve coragem de fazer!
Dei as costas para ele e fui em direção à mesa em que estava todo um macabro arsenal de tortura. Ele urrava de pânico. Ouvi a urina correr pelo chão escorrendo por sua perna. Peguei uma faca de caça, daquelas enormes. Virei-me dramaticamente com a arma em minhas mãos. O intestino de meu prisioneiro não se conteve, sei disso pelo cheiro.
Aproximei-me e ele rezava desvairado algo que parecia ser o Pai Nosso e cortei as cordas que prendiam suas mãos a cadeira.
_ Vou te dar o que tu nunca poderia dar seu desgraçado! Te dou o perdão.
Joguei a faca no chão e sai e por muitos dias ficou em minha cabeça o soluçar e o choro desesperado daquele infeliz que um dia se julgou poderoso.
Isso foi a mais ou menos um ano.
Mudei de cidade e não tenho mais o peso do passado em minhas costas e acho o nome Teófilo legal!
Claro que não darei um nome assim ao meu filho...

quarta-feira, abril 28

Teófilo - 1


Sempre achei que tinha um nome antigo!
Chamo-me Teófilo! Teófilo Siquera! É um nome que os pais modernos que convivem com a internet, MP’s algum número, códigos genéticos e outras coisas mais não pensariam em dar esse nome a um filho, e acho que esse nome velho foi-me dado para lembrar do tempo dos velhos. Tenho um nome antigo para não esquecer o passado. E não esqueci enquanto não devia esquecer!
Tenho quarenta e vários, não sou um guri, mas não posso me chamar também um ancião. Quando eu era garoto uma pessoa de quarenta era um velho, mas hoje em dia, um quarentão não é um velho. É uma pessoa madura, mas não um velho! Apesar de eu conhecer na escola em que leciono, muitos com dezoito que são em espírito mais velhos que eu.
Mas isso não vem ao caso! Nem sei porque estou pensando isso! Tenho coisas mais importantes para pensar, como por exemplo: esperar que ele venha!
Faz mais de quatro meses que venho a essa praça e fico de longe a observar e sei que sempre às cinco horas ele vem para o mesmo banco com um livro nas mãos. Senta-se e fica a ler até a luz do dia não permitir sua leitura e volta para casa, que fica há seis quadras daqui.
Durante todo esse tempo fiquei só a observa-lo, mas hoje agirei. A vida e a história de minha família me ensinou que há tempo para observar e tempo para agir. A primeira parte já fiz, é chegada a segunda...
Do banco em que estou e parece que aqui estou a mais de vinte mil anos, vejo o velho aproximar-se. Não é a mesma roupa, mas é sempre o mesmo padrão. Sapatos de amarrar, calça de tergal com um impecável frizo que parece ser uma navalha e camisa em cores berrantes. Sim! Tem os óculos que ele nunca usa, mas está sempre preso sobre a cabeça como se ele tivesse olhos a observar o céu – teria medo do céu? - .
Sentou-se no mesmo banco e abriu como sempre fazia, o livro e ficou preso a sua leitura absorto a tudo o mais que ocorria a sua volta. Aproximei-me e sentei ao seu lado sem olha-lo. Ele não tirou o olhar do livro. Abri o jornal que trazia preso entre o ante-braço e o tórax e fiquei sem ler.
Uma eternidade passou até que corri os olhos do jornal em que nada lia para o livro que ele devorava. Com pouco custo pude perceber que era algo tipo “não sei o que da águia”. Não conseguia decifrar que livro era.
Uma bola de plástico multicolorida escapou das brincadeiras das crianças e veio a cair entre os pés dele. Meu visinho de banco com calma largou o livro no assento do banco e pegou a bola. Uma garotinha de uns seis anos veio correndo aos gritos de: Tio! Tio! A bola!
Ele pegou a bola e entregou carinhosamente para a menina. Ao ver suas mãos ao entregar a bola chegar próximas as da menina, senti um calafrio por todo o corpo. A menina pegou a bola sorridente e voltou correndo. Ele sorria como se estivesse brincando com a própria netinha em casa num domingo de páscoa.
_ Nada mais belo que a infância! – ele falou. Fiquei desconcertado. Sua mão foi em direção ao livro que repousava no banco. Segui aquela mão magra e “nervuda” e pude ler, não o título do livro, mas o nome do autor: Ken Follet.
_ Ken Follet! – Falei sem pensar.
_ Sim! Follet! – mirou-me, mas eu não o olhava – gosta? – perguntou.
_ Sim! – respondi sem saber se era verdade ou não. Ele voltou a leitura. Ficamos calados.
_ A toca do leão! – falei nem sei porque -.
_ Já li! – respondeu – É bom, mas prefiro outros...
_ A chave de Rebecca!
_ Ah! Esse é um clássico! – ele saltou entusiasmado – Adoro essas histórias de guerras e espionagens e a gente que gosta de livros... Pô! O código estava no livro...
_ É!... – não sabia o que dizer, ele parecia ser uma pessoa tão simples e até legal. Não parecia ser a pessoa que era!
_ Tem um mais novo que não lembro o nome em que é roubado uns produtos químicos...
_ Sei! Também li, mas não lembro o nome – menti.
_ É! Eu tenho um problema meu filho. Leio os livros, mas esqueço os títulos. – Ahã! Acho que falei – mas a histórias não. – ele completou - .
_ É! É melhor não esquecer a história, o título tanto faz! -
_ Isso mesmo! Saraiva... Saraiva é meu nome! – aproximou a mão em minha direção.
_ Carlos! Carlos é meu nome! – apertei a mão e menti, não sei porque, mas menti.
_ Tu moras por perto? Somos visinhos? – estava feita a aproximação.
_ Não! Passei aqui por acaso! –respondi com a maior naturalidade.
_ Estranho... Eu podia jurar que sempre via você sentado no outro lado da praça! – meu coração pulou feito louco, ele sabia de minha presença.
_ N.. N.. Não! – gaguejei – algumas vezes até já passei aqui, mas não sempre.
_ Estranho... Bom! É a idade! Quando eu era novo não esquecia ninguém, eu era... – meu coração agora quase parava – porteiro e dependia de ter uma boa memória, sabe como é né? – ele mentiu.
_ Cl.. Cl.. Claro! – E ele voltou a leitura.
_ Sabe qual é o problema de hoje em dia? A leitura! Ninguém mais lê. – colou seus olhos firmes e ao mesmo tempo cansados nos meus assustados. – se as pessoas tivessem o costume de ler, seriam mais atentas, mais espertas, mais amáveis, mais cultas, mais tudo...
_ Concordo com o senhor! – tentei voltar ao normal, será que ele percebia alguma coisa.
_ Hoje é um imediatismo! Ninguém tem tempo para nada!
_ Sim! – ali estava o gancho -.
_ Exato!
_ É por isso que adoro os “Pilares da terra” de Follet!
_ Como?
_ Os “Pilares da Terra”! O senhor não leu?
_ Não! – Não acredito, deu certo, era uma chance em mil e deu certo!
_ Mas é o melhor dele. Uma saga sobre a construção de uma catedral na idade média e que vai intercalando a vida de mais de uma geração.
_ Nunca ouvi falar... – aproveitei e desfiei um monte de elogios a obra de Follet, alguns sinceros e outros inventados, pois era o único livro dele que havia lido, os outros só conhecia o título. Meu visinho de banco ficou encantado e então fiz o convite.
_ Mas então tenho de lhe emprestar os dois tomos que tenho, o senhor vai adorar!
_ Adoraria! Ficaria gratissimo! Pode ser amanhã?
_ Que amanhã que nada! Vamos ali em casa e já aproveito para lhe apresentar para meus pais, eles adoram esse livro, vão adorar conhecer o senhor também!
_ Báh! Acho que não vai dar! Tenho de voltar logo para casa para preparar a janta de minha neta, ela vem do trabalho e tem de ir para a universidade... faz direito... sabe...
_ Ah! Mas é rápido! É só um pulinho!
_ Mas você disse que não mora perto...
_ Mas vamos de carro! Ele está logo ali! – Com pouco custo o convenci. Saímos lado a lado e entramos no meu Passat. Ele sentou ao meu lado.
_ Ali no banco de trás tem um monte de livros, talvez esteja os “Pilares” -. Ele virou-se para conferir e eu aproveitei para tirar do bolso o lenço e o vidro com o éter.

....continua...


terça-feira, abril 27

Continho miudinho 7


O rapaz estava pichando o monumento na praça central, quando chegou a viatura da polícia e o pegou em flagrante.
_ Mas seu guarda, isso não é depredação...
_ Ah é pirralho! O que é então?
_ Intervenções urbanas... Tá muito na moda isso!

segunda-feira, abril 26

Pequenas Crônicas de Pequenas Pessoas de Pequenas Cidades 16


Que votar o que! Esses políticos são todos corruptos!
Com esse friozão eu vou é para casa ver meu DVD que comprei do menino no bar, e depois fechar “unzinho” e ver uns filmes na minha SKYpirata, tomar um banho bem quente e demorado e ficar no aconchego do meu ar condicionado. Não pago nada mesmo, a energia elétrica vem do gato.


Qualquer semelhança com qualquer coisa ou pessoa é meramente qualquer coisa.

sexta-feira, abril 23

DIA NACIONAL DO CHORO


caricatura de "JBOSCO"

Aviso aos de bom gosto:
Hoje, 23 de abril, é o "Dia Nacional do Choro", por ser o dia em que nasceu Pixinguinha.

terça-feira, abril 20

Eu e a mana


Será que se morre sozinha?
Não sei! Só sei que não se nasce sozinha!
Normalmente tem um monte de gente de branco a nossa volta.
Sim! Mas às vezes não há os de branco, há apenas uma parteira e em alguns casos nem ela. Mas mesmo assim não estamos sozinhas, pois há a mãe, portanto ninguém nasce sozinha.
Quando vim ao mundo não havia ninguém além de mamãe. Mas mamãe sem o amparo de ninguém morreu.
Mas não fiquei só, pois poucos segundos antes havia nascido minha irmã e mesmo assim havia papai, que é bem verdade não estava ali, mas era carne de minha carne e portanto não estaríamos sozinhas.
Poucos dias após papai que nunca fora muito valente e era meio complicado das idéias, e que além de tudo havia sido marinheiro e, conhecia tudo de nós, colocou um bem forte em torno de seu pescoço no momento em que enfeitou com seu corpo balançante o abacateiro lá no quintal de casa.
Tia Nara, não por devoção, mas por ser a única pessoa que sobrou além de nós – eu e a mana – daquela família “kamicaze” ficou com a nossa guarda.
Ela fez tudo o que podia ter feito. O que esperar de uma pessoa que nasceu para ser triste e tia? De uma pessoa que tinha como hobby criar codornas? Não para ganhar dinheiro, mas só porque lhe disseram que as pobres avezinhas , apesar de botarem muitos ovos não conseguiam choca-los, pois haviam perdido o instinto de chocar, assim como ela!
Fomos para a escola - eu e a mana – e éramos boas alunas, mas sofríamos com brincadeiras inocentes e cruéis dos colegas, falando que nós havíamos matado nossa família.
Um dia, lá pela sexta série, pulou da ponte para a morte a professora Sofia, após descobrir que estava grávida de um viajante. O pessoal da escola começou a dizer que ela havia morrido por nossa causa - eu e a mana - .
Não liguei e continuei meus estudos, mas minha irmã nunca mais voltou a estudar. Por mais que tentássemos, ela não teve coragem de retornar a escola. Não verdade a mana ficou meio doidinha.
No dia de minha formatura, tive só a presença de tia Nara. Minha mana não veio, pois não saia de casa nunca.
Matriculei-me no curso de enfermagem, não era algo que queria ser, mas com uma família daquele jeito era o mais útil a fazer.
Fui a melhor aluna da classe, mas era tratada como um “ET” não só pelos colegas, mas também pelos professores. Parecia que eu tinha escrito na testa “danger”.
Veio o fim de ano. Fui aprovada com a melhor nota, mas ninguém pareceu notar ou quis comentar. Corri para o banheiro e chorei por mais de meia hora. Foi uma sensação boa. Não lembrava qual foi a última vez que havia chorado. Será que eu já havia chorado?
Quando voltava com uma cara forçada de alegria, Márcia, a bonequinha da turma disse algo ofensivo que até hoje não sei o que foi. Só sei que saltei nas fuças dela e a deixei quase desacordada.
Deram-me um documento para levar para a tia Nara dizendo que eu devia ser matriculada em outra escola, pois não seria mais aceita devido ao meu comportamento.
Queria voltar correndo para casa para mostrar minha aprovação com a melhor nota e ao mesmo tempo querendo morrer por estar sendo “convidada” a ir embora da escola.
Nunca havia bebido, mas busquei nos bolsos algumas moedas para comprar algo para encher a cara. Sabia que era isso que faziam as pessoas quando estavam no fundo do poço.
Não tinha mais que trinta centavos. Não conseguiria nada com aquilo.
Sentei no banco da praça próximo a minha casa e chorei novamente. Mas não foi igual.
Passados alguns minutos vi um catador de papel que vinha com seu carrinho qual burro de carga. Em suas sujas e calosas mãos havia uma garrafa plástica que supus ser de cachaça.
Sim! Vou puxar assunto e vou beber a cachaça dele. Ele ta no fim do poço e aí, eu também!
Quando ele chegou próximo, me olhou nos olhos. Fiquei muda! Aquele olhar eu já conhecia, era o olhar de louco, o mesmo olhar de meu falecido pai. Corri...corri...corri...
Chegando em nossa rua vi que as coisas não estavam normais. Em frente minha casa estava uma multidão. Não me contive...
_ Mana... – corri mais do que corri daqueles olhos e logo vi minha tia Nara ser levada por aqueles senhores de branco que não vieram quando eu mais precisava.
Na maca ia minha tia. Sabia que era ela, apesar de não dar para ver sua cara. Estava toda deformada e de sua face saia fumaça, bem como de todo o seu corpo. Desmaiei.
Acordei na casa dos Souzas – nossos vizinhos – e me disseram que tia Nara sabe-se lá porque havia derramado gasolina no corpo e acendido um cigarro. Logo ela que nunca havia fumado...
Estava eu nessa época já com dezoito e com o comprometimento dos Souzas de ficarem de olho, voltei para casa da tia Nara – eu e a mana -.
Todo dia depois da escola, tratava das codornas e ia ao hospital ver tia Nara, que não me via, pois estava em coma. Conversava com a calada tia e voltava para casa e mentia para a mana que estava tudo bem.
Algumas semanas depois fui ao hospital, como sempre fazia e encontrei a cama de tia Nara vazia. Procurei informações na recepção e soube por uma despreocupada atendente que ela havia morrido.
Fiquei atônita. Não sabia o que fazer e na dúvida fui embora.
_ Vou ficar com a mana, é tudo o que devo fazer! – decidi.
No caminho lembrei que esqueci de alimentar as codornas, secas e inférteis codornas, assim como tia Nara. Tinha de levar ração, passei na agropecuária.
_ Um quilo de ração postura, por favor! – O atendente me olhou com cara de nenhum amigo e disse:
_ Um momento, por favor! – O imbecil não sabia a perda que eu havia sofrido, caso contrario agiria como todos os seres humanos: como um hipócrita, e viria correndo me atender e me consolar.
Ouvi a conversa dele com outro cliente. O cara tinha um cão em estado terminal e queria acabar com o sofrimento dele, o que poderia fazer? O atendente “receitou” em voz baixa e inescrupulosa: Estricnina.
Pensei nas codornas. Elas como minha tia viviam presas e não tinham filhos, não será melhor elas partirem para outra?
Sem muita conversa comprei um pequeno potinho de estricnina e um quilo de ração.
Chegando em casa fui direto ao galpãozinho onde estavam as quatro gaiolas com vinte codornas cada. Vi a movimentação delas. Sabiam que era a hora da comida.
Podia administra-las o néctar de belzebu, mas vendo elas com fome, alimentei-as. Elas mereciam uma última refeição como nos filmes americanos.
_Então vamos lá!
Mataram a fome, agora era a minha vez. Retirei os bebedouros e misturei pequeníssimas partes do veneno na água.
Coloquei de volta os bebedouros, agora não só com água, mas com estricnina.
Puxei um banco e fiquei a olhar. As avezinhas vinham, bebiam poucos goles e tremiam as frágeis patinhas e caiam de lado. Outras vinham e bebiam e caiam sobre as primeiras até não sobrar mais nenhuma em pé.
Estava feito.
Fui à cozinha e fiz um saboroso suco de laranja. Enchi dois copos. Busquei no bolso a embalagem e distribui o veneno em partes iguais nos dois copos.
Não diziam que eu sempre trazia a morte? Pois bem... Agora teriam a certeza.
_ Mana!... – chamei minha irmã. Ela veio quieta sem falar nada e sentou-se a mesa em frente a seu copo de suco com estricnina. Se ela sabia, eu não sei! Mas nunca mais eles iriam falar coisas que não eram verdades sobre nós – eu e a mana- .
Fizemos um brinde e emborcamos os copos. Em pouco tempo um vulcão começou a erupir em minhas entranhas. Desci do banco em que estava e deitei no chão. Em minhas mãos estava uma caneta e um papel em branco. Antes de apagar consegui escrever:
_ Sempre acharam que eu e minha irmã éramos assassinas, pois agora podem ficar com a certeza, ela nunca foi culpada de nada. Quem sempre matou fui eu! Ela é inocente.
Perdi os movimentos, perdi o tato e a visão em pouco tempo. O único sentido que resistiu por mais tempo foi o da audição, pelo menos a tempo de ouvir, minha tia Nara que eu julgava morta chegar com mais alguém e ler em voz alta meu bilhete e dizer:
_Irmã?... Mas que irmã?... Ela era filha única!

segunda-feira, abril 19

AOS ENGENHEIROS E ARQUITETOS


Era um caos, e Deus resolveu botar a mão na massa.
Pensou: Chega de viver eternamente nesta bagunça, e no primeiro dia criou o céu, a terra e a luz e, junto com isso à noite e o dia.
No segundo dia ele só separou as coisas com o firmamento.
No terceiro ele criou o chão firme separado do mar e encheu a terra de vegetação.
No quarto dia fez o sol e a lua – tava inspirado, sem dúvida -.
No quinto criou os peixes e os pássaros e permitiu a eles a cópula.
No sexto dia ele querendo mostrar serviço fez os insetos, répteis, anfíbios e mamíferos, inclusive alguém para dominar tudo isso: o homem.
E no sétimo ele descansou.
Para lá! Se Ele com todo o seu poder teve de descansar no sétimo dia, pelo amor “Dele”, deixem eu descansar pelo menos dois dias.
Não que eu goste de trabalhar, mas já trabalho sem reclamar cinco dias a fio.
Podiam ao menos me deixar descansar sábado e domingo né!

quinta-feira, abril 15

Toda a natureza


Desenhei na areia teu rosto
Vi nas estrelas teus olhos
Senti nas ondas teus movimentos
No sol todo o seu calor.

Senti na cerração teu suor
Na copa das árvores teus cabelos
Nos troncos tuas firmes pernas
Nas raízes teus doces pés.

Repousei em cumes como se fossem teus ombros
Deitei em planícies como em teu colo
Subi em montanhas feitos os teus seios
Dormi em relvas como em teu púbis.

Senti no vento teu hálito
Na chuva a tua saliva
Em úmidas cavernas teu ventre
No trovejar o teu coração.

Não queiras então que eu te esqueças
Se és tu para mim toda a natureza.

quarta-feira, abril 14

Frases erradas


Escrever é se aventurar a cometer erros.
Será que não cometi um erro ou mais na frase acima?
Gosto de escrever e cometo muitos erros, o que dizer de pessoas que pouco escrevem e quase ou nada lêem!
Escrevo ao computador e conto com o corretor do Word e muitas vezes ele me “corrige” fazendo a frase que estava certa sair errada – quem usa o Word sabe o que digo -.
Em outras vezes, nós dois erramos.
Escrevo e faço a minha correção e quando faço o “post” muitas vezes encontro outros erros e alguns outros passam despercebidos ou simplesmente eu não tenho conhecimento suficiente para saber que está errado – os por quês então nem se fala, já desisti e escrevo todos eles iguais, e todo mundo entende -.
E tenho a certeza que se eu tivesse o costume de reler dias após meus “post’s” encontraria outros erros, pois como desenhista projetista tenho a experiência e sei que quando eu erro algo no projeto, erro achando que estou certo e, portanto posso olhar inúmeras vezes e dificilmente perceberei o erro. Por isso a necessidade de um revisor para o projeto.
Pena eu não ter um revisor para o que escrevo – não se intimidem... -.
Só como exemplo, no parágrafo acima, o corretor do Word sublinhou “Pena eu” e deu-me como certo “Peno eu”. O corretor não conseguiu entender o significado da frase.
Mas estou falando disso por causa de duas frases que li ontem.
Em uma faixa institucional enorme com letras garrafais, falando de um circuito ciclístico, trocaram “internacional” por “internaciolal”.
Fiquei pensando: o fato do cara que escreveu ou plotou a faixa ter errado não é lá um crime muito grande, mas o cara que foi pegar a faixa não percebeu o erro? E as pessoas que subiram a escada encostada ao poste para fixarem-na não viram também? Normal! Mas e o cara que estava lá comandando o serviço? Ele não viu nada? Achei absurdo!
Poucos minutos depois, mordi a língua! Estando em um elevador panorâmico que utilizo regularmente, li uma frase em uma placa que vejo quase todos os dias, escrito “os que os olhos...” em vez de “o que os olhos...”
O erro na placa da clínica está lá há anos e eu a li inúmeras vezes e nunca havia percebido o erro! Talvez a bela proprietária – pelo menos acho que é a proprietária – não tenha também percebido o erro ou não a trocou por economia.
Mas enfim... Só pode errar quem escreve.
Vamos escrever! Escrever é a melhor forma de aprender e ensinar a pensar!

terça-feira, abril 13

Os vários goles de cerveja


Li a crônica “O primeiro gole de cerveja” de Phiilippe Delerm do livro de mesmo título da crônica, com o sub-título “e outros minúsculos prazeres”.
Gostei. Mas praticamente só desta crônica, achei as outras meio chatas – quero ler outros livros dele para ver se tenho uma outra opinião – . Ele tem uma narração gostosa e fluente, sem aquela coisa de gastar uma página inteira só para dizer como era o ambiente em que acontecia o fato narrado. É “toma lá dá cá”!
Mas discordo do autor, mesmo tendo gostado da crônica.
Ele diz ser o primeiro gole o “único” que conta.
Bom! Eu não conto os goles, mas saboreio quase todos os que tomo. Normalmente só não é maravilhoso alguns que são acompanhados por pessoas chatas.
Quando os goles não forem prazerosos é só parar de tomar e pronto.
Ele – o autor da crônica - até acha que o “último, talvez, encerra a desilusão do fim de um falso poder”.
Ora! “Beber por poder”? Eu bebo cerveja porque gosto de beber cerveja. Bebo para me divertir, bebo para rir, bebo para amar, bebo para transar, bebo para brincar, bebo para brindar, bebo para discutir todos os assuntos no bar, bebo para ...
Claro! Os chatos que não bebem e até alguns chatos que bebem vão dizer que eu bebo porque sou alcoólatra e pronto!
Só tomo cerveja! É a única bebida que gosto e se não tiver ela não bebo nada – uma garrafa de vodca já ficou mais de um ano em minha geladeira e talvez estivesse lá não fosse o meu irmão fazer caipira para ele beber, porque não tomo caipira também.
Agora, achar que só o primeiro gole é delicioso é loucura, motivo para crônica ou opinião de quem não gosta de tomar cerveja.
Enquanto houver disponibilidade de horário, boa conversa, saúde, dinheiro e bons amigos, todos os goles são maravilhosos.
Claro! Se o vivente vier de um grande porrão da noite anterior eu entendo que não queira beber, mas quem mandou ele não parar quando era para parar?
Bebo pelos motivos que já falei acima e muitos outros que não falei, e sei que a maioria daqueles olhares que vem dos que passam na rua e que parecem recriminadores ao ver-nos em nosso “happy-hour” nada mais é do que olhares de inveja.
É o olhar de pessoas que não podem beber o primeiro gole porque não irão mais parar, ou estão aprisionadas a uma religião castradora ou em um casamento infeliz e que não podem dizer: Até mais tarde amor! Vou tomar umas com os amigos e chego mais tarde!
Saúde aos da confraria e uma prô santo!

sexta-feira, abril 9

ODEIO ÂNCORAS


Há quem diga que não goste de TV. Não sou um deles. Gosto de TV, principalmente para assistir os famosos “seriados enlatados” – e sempre e em primeiro lugar “House” – e telejornais.
Mas tem uma coisa que realmente odeio: Os âncoras de telejornais que me consideram idiota.
Moro no RS e só tenho em casa a TV aberta e, dou preferência aos telejornais da TVE – que também veiculam os da TV Cultura – e os da RBSTV – que também veiculam os da Globo - , porque – a menos que eu esteja enganado – são os únicos que dão a noticia simplesmente. Ou seja: depois de eu ver e ouvir a matéria apresentada o âncora não explica o que eu acabei de ver e ouvir.
Não se deve fazer um jornalismo achando que o telespectador é um idiota e não tem QI suficiente para entender o que ele viu e ouviu.
E pior ainda é aquele âncora que depois de apresentar uma noticia dá a opinião dele sobre o que foi veiculado.
Dê-me a informação e deixem que eu faça o meu juízo do que foi apresentado. Pouco me interessa o que o âncora pensa. Eu é que vou tirar minhas conclusões e filtrarei o que acho certo ou errado, verdade ou mentira.
Dito isto, não preciso dizer que acho terrível um telejornal apresentado por Boris Casoy, que é o maior palpiteiro – preconceituoso e moralista de cuecas – da TV brasileira.
Os garis que o digam!



quarta-feira, abril 7

Pequenas Crônicas de Pequenas Pessoas de Pequenas Cidades 15


Ele adora uma cervejinha, mas não sendo chegado a um trabalho, o dinheiro também não é chegado ao seu bolso.
Chega no bar, escolhe a mesa de conhecidos e senta. Puxa papo e pede várias cervejas.
Antes de pedirem a conta ele já se retirou e não pagou nada ,mas deixou suas cervejas para os outros da mesa pagarem.

quinta-feira, abril 1

Herdeiro do Continente Solidão


O ar era quase água. A fina e teimosa chuva cedera, mas uma neblina branca e gelada permanecia. Vladimir - o caçula do Coronel Pimentel -, estava moído e molhado após uma noite acantonado no pequeno capão. Eles - os homens -, estavam impacientes assim como os cavalos. A aba do chapéu de couro surrado em pouco ajudava. A água escorria olho adentro do noviço cavaleiro, mas mesmo assim, dava para ver ao longe o exército imperial em formação.
Vladimir em seu jovem cavalo sentia-se – mesmo com medo -, protegido em meio a tantos homens corajosos e calejados em dezenas de peleias. Ao seu lado, estava Juvenal – peão que o Coronel Pimentel mandara achando que o filho não sabia para ficar de olho no caçula – montado em um tordilho veterano de guerra. Mesmo em meio a tantos homens – alguns conhecidos – e ao lado de Juvenal, Vladimir sentia-se sozinho.
Na fazenda do pai, desde a mais tenra idade, sempre se sentira sozinho. Os guris que brincavam com ele estavam sempre distantes como sempre ficam distantes as classes ditas inferiores em frente às ditas superiores. Eles não o viam como um amigo e sim como o filho do patrão.
Um silêncio caiu sobre os cavalos e cavaleiros. Vladimir percebeu que o General Neto devia ter chegado. Aquele silêncio era sinal de respeito ao famoso guerreiro que Vladimir admirava sem nunca ter visto pessoalmente, mas já ouvira o suficiente para reverenciar. E em sua cabeça ele – o General – era um gigante que cavalgava um alvo e portentoso titã.
A sua frente cruzou algo com uma forma mais humana, mas que não desgostou Vladimir. Aquele sereno olhar transmitia segurança e seduzia qualquer companheiro de armas.
Sim! Era o General. Ninguém precisava apresentar, pois ele tinha aquele olhar de quem manda. Apesar de ser um oficial, suas roupas em pouco se diferenciavam dos demais. O uniforme azul estava todo em frangalhos e bastante sujo.
Vladimir teve seu olhar roubado da imagem do General para o movimento que surgiu nas tropas inimigas. Percebeu que elas não estavam mais paradas, mas vinham em sua direção. Seu olhar novamente foi roubado por outro movimento, era a mão de Neto que corria dos arreios ao punho da espada.
Todos os cavaleiros em sua volta retesaram-se. Alguns mostravam na face preocupação enquanto outros – a maioria – esboçavam um sorriso de contentamento.
A espada do general saiu da bainha e apontou para o alto e baixou em direção dos inimigos ao grito de: _Carga!
Em meio a relinchos, sapucais e terra escavada por cascos nervosos, Vladimir ficou sozinho. Não sabia o que fazer e só não foi atropelado pelos cavaleiros que estavam em sua retaguarda porque a mão forte de Juvenal - assim como a espada de Neto - baixou na anca de sua montaria.
O cavalo, mesmo jovem e não acostumado com uma carga de cavalaria, ao sentir uma palmada jogou-se em disparada. Não era guiado. Ia apenas junto com os outros cavalos, pois não queria sentir-se sozinho como se sentia sozinho, o sozinho Vladimir.
A sua frente ia muitos ginetes com as armas em punho. Não divisava o inimigo. Logo começou a ouvir o pipocar de tiros e só então percebeu que poderia estar indo para a morte. A visão começou ficar turva pelos pingos da chuva, que agora eram mais severos, pois seu chapéu voara sabe-se lá para onde, e pelo desespero, e não pelo medo de morrer, mas por estar ali sozinho, esporeou sua montaria para ficar perto dos outros guerreiros.
Com o galope, seu corpo começou a tender para a direita. Estava acostumado a passeios a cavalo, mas nunca em um galope desenfreado como aquele. Tentou equilibrar-se, mas não conseguia. Iria ao chão e morreria sob os casco de vários cavalos não fosse o ombro de Juvenal, sempre zeloso que o endireitou sobre a cela.
Agora já dono de sua montaria virou para agradecer Juvenal. Gritou algo para Juvenal que nem ele sabe o que foi. Juvenal deu aquele sorriso de velho cão amigo e jogou a cabeça para trás. Quando a cabeça do amigo e velho empregado de seu pai voltou para frente, havia um buraco entre os olhos de cão amigo que jorrava um sangue vermelho escuro, mas os olhos já não viam nada.
Juvenal tombou sobre o pescoço do cavalo e deslizou lentamente até encontrar o chão coberto de geada e terra escavada e foi surrado pelas patas dos cavalos que vinham atrás.
Vladimir sentiu-se novamente sozinho, e ficaria ali horrorizado com a cena que havia presenciado não fosse os sons que o acordaram de seu devaneio.
Gritos de dor e sapucais. Relinchos e baques secos de peitos de cavalos a chocarem-se com os de outros. Tiros e tilintares de espadas, facas e facões. Barulhos secos de lanças quebrando-se no peito de cavaleiros e cavalos.
Por instinto ou por medo Vladimir sacou a espada da cintura. Ao ver a presença de um soldado imperial em sua frente, golpeou. Ouviu um gemido e sua espada caiu junto com o soldado ferido ou morto que a tinha cravada ao peito.
Seu cavalo, neófito a guerras assim como ele procurou afastar-se da refrega. Uma espada quase cortou-lhe o peito não fosse a fuga de sua montaria em busca de lugar seguro.
Aos poucos Vladimir saiu do meio da turba e postou-se ao lado dos cavaleiros que se debatiam feito loucos. Sua primeira intenção era fugir, mas lembrara-se das palavras do Coronel Pimentel, seu pai, dizendo que nunca sua família fugiu de uma luta e tomado de uma motivação insana, sacou da garrucha que trazia na cintura e deu dois disparos.
Vê um imperial cair do cavalo, mas não tem certeza se foi por causa de seus tiros. Uma lança cruza a poucos palmos de seu peito. Ele esporeia seu jovem cavalo e vai ao encontro da refrega. Não tem o que fazer, sabe que está sozinho.
Está sem espada e com a garrucha descarregada. Jogou-se da cela sobre o primeiro soldado que encontrou. Agarrou-se ao soldado e o derrubou de sua montaria. Caiu no chão ao lado do inimigo. Desesperadamente levantou-se e percebeu que o homem que ele derrubou caíra sobre a própria espada, que atravessou o próprio tronco do inimigo.
Virou-se e recebeu um pontapé de um cavalariano imperial no rosto. Deu um giro e caiu de rosto na água pardacenta que se juntou no baixio e começou e ficar avermelhada na mesma proporção que caia os corpos.
Ao entrar por sua garganta uma água batizada com sangue, pensa: esse deve ser o batismo de fogo que meus ancestrais queriam!.
Firmou a mão esquerda no solo barrento para erguer o corpo, quando uma dor lancinante partiu da mão até seu cérebro e transformou-se num urro agonizante.
A pata de um cavalo do seu próprio exército – se é que se pode chamar assim um grupamento esfarrapado como o deles – pisou em sua mão esquerda. Sentiu as falanges e falangetas quebrarem-se como pequenos gravetos utilizados para começar o fogo de um churrasco.
A custo conseguiu desenterrar a mão quebrada do meio do barro. A camada de barro escondeu um pouco o estrago, mas percebeu que seus dedos não estavam na posição que deveriam estar.
Ergueu-se, mas não a tempo de ser surpreendido pelo imperial que saltou como uma fera selvagem sobre seu corpo já bastante ferido.
Conseguiu erguer-se antes de seu agressor. Viu uma espada que boiava por ter o punho de madeira e apoderou-se dela. Quando seu atacante tentou erguer-se, desferiu a lâmina da espada circularmente e cortou o ventre inimigo que não teve tempo nem de tentar segurar as entranhas que caiam na água como se fossem peixes procurando a salvação.
Olhou para todos os lados e tudo era barbárie. Sem dúvida não havia nascido para aquilo ali. Preferia os poucos livros da fazenda e a música do galpão, mas agora não tinha mais escolha: era matar ou morrer.
Mesmo tendo vivido sempre sozinho, preferia a vida que morrer em meio a tanta gente. Saiu correndo do meio daquele lodaçal e foi postar-se num local mais elevado.
Era um local seco mas, já estava ocupado por um soldado imperial. Que vendo Vladimir correndo para seu posto fez rapidamente a mira.
Abaixou-se a tempo de ouvir o estampido e sentir um deslocamento de ar pentear seus cabelos.
Por extinto de sobrevivência ou por herança de seus ancestrais, jogou-se no chão ao mesmo tempo em que varava o abdômen do atirador.
Galgou o local seco onde antes estava sua vitima e ficou em posição de defesa.
Viu o General Neto cruzar a toda brida seguido de muitos cavaleiros. Entendeu: perdemos esta batalha, tenho de me juntar aos meus para nos organizarmos para a outra batalha. Já pensava como um guerreiro mesmo sem perceber. Já estava batizado. Mas ainda estava só!
Os imperiais ao verem os farrapos fugirem foram em em encalço mas, uns cinco soldados que perderam os cavalos viram Vladimir no cimo do morro.
Os que não estavam armados procuraram no chão alguma espada e vieram em sua direção.
Vladimir se viu sozinho. Vivera sozinho a vida toda e aquilo não o espantou. Soltou um estupendo sapucaí e correu para o inimigo.
A superioridade em numero não valeu de nada. Em poucos minutos estava Vladimir com sua espada empapada em sangue circundado por cinco imperiais mortos.
Vladimir não se sentia herói.
Vladimir olhou para os lados e ainda estava só!
Ele realmente era um dos herdeiros do Continente Solidão.